Empreendedorismo Na Geração Y

Nomeada uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil pela revista Época em 2012, a empreendedora brasileira Bel Pesce, 25 anos, é apaixonada por educação e tecnologia.


Empreendedorismo Na Geração Y


Nomeada uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil pela revista Época em 2012, a empreendedora brasileira Bel Pesce, 25 anos, é apaixonada por educação e tecnologia. Passou os últimos 7 anos nos Estados Unidos estudando no MIT (Massachusetts Institute of Technology), onde cursou Engenharia Elétrica, Ciências da Comunicação, Matemática, Administração, Economia e um mestrado profissional no Google.
Trabalhou em startups e empresas de renome como Microsoft, Google, MIT Media Lab, MIT Gordon Engineeers - um avançado programa sobre liderança - e criou a startup Lemon, tendo como destaque um aplicativo para controle financeiro.
Ganhou ainda mais notoriedade quando lançou no ano passado o livro "A Menina do Vale", sobre como o empreendedorismo pode mudar a vida das pessoas. Publicado primeiramente como e-book grátis, superou a marca de um milhão de downloads e foi seguido pelo livro impresso, que ficou por semanas entre os livros mais vendidos no Brasil.
Este ano voltou a morar em solo brasileiro para fundar a FazINOVA, uma escola de inovação e empreendedorismo, e lançou em maio seu segundo livro: "Procuram-se Super-heróis: Multiplique seus Poderes e Desenvolva Habilidades".
Entre uma reunião e outra, Bel concedeu uma entrevista exclusiva à revista Meio Filtrante sobre empreendedorismo e os desafios da geração Y. 
 
Para você, o que é empreender?
Eu vejo empreendedorismo da seguinte maneira: o empreendedor é alguém que cria produtos ou serviços que podem tocar vidas. É por isso que eu acho tão lindo empreender.

Quais as características de um bom empreendedor para os tempos atuais?
Há muitas que são relevantes, mas eu destaco três: iniciativa, determinação e perseverança. Porque a verdade é, quando você for empreender vai se deparar com situações para as quais não tem a resposta certa, é comum ter que tomar uma decisão diante de grandes incertezas. Então, tem que ter iniciativa para aprender novas coisas, conseguir encontrar o máximo de informações possíveis em um curto espaço de tempo. Determinação para saber que em certa hora vai ter que tomar uma decisão e tem que ter perseverança, porque algumas vezes, a decisão não vai ser perfeita. Só que você tem que perseverar para aprender com o erro e acertar posteriormente.
 
Resumidamente, qual a sua trajetória, quando e como decidiu se tornar uma empreendedora?

Isso é bem interessante, porque quando aos 17 anos fui para os Estados Unidos, nunca tinha ouvido a palavra empreendedorismo. Isso foi há 8 anos e a palavra não tinha tanta visibilidade como agora no Brasil, até porque na minha família não havia nenhum empreendedor, então não cresci nesse meio e não conversava sobre isso.
No primeiro ano da faculdade eu queria agarrar o mundo com as mãos, aprender sobre muitas coisas e acabei participando de uma competição de plano de negócios na qual ensinaram o conceito de empreender. Foi o máximo, porque se empreender é criar produtos e serviços que tocam vidas, o que fiz a vida toda desde pequena foi criar coisas novas, quando desmontava um computador com defeito para consertar depois ou bolava um script para uma fita de vídeo. Eu queria que as pessoas gostassem e quisessem usar as minhas ideias. Não sabia que isso era ser empreendedora, querer descobrir coisas e torná-las viáveis. A minha trajetória como empreendedora começou  aos 7 anos jogando game boy e ao mesmo tempo desenhando uma ideia de jogo. Aos 8, fazendo bijuterias que eu vendia; e aos 12, eu já criava web sites.
 
Quais foram suas maiores dificuldades e realizações até chegar no estágio atual?
Às vezes a gente pensa: é uma realização entrar no MIT, mas existe algo ainda mais amplo.Quando soube que fui aceita no MIT, mais do que entrar lá e fazer os cursos, foi perceber que aos 17 anos eu tinha influência sobre as coisas que eu queria fazer, pois reparei que era difícil,havia partes do processo sobre as quais parecia que eu não tinha controle, mas que na realidade eu tinha mais controle do que imaginava.
Esse aprendizado foi maior até do que estudar lá. Correr atrás de algo e conseguir, me mostrou em uma escala superior que é possível conquistar o que queremos, criar a própria sorte. Uma grande realização atual é que a FazINOVA já está com 7 funcionários e cada uma dessas pessoas se sente parte da empresa, todos querem dar o seu melhor. É uma realização macro que leva a várias realizações micro. Minha maior dificuldade é perceber que todas as coisas são mais difíceis de realizar do que imaginamos: gerir pessoas, entregar resultados, administrar o tempo. Mas como diz um amigo, se você está disposto a lidar com a dor, as metas ficam mais fáceis, porque a maioria foge do que é difícil.

 
Empreendedorismo Na Geração Y


O que mudou comparando os empreendedores do passado com os empreendedores da geração Y? Quem são os empreendedores que você mais admira ou se espelha?
A geração Y tem acesso a tecnologia, informação e pessoas, em proporções sem precedentes na história. Com isso as expectativas mudam, eles querem reconhecimento instantâneo, solução instantânea. Fazem tudo com paixão, coração - o que é fantástico - mas também dispersam demais. E isso tem um lado ruim, porque apesar dessas novas ferramentas, conseguir fazer acontecer continua sendo algo que você precisa trabalhar um dia após o outro. Os melhores trabalhos são feitos a longo prazo, temos que administrar derrotas e conquistas. A urgência em executar também tem seu lado positivo, porém muitas empresas ainda não sabem como canalizar esta energia para obter uma produtividade ideal. Por outro lado, a geração Y tem que buscar entender que está produzindo, mesmo sem um reconhecimento instantâneo. As empresas que souberem canalizar isso vão obter um sucesso absurdo com a geração Y.
Entre os empreendedores, admiro Elon Musk, sul-africano que aos 30 anos vendeu a PayPal e uma outra empresa, ganhou mais de 300 milhões de dólares e poderia ter parado aí. Hoje possui três empresas: Tesla, que tem o objetivo de mudar a forma como interagimos com os carros; Solar City, provedora americana de serviços de energia sem fins lucrativos; e SpaceX, de projetos espaciais que quer levar pessoas para Marte. E Hyperloop, sua ideia mais recente, é de um trem que usará um tubo subterrâneo para transportar pessoas em altíssima velocidade.
Todas são metas extremamente ambiciosas, nas quais muitas pessoas não acreditaram e ele empregou o próprio dinheiro. Chegou a falir nesse processo, mas conseguiu se reerguer e está de novo no topo. Com certeza falir não é legal, mas é uma história real e fantástica de quem acredita e persegue seus sonhos.
 
É possível aprender a empreender ou há pessoas que só nasceram para ser comandadas? Como funciona o seu método de ensino? Já pode citar algum resultado prático?

Discordo que há pessoas que só nasceram para ser comandadas. Acho que há perfis e não adianta ir contra o seu perfil. Há pessoas que gostam de ser comandadas, empreender traz vários riscos e não são todas as pessoas que gostam de correr riscos. É possível empreender dentro de uma empresa, realizar projetos, ser um líder - o que minimiza os riscos. Acima de tudo, é preciso compreender como você é. Por isso, na FazINOVA o nosso método de ensino começa com uma análise de perfil para viabilizar uma estrutura em que cada um consiga extrair o melhor de si, porque empreender não é só abrir empresas, é conseguir realizar projetos, estar no seu melhor potencial.
Já tivemos diversos resultados com o nosso método, cito uma aluna do Rio de Janeiro que reparei ser extremamente boa em música mas não compunha há alguns anos. Após nosso método de análise na FazINOVA, fiz questão de sentar com ela como em uma sessão de coaching, encorajando-a e compusemos uma música juntas. Agora ela voltou para o universo da música. Outro exemplo é a Dr. Tech, uma empresa que se formou na primeira turma de empreendedorismo, concorreu com centenas de candidatos que já estão no mercado há mais tempo e conquistou vaga na Aceleratech, incubadora de empresas da ESPM.
 
Há idade para começar a empreender?
Com certeza, não. O que existe são algumas circunstâncias nas quais há menos predisposição para o risco: filhos na escola, casamento, onde errar fará uma enorme diferença. Tem que aprender a calcular o risco para empreender dentro desse contexto. Nos primeiros capítulos do livro "A Menina do Vale", falo sobre isso. O conceito de idade é cruel e rotula as pessoas. Se são jovens, não sabem muito; se são idosos, é porque já está tarde. Na realidade, a idade é só um número, criatividade não tem idade, o que vale é a idade mental. Comecei jovem, curiosa e com muita vontade de aprender.
 
A idade ainda é obstáculo para comandar equipes? Já se deparou com essa questão?
No meu caso não foi. No Vale a experiência que eu tive mostrou que um líder não lidera por autoridade explícita, lidera por influência conquistada e isso se obtém dando bons exemplos. A liderança pode acontecer em qualquer idade. Aos 21, trabalhei na empresa Ooyala, que começou a crescer e minha equipe também cresceu. Com 22 anos eu comandava três equipes, na maioria homens e mais velhos, não tive nenhum problema com isso. Quando se é jovem, nos preocupamos em sermos aceitos e não nos resultados, mas se seu trabalho for bom, você será automaticamente aceito. No livro "Sonho Grande", de Cristiane Correa, tem uma frase do Jorge Paulo Lemann: "tem que focar na bolinha e não na torcida". Quando você lidera uma equipe, há dias mais difíceis e dias mais fáceis, mas o importante é focar em trazer resultados.

 
Empreendedorismo Na Geração Y


A sociedade moderna ainda é preconceituosa ou encara com naturalidade uma mulher jovem no comando?

Muitas pessoas falam em preconceito mas eu nunca sofri isso, acredito na questão do resultado. Tem uma frase do Gandhi que diz: First they ignore you, then they laugh at you, then they fight you, then you win (primeiro eles te ignoram, depois riem de você, depois brigam com você, então você ganha). Nunca tive a experiência de ser ignorada, mas o resultado que você entrega resolve qualquer história.
 
A tecnologia ajudou no surgimento de uma nova geração de empreendedores?
Sim, acho que com o acesso à tecnologia nunca foi tão fácil começar algo e minimizar o risco. Continua a ser extremamente difícil empreender, porque a maior incerteza é criar o que ninguém quer, mas com as ferramentas que existem agora dá para fazer testes que antes não eram possíveis. Vale a pena entender um pouco da escola do "Lean Startup", que fala em usar um pouco das ferramentas disponíveis - nem só as digitais, para criar um produto que seja a menor versão possível do que você quer criar, mas que possibilite obter o maior número possível de respostas.
 
É preciso já ter dinheiro para se tornar empreendedor? O dinheiro é um obstáculo a considerar ou sempre haverá dinheiro no mercado para apoiar bons projetos? Quais as suas dicas nesse sentido?
Com o acesso à informação que temos hoje, é possível fazer mais coisas sem dinheiro do que imaginamos, as ferramentas e a tecnologia estão mais baratas do que antigamente. Você pode começar uma empresa digital com dois computadores no seu próprio quarto. Muito dinheiro às vezes não é bom, porque você acaba não focando obsessivamente em algo que as pessoas querem. Por outro lado, é preciso dinheiro para contratar talentos, produzir algum produto. O importante é evitar que o dinheiro vire um gargalo, que pela falta dele as coisas não aconteçam.  Mas é surpreendente saber o quanto dá para fazer sem dinheiro.

 
Empreendedorismo Na Geração Y


Temos visto ultimamente muitos brasileiros no comando de multinacionais. O Brasil é um país de empreendedores ou esse é um fenômeno mundial?
Admiro bastante o Brasil e sei que temos muito a melhorar, mas os melhores talentos que já encontrei são brasileiros. O que nos faz ser grandes empreendedores é que aprendemos a fazer milagres com poucos recursos, criatividade e habilidade em realizar.
 
O empreendedor do futuro deve se focar em um só projeto ou ter capacidade de comandar mais de um projeto ao mesmo tempo? Como avaliar e obter resultados nesse cenário?
Você pode ter um ou mais projetos, o que depende é o tipo do projeto que está desenvolvendo.  No mundo temos projetos que ainda levarão muitos anos até que consigam ser resolvidos, como a cura de doenças, os problemas sociais, a distribuição da água etc. Também existe o empreendedor em série, que administra diversas companhias ao mesmo tempo. Contanto que ele tenha foco em cada um daqueles projetos e entregue resultados, não vejo problemas em ter mais do que um ponto focal. Por outro lado, se o malabarismo de vários projetos estiver limitando o crescimento dos mesmos, daí vale a pena reavaliar em quais projetos o empreendedor deve colocar seu tempo.
 
Como ser um empreendedor relevante em um mundo em constante mudança?
A constante mudança é um benefício, o mundo se move com rapidez. Sempre vai ser relevante criar algo que as pessoas precisem, mesmo que elas não saibam. As necessidades vão aparecendo, coisas novas vão surgindo e temos que nos adaptar rapidamente a essa realidade.
 
Você tem uma vida muito atribulada. É possível conciliar trabalho e diversão?
Faço grandes amigos mesmo durante negócios, os quais tenho certeza que levarei pela vida toda. Gosto de misturar trabalho e diversão e não vejo distinção entre eles.  Por que não fazer amigos durante um jantar de negócios? Mesmo atribulada, gosto dessa mistura. Acho que equilíbrio é questão de conhecimento. Aprendizado é relevante para mim e isso acontece respondendo um e-mail, dando uma aula ou vendo um filme. O meu equilíbrio é o desequilíbrio, gosto de ter compromissos o dia todo, sair para jantar, depois encontrar um amigo que gosta de fazer música e dormir tarde, mas feliz por saber que no dia seguinte começa tudo de novo. Eu funciono dessa forma, cada um tem que descobrir como funciona. No meu caso, vejo tudo isso como vida e quero viver todas essas coisas.
 
O que você ainda espera realizar e qual a sua visão do futuro?
Minha lista de previsões é longa mas quanto mais vidas eu tocar com meus projetos, mais feliz eu vou ser. Tenho muito trabalho pela frente, quero se possível chegar em 1 bilhão de pessoas influenciadas globalmente pelo conteúdo da FazINOVA. Quanto mais eficaz for o impacto, melhor. Também quero realizar projetos com outras pessoas, participando ou simplesmente ajudando na realização.
 
Qual o seu conselho para futuros empreendedores?
Às vezes achamos que somos um pontinho insignificante no mundo e o que fazemos pode ser irrelevante, mas estamos enganados. É impressionante como é possível influenciar pessoas e causar grandes mudanças em suas vidas. Pessoas usando um produto desenhado por você ou ouvindo ideias que você conhece. Acredite que um passo atrás do outro, mesmo que passos pequenos, é que farão a sua caminhada.

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