Eletricidade É Combustível
Por Meio Filtrante
Edição Nº 27 - Julho/Agosto de 2007 - Ano 6
Com protótipos e testes do que poderá ser o carro elétrico, fabricantes de filtros automotivos pesquisam o assunto e opinam quanto ao impacto que a mudança trará ao mercado
Com protótipos e testes do que poderá ser o carro elétrico, fabricantes de filtros automotivos pesquisam o assunto e opinam quanto ao impacto que a mudança trará ao mercado
por Tiago Dias
Em 1974 a Gurgel, montadora de veículos nacionais que fechou as portas em 1994, apresentava um pioneiro projeto de carro elétrico na América Latina. Com o nome de Itaipu (em referência à usina hidrelétrica), o veículo usava baterias recarregáveis pesadas cuja durabilidade era pouca, semelhantes às usadas em veículo de auto-tração, como as empilhadeiras. Segundo informações do fórum Gurgel 800, site onde fãs discutem sobre a marca, outras versões do protótipo foram fabricadas e comercializadas para estatais e frotistas. Hoje, para a decepção dos mais entusiastas da época, a novidade ainda não está nas ruas com grande utilização. Mas ao menos vem ganhando a cada dia mais visibilidade, envolvendo parcerias e universidades.
Um dos projetos mais conhecidos e que rendeu ótimos resultados é o VEGA II. À frente do desenvolvimento do primeiro veículo elétrico nacional com células a combustível estão os pesquisadores da Unicamp. O projeto, orçado em R$ 400 mil, foi encomendado pelo Ministério de Minas e Energia e contou com diversas empresas do setor automotivo – menos os fabricantes de filtros, que ainda não foram chamados para participar dos testes, concluídos no final de 2004.
O físico e professor Ennio Peres da Silva, coordenador do Laboratório de Hidrogênio e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe), responsável pela pesquisa, conta que o projeto começou em 1992 e teve até o momento duas etapas: o VEGA I, que foi um veículo híbrido, com motor de combustão interna a hidrogênio e bateria, e o VEGA II, onde o motor foi substituído por uma célula a combustível. No
primeiro caso, o motor elétrico acoplado à transmissão era de 15 kW, e no segundo de 25 kW. Híbrido significa mistura e é exatamente essa a idéia que impulsiona o veículo. A célula a combustível é a principal diferença entre o VEGA II e os veículos habituais. A célula é parecida com um conjunto de baterias e trabalha junto com um motor elétrico, acoplado na transmissão. Em alguns casos mais avançados não há transmissão, mas sim, um ou mais motores elétricos, como explica Eude Cezar de Oliveira, especialista da Ford Motor Company: "Híbrido possui no mínimo duas fontes de energia capazes de gerar potência nas rodas, o carro elétrico possui apenas motor elétrico".
Na célula, o hidrogênio reage com o oxigênio que pode ser retirado da atmosfera e, ao invés da detonação que ocorre nos motores normais, acontece uma reação eletroquímica gerando assim eletricidade. Essa eletricidade é fornecida a um conjunto de baterias e diretamente ao motor elétrico, que traciona o veículo e o coloca em movimento.
Para produzir a eletricidade desejada a célula utiliza hidrogênio, que pode ser obtido das seguintes opções: gasolina e gás natural (fóssil), etanol (obtido através da cana-de-açúcar), metanol (através do eucalipto), que será armazenado no veículo na forma gasosa ou líquida. "A utilização das células a combustível como sistema de conversão de energia vai trazer grande benefício ambiental", comemora Ennio.
Por dentro Basicamente, um regulador recebe força das baterias e repassa ao motor. O pedal do acelerador está ligado a um par de medidores de potência, que fornecem o sinal avisando o regulador quanta força precisará ser entregue. O regulador recebe 300 volts CC (Corrente Contínua) do painel de baterias. Depois, converte-os em um máximo de 240 volts CA (Corrente Alternada), em três fases, para enviar para o motor. Essas fases são realizadas por grandes transistores, que rapidamente ligam e desligam a voltagem das baterias para gerar uma onda senoidal. Quando o acelerador é pressionado, um cabo do pedal se conecta com estes dois medidores de potência. Por medida de segurança, há dois medidores. O regulador lê os dois e confere se os sinais são iguais, senão não opera. A maioria dos reguladores pulsa mais de 15 mil vezes por segundo. A caixa do motor vibra na mesma freqüência, o regulador e o motor ficam silenciosos. Em um regulador CA, a funcionalidade é um pouco mais complexa, cria 3 ondas pseudo-senoidais, recebendo a voltagem CC das baterias e pulsando-a em ligado e desligado. Em um regulador CA, é necessário reverter a polaridade da voltagem para 60 vezes por segundo. Além disso, são necessários seis conjuntos de transistores em um regulador CA, enquanto somente um é necessário em um regulador CC, geralmente o de uma empilhadeira elétrica. As instalações CC tendem a ser simples. Um motor típico estará na faixa de 20 a 30 mil watts. Os motores CC têm a característica positiva de poderem ser super utilizados em curto tempo, passando 5 vezes mais cavalos de força do que esperado, ótimo para acelerações, mas se muito utilizado acarretará superaquecimento. As instalações CA permitem o uso de quase todo o tipo de motor CA trifásico. Isso possibilita que se encontre mais facilmente um motor com o tamanho, forma ou faixa de força específica. Os motores e os reguladores CA geralmente têm uma característica "regenerativa". Durante a frenagem, o motor se transforma em um gerador e devolve força para as baterias. |
A ausência dos filtros
Esteticamente, um carro elétrico não tem diferenciação nenhuma, dirigindo-o percebe-se apenas que é muito mais silencioso. Já por dentro do capô...
Com suas linhas de alimentação, sistemas de exaustão, mangueiras de refrigeração e filtros de ar, o motor comum à gasolina parece um projeto de encanamento. Já o carro elétrico assemelha-se com uma instalação elétrica.
Como o combustível utilizado nos protótipos é gasoso, não há filtro para combustível, ou seja, para líquidos. "Em geral, o motor elétrico é refrigerado à água e há um filtro no sistema de refrigeração do motor", explica Ennio. O mesmo ocorre com a célula, em alguns modelos, inclusive, o sistema de refrigeração é único para os dois componentes. "Como não há motor de combustão, não há todo o sistema de óleo do motor, portanto as diferenças estão no sistema de propulsão".
Os únicos que aparentemente manterão sua posição no esqueleto de um veículo são os filtros de cabine, filtros para ar-condicionado e filtros para transmissão. Lembrando que isso é somente nos casos em que uma célula a combustível fizer parte do veículo. "Não há necessidade de certos componentes comuns nos casos de combustão interna. É importante eliminar o que não é estritamente necessário, pois os custos destes veículos ainda estão muito elevados", esclarece o professor. Estuda-se, porém, a necessidade de um filtro para o gás utilizado, porém, somente se não utilizado de forma muito pura e liberando partículas do tanque. "Os tanques convencionais, de aço-carbono, exigem filtros; os de alumínio/fibra de carbono podem dispensá-los", conclui.
Jair Santos, supervisor de assistência técnica e garantia do Filtros Inpeca, fabricante de filtros automotivos, diz ter um pouco de receio no que o futuro lhe reserva. "De alguma maneira isso terá um impacto no segmento de filtros e autopeças em geral", comenta. "Se algo desse tipo acontecer, com certeza vamos precisar mudar nosso foco. Porém, não é algo que vai mudar o mercado da noite para o dia, ainda vamos passar algumas gerações utilizando o estilo convencional".
Eude Cezar de Oliveira estudou o tema para seu mestrado em Engenharia Automotiva, na Escola Politécnica da USP. Para isso, uma pesquisa minuciosa foi feita através de simulações de um veículo elétrico híbrido no motor Zetec Rocam 1.0 l, da montadora em que trabalha. Avaliando o desempenho das baterias e do próprio motor, Eude concluiu que uma solução viável seria o sistema gerador-partida integrado (Integrated Starter Generator - ISG), que permite que o motor desligue sozinho quando o veículo está parado, por exemplo, em um semáforo. A pesquisa recebeu o prêmio Menção Honrosa durante o Congresso da SAE Brasil, promovido pela Sociedade dos Engenheiros da Mobilidade no final do ano passado, como o melhor trabalho sobre o tema. Sobre sua pesquisa, Eude não fecha as portas para os filtros: "No meu projeto pelo menos os filtros em geral foram mantidos, porém, não há como saber se haverá adaptações nesses filtros, pois o carro não foi montado fisicamente".
Células
Ennio acredita que o carro a bateria é visto como um problema por não ter tecnologia evoluída significativamente. "A novidade foi as células à combustível que, com os volumosos investimentos atuais, têm se desenvolvido de forma surpreendente. Seus custos têm caído rapidamente, mesmo sem escala de produção. O peso e o volume destes equipamentos também têm se reduzido bastante". Se comparadas com baterias, as células são menores, muito mais leves e não necessitam ser recarregadas.
O funcionamento de um carro com célula a hidrogênio é bem diferente dos carros atuais: dentro das células, o hidrogênio é transformado em eletricidade e água.
A água é expelida e a energia alimenta o motor elétrico. Cerca de 96% do hidrogênio produzido no mundo vem dos combustíveis fósseis: a dependência do petróleo continua e a poluição diminui, mas não acaba. É aí que entra o álcool. Pesquisadores brasileiros de todo o país estudam formas de decompor o etanol para tirar dele o hidrogênio, que daí passaria para as células de geração de eletricidade. Assim, será possível abastecer o carro com álcool
em um posto comum e usar tanques como os atuais, com consumo reduzido quase à metade e praticamente nada de poluição.
Já existe até um plano completo para o desenvolvimento da tecnologia de células de combustível no Brasil — o Programa Brasileiro de Sistemas Célula a Combustível (Procac) —, mas que ainda não está em atividade. Afinal, segundo especialistas, escolhendo o Etanol como fonte para conversor de energia, o Brasil deva ganhar grande destaque por conta de seus potenciais.
Outros projetos
Outro projeto de sucesso está sendo divulgado por uma montadora. A Fiat, em parceria com a hidrelétrica Itaipu Binacional e a suíça KWO, iniciou um programa de desenvolvimento para testar inovações tecnológicas quanto à fonte
de energia. A bateria, apesar de ser de níquel, ainda possui baixo desempenho. O tempo de recarga atual é de oito horas e a autonomia está limitada a 140 km. A proposta é que as dimensões sejam aumentadas, o tempo de recarga diminuída, a troca facilitada e, principalmente, que o desempenho do veículo seja similar aos convencionais. O protótipo desenvolvido pela parceria é inicialmente o Fiat Palio, modificado internamente para a nova função. A potência do motor é de 15kW, o que equivale a 20 cavalos
em motores tradicionais.
Em fevereiro, o projeto apresentou uma novidade: a energia através de
biodigestores, instalações
onde os resíduos orgânicos são descompostos e aproveitados para produzir gás metano, um biogás que serve para gerar eletricidade em pequenas usinas térmicas. O objetivo é criar um veículo elétrico rural para transporte de carga, movido com a energia gerada pelo próprio negócio agrícola.
Para Edson Manzato, da Engenharia Avançada da SOFAPE – Sociedade Fabricante de Peças – Fabricante do Filtro Tecfil, há uma notável evolução nas pesquisas. "Só para se comparar, um carro elétrico de 11 anos atrás, o EVI da GM, utilizava baterias de ácido e chumbo, tinha autonomia de apenas 95 km e tempo de recarga de 12 horas. Hoje temos o Tesla Roadster da Tesla Motors, que usa baterias de Íon de Lítio, possui autonomia de 400 km e tempo de recarga de 3,5 horas", comenta.
Baterias
No meio dos resultados apresentados, os projetos vêm levantando a discussão do uso das baterias nesses veículos. Estima-se que se o veículo fosse produzido em série hoje, poderia ser abastecido pelos próprios usuários com a ajuda de um recarregador doméstico ou através de unidades de uso. Porém, no meio dessa praticidade, os pontos negativos do uso abriram espaço para adaptações no projeto. Foi daí que surgiu, por exemplo, o veículo com célula a combustível. "O carro a baterias é visto como um problema por não ter tecnologia evoluída significativamente", diz Ennio.
Comparando com o processo convencional, na ponta do lápis chega-se a seguinte conta: dez litros de gasolina pesam cerca de 10 kg, custam em torno de R$ 25 e necessitam de 30 segundos para serem colocados no tanque. São equivalentes a 500 kg de baterias de chumbo-ácido, que custam US$ 2 mil e levam 4 horas para recarregar.
Benefícios O carro elétrico (baterias e/ou células a combustível) é um carro limpo, sem emissão de poluentes (CO, SOx, NOx, material particulado e hidrocarbonetos) e de gases de efeito estufa (CO2). Um grande benefício. "Além disso, é muito mais eficiente, pois utiliza 50% da energia do combustível, enquanto os veículos convencionais ficam em torno de 20%", esclarece Ennio Peres da Silva, coordenador do Laboratório de Hidrogênio e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe), comparando o sistema em sua utilização urbana. Uma outra vantagem apontada por Ennio, é que os veículos elétricos têm um número muito menor de partes móveis, de forma que sua manutenção é mais simples e menos freqüente. |
Porém, no aspecto financeiro: se o custo da eletricidade é de R$ 0,50 por kW/hora, isso significa que para uma recarga completa teremos o custo de R$ 6. O custo por quilômetro, então, é de cerca de R$ 0,10. A gasolina custa em torno de R$ 2,20 por litro e um carro faz em torno de 12 km por litro. Então, o custo por quilômetro da gasolina é de cerca de
R$ 0,20.
Um carro elétrico com baterias precisará de um sistema de recarga, para que puxe eletricidade para as baterias com rapidez e monitore para que não as danifiquem. Com uma tomada de recarga no lugar do tubo de abastecimento, o veículo pode utilizar uma tomada doméstica de 120 volts que tem um circuito de 15 A, ou seja, a quantidade máxima de energia que o carro pode consumir é de aproximadamente 1500 watts ou 1,5 kW/hora.
Geralmente, um carro elétrico tem uma outra bateria a bordo, a de chumbo-ácido de 12 volts. A bateria de 12 volts fornece energia para os acessórios, como por exemplo as luzes, rádios, air bags e vidros elétricos. "Entendemos que os carros movidos
100% a energia elétrica ainda estão muito longe de
ser uma tendência no mercado. Acreditamos que antes desse nível iremos nos deparar com o carro híbrido, ou seja, veículos onde existe um compartilhamento entre o motor de combustão e o motor elétrico", opina Edson.
Filtros
Embora os projetos tenham se limitado a algumas instituições, a idéia de que em alguns anos as ruas estarão repletas desses veículos já colocam os fabricantes de filtros automotivos em estado de atenção para testes e possíveis adaptações em seus produtos.
Ainda sem testes realizados na área, devido ao
tímido avanço nas pesquisas brasileiras, as empresas fabricantes de filtros automotivos podem traçar um paralelo das novidades e o que se esperar daqui pra frente. "O futuro será de carros elétricos e combustíveis renováveis", comenta Sidnei Luiz Doff Sotta, Gerente de Vendas no setor de filtros de cabine da Filtros Mil, fabricante desse tipo de
filtros para veículos nacionais e importados.
Ainda por conta da ausência de informações
técnicas dos carros elétricos, o segmento não sabe bem o que esperar de seu próprio produto, se haverá mudanças no número de filtros utilizados atualmente no veículo, e se os que continuarem a fazer parte vão precisar de adaptações.
Jair, da Inpeca, comenta que a empresa sempre acompanha o assunto e as novidades relacionadas: "Ficaríamos muito honrados e felizes se nos convidassem para participar de algum projeto ou uma parceria para pesquisa na questão dos acessórios".
"Hoje já temos filtros para esses meios físicos, haveria somente a necessidade de adaptações de formatos e tamanhos", explica Eduardo Gomes, Gerente da Engenharia de produtos da SOFAPE. "Porém, entendemos que existe um grande potencial a ser explorado, contudo ainda está muito restrito aos centros tecnológicos das montadoras e universidades".
Para Manzato, da SOFAPE, é bom o mercado se preparar. "Sem dúvida, o crescimento da produção do carro elétrico reduzirá consideravelmente a demanda de filtros", comenta.
Em aplicações
Enquanto o mundo discute sobre a viabilidade e as vantagens do carro elétrico, algumas notícias agitam o assunto, trazendo-o à tona novamente. Foi o caso da Ford, que lançou o primeiro carro americano que roda com energia elétrica e gasolina: o utilitário Escape. O segredo é o seguinte: o motor elétrico funciona da arrancada aos 40 km/h, momento de maior consumo de qualquer carro. Daí para frente, o motor a gasolina assume a propulsão, mas desliga-se automaticamente na marcha lenta (semáforos, por exemplo). Quando o motorista precisa de mais potência, como em ultrapassagens, os dois motores trabalham juntos. E as baterias do motor elétrico aproveitam a energia desperdiçada nas frenagens e descidas para manter-se carregadas. Jair, da Filtros Inpeca, chama atenção em outras aplicações. "Atualmente, veículos já utilizam a eletricidade como se fosse um combustível. Empilhadeiras em indústrias, trólebus/ônibus elétrico que se assemelham um pouco com os novos projetos que vêm surgindo, com o impulso habitual para depois transferir para a eletricidade, por exemplo", explica. Já Nova York aguarda um frota de táxis novos e híbridos, até 2012, que segundo o prefeito Michael Bloomberg ajudará a reduzir a poluição
do ar e combater as mudanças climáticas – assunto que tem preocupado muito a todos.
Sotta acredita que algumas preocupações que temos hoje com os veículos habituais se manterão no futuro com o carro elétrico, como por exemplo,
a qualidade do ar que respiramos. "Com o carro elétrico ou não, o mercado deverá crescer no segmento de filtros de cabine, e isto será uma pesquisa constante", acredita. Conforme as pesquisas de Ennio, a previsão das empresas é colocar veículos com células a combustível no mercado por volta de 2010, nos países desenvolvidos (EUA, Europa e Japão). "Pequenos números de veículos
já estão sendo fornecidos em condições especiais para empresas e órgãos de governo, como aconteceu no Brasil com o carro a álcool, antes de ser colocado no mercado", comemora.