Bebidas Livres De Impurezas
Por Meio Filtrante
Edição Nº 25 - Março/Abril de 2007 - Ano 5
Filtração é uma etapa essencial na elaboração de vinho e cachaça
por Tiago Dias
A filtração hoje em dia é
um processo fundamental em diversas áreas, afinal, é sempre necessário separar determinado sólido de um líquido ou filtrar para que as
partículas sejam descartadas e o
produto final esteja livre de impurezas. Este produto final, por exemplo, pode ser o vinho ou a cachaça. Segundo o Enólogo Christian
Bernardi da vinícola Aurora, considerada uma das maiores produtoras de vinhos do país, na elaboração da bebida, a fermentação transforma o açúcar da uva em álcool, o que impõe uma modificação significativa nos equilíbrios físico-químico do meio. “Como conseqüência, o vinho poderá apresentar, com o passar do tempo, uma série de precipitações ou formações coloidais que tornariam o vinho desagradável ao visual. Assim, a função da filtração é retirar do vinho as partículas sólidas ou coloidais que estão deixando o produto turvo ou que no futuro poderiam ter este efeito”, comenta.
A Enóloga e Engenheira de Alimentos Giselle Ribeiro de Souza é coordenadora e professora de Enologia do Curso Superior em Tecnologia de Viticultura e Enologia do CEFET (Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves – Rio Grande do Sul). Para
ela, a limpidez é a primeira qualidade que o consumidor exige de um vinho, levando-se em conta o aspecto visual primeiramente. “Se o vinho está turvo ou com algum depósito na garrafa, isto é percebido como um sinal de alteração no produto”.
Os elementos filtrantes podem ser utilizados no polimento e redução de turbidez da cachaça ou do vinho. Mas a questão não é só estética, a filtração também visa eliminar partículas sólidas em suspensão, bactérias e leveduras (na elaboração do vinho, que servem como fermento), dando estabilidade quanto sua
pureza. Além de, no caso do
vinho, servir para uma estabilidade microbiológica.
Cachaça filtrada
Somente quando a cachaça está na garrafa, pronta, é que se nota o resultado de todo o processo, inclusive o de filtração: Sem matéria sólida, com polimento e padronização. A certificação de que a cachaça está 100% é obtida observando a garrafa contra uma luz branca indireta. “Avaliamos a limpidez, a transparência e o brilho antes da rotulagem”, comenta João Luiz Coutinho de Faria, Diretor-Presidente da Cachaça Magnífica, produtora das cachaças Magnífica Tradicional, Magnífica Envelhecida e Magnífica Reserva Soleira.
Passado no teste, o próximo passo é a degustação. Mas para chegar até essa etapa, a cachaça precisa passar por um longo caminho de fabricação, onde a filtração é um sistema chave.
Na primeira etapa de sua fabricação é realizada a extração e fermentação natural do caldo da cana, processo que opera a transformação da sacarose presente no caldo em álcool. O produto dessa fermentação é chamado de “mosto” ou “vinho” da cana-de-açúcar. Em seguida, é realizada a destilação, efetuando a padronização do produto logo
após, ou no caso de cachaça envelhecida encaminha-se para o armazenamento em tonéis de madeira. O caldo extraído nas moendas traz consigo diversas impurezas, principalmente bagacilhos e terra, por isso é necessário sua eliminação através de uma tela, destinada a reter partículas sólidas e resíduos. Geralmente é utilizado tela de nylon com malha de 1mm de abertura, ou então com uma tela
de aço inoxidável. Após a filtração, o caldo atravessa o decantador, tanque geralmente inoxidável dividido com placas de inox, onde as partículas sólidas remanescentes do caldo filtrado deslocam-se para o fundo do recipiente. “Elimina-se assim partículas em suspensão presentes na garapa”, comenta Renato Garcia de Lima, Consultor em produção de bebidas e certificação de processo orgânico de produção. “É a limpeza final do caldo de cana de açúcar, antes de ser preparado, diluído para baixar o teor de açúcar, esquentado e colocado no fermento”, esclarece.
Retirando o cobre e outras impurezas
Após ser destilada no alambique, a cachaça pode conter uma quantidade de cobre superior a 5 ppm, que é o limite aceito pela legislação de bebidas no Brasil. Esse excesso precisa ser retirado através de filtração, antes do momento de envase. “Dependendo do processo podem ser utilizados filtros com carvão ativado, além de um filtro de polimento. Para proteger este último, colocamos uma bateria de filtros com porosidade decrescente (por volta de 3,1 a 0,5 mícron)”, conta Renato. Os fabricantes que envelhecem a cachaça também realizam mais uma filtração após essa etapa, como é o caso da Cachaça Magnífica. “O objetivo aqui é retirar impurezas decorrentes do processo de envelhecimento que possam estar presentes na Cachaça, garantindo assim o acabamento final
do produto”, esclarece João Luiz. Porém, alguns utilizam um único filtro antes do envase, para retirar
tanto o excesso de cobre quanto outros resquícios. Na hora do envelhecimento, a cachaça
é armazenada em tonéis de madeira, cujas
paredes internas podem ser eventualmente
queimadas e lixadas. Dessas paredes pode se
soltar fuligens, que também de nenhuma
forma pode passar na hora do envase. Dirlene
Maria Pinto, Sócia da UNIAGRO, União Agropecuária, produtora da Cachaça Germana,
explica um pouco essa etapa: “Após todo esse processo, a cachaça passa pela filtragem de resíduos sólidos, onde o filtro mais indicado é o de carvão ativado”.
Luiz Cláudio P. Cury, Sócio Gerente geral da Cachaça de Minas Isaura, conta qual o processo utilizado em sua produção artesanal: “Um dos sistemas indicados neste processo obrigatório é o de troca iônica (catalizador), por não existir perigo nenhum de alterar o sabor da cachaça”.
Segundo Cury, deve-se tomar cuidado também
com a pressão dada ao líquido no momento da filtração: “Se a cachaça for filtrada sob muita pressão, os resíduos que estão nos filtros irão passar junto com o líquido. A cachaça deve vir lentamente, sem pressão, para um resultado positivo”.
- Troca Iônica (Catalizador):
Processo de separação, concentração e análise de materiais (neste caso, o cobre) que são seletivamente absorvidos em resinas trocadoras de íons. (Saiba mais na matéria especial sobre ).
- Carvão Ativado:
A cachaça passa através de um filtro de carvão ativado em fluxo contínuo, preenchendo todos os poros
do carvão. Devido ao volume dos poros e as
características da área superficial os contaminantes ficam retidos (adsorvidos). “Carvão ativado é
um produto de elevada área superficial, cujas características influenciam na adsorção de moléculas indesejadas, causadoras de odor, gosto e cor em soluções”, explica Liliane Schier de Lima
da Alphacarbo, fabricante de carvão ativado pulverizado, utilizado em sistemas de tratamento e
filtragem. “É inerte, insolúvel em água e sua composição básica é o Carbono. Por isso pode ser utilizado no segmento de bebidas como um produto que entra no processo para melhorar as características da cachaça e sai do processo sem sofrer reações químicas com a solução”.
- Polipropileno bobinado:
Elementos filtrantes de polipropileno utilizam o
conceito de filtração de profundidade para a eliminação do material em questão. “Neste conceito o
líquido é bombeado através destes elementos
filtrantes, sendo que o mesmo será obrigado a
percorrer inúmeros canais ou camadas de diferentes porosidades, nas quais os contaminantes serão retidos”, explica Ivo
Boschini Filho, Supervisor de vendas da Cuno,
fabricante de filtros voltados para a indústria de alimentos e bebidas.
- Celulose:
“Essa segunda filtração é realizada com filtros de celulose de 0,5 micron e 1,0 micron, colocados em seqüência”, comenta João Luiz da Cachaça Magnífica, que utilizam este tipo de filtro após o envelhecimento.
Esse tipo de filtro é semelhante aos elementos
filtrantes de polipropileno, mas possui a tecnologia
de densidade graduada, onde os poros na parte externa do elemento possuem um diâmetro maior que
na parte interna, proporcionando desta forma uma
filtração seletiva e que também confere ao mesmo
uma maior vantagem com relação ao custo por litro filtrado, uma vez que satura (entope) à velocidades menores que os elementos filtrantes convencionais.
Clarificação do vinho
A limpidez do vinho é necessária, independente das condições à que o vinho está exposto. “Existem dois problemas a serem confrontados: Um problema de clarificação, de obtenção da limpidez; e outro problema de estabilização, de conservação da limpidez e ausência de depósitos”, comenta Giselle. “Por ser composto de soluções verdadeiras, soluções coloidais e
partículas em suspensão, o vinho necessita de operações unitárias para clarificação, como filtrações e centrifugações”.
A eficácia de uma filtração está ligada ao diâmetro
dos poros do material filtrante. Na vinificação de vinhos brancos tranqüilos, a filtração pode ser utilizada na clarificação do mosto (suco da uva), por se ter um número grande de sólidos em suspensão. Neste caso, deve-se utilizar filtros com capacidade
de retirar esse grande volume. Filtros rotativos à
vácuo ou filtros de grande capacidade são bem-vindos para este processo. “Tanto os vinhos brancos como os vinhos tintos tranqüilos, já prontos (fermentados), as filtrações podem ser utilizadas para clarificar o produto antes de seu amadurecimento em tanques e/ou antes do engarrafamento do produto”,
explica Giselle.
Em algumas vinícolas, como é o caso da Salton, tradicional empresa elaboradora de vinhos do Sul, é utilizado a clarificação espontânea. “Nós utilizamos o frio, ou clarificação através da adição de produtos clarificantes enológicos, como: gelatina, caseína, albumina e bentonite”, comenta Lucindo Copat, Diretor técnico da Salton.
Filtros utilizados no vinho
Os tratamentos de filtração variam conforme o tipo de vinho a ser elaborado, desde o início do processo (recebimento de uvas) até momentos antes do envase do produto. Basicamente, esses são os modelos mais conhecidos e utilizados nesta aplicação:
- Filtração a vácuo:
Bernardi, da Aurora, comenta que além da filtragem habitual, realizam-se “colagens” no vinho. “Utiliza-se a aplicação de produtos minerais ou orgânicos
que tem a propriedade de
adsorver substâncias que provocam turbidez, arrastando-as para o fundo do tanque, formando-se assim o que é chamada de borra”. A filtração a vácuo é utilizada para retirar essa borra e também para filtrar o mosto (suco de uva). “Geralmente é empregada em mosto de uvas brancas antes do
início da fermentação ou para
extração do vinho ainda presente nas borras. O meio filtrante geralmente são perlitas”, esclarece Bernardi.
A perlita é um mineral de origem vulcânica composta principalmente de Silicato de Alumínio Hidratado. Não possui porosidade interna, portanto não filtra por ação de profundidade, tendo maior dificuldade de reter partículas pequenas.
- Filtração de pressão:
Utilizada para vinhos já livres de sujidades maiores, serve como uma filtração de “polimento”, retirando partículas menores e
algumas vezes reduzindo a carga de microrganismos. “Atualmente poucas vinícolas utilizam os filtros do tipo prensa horizontal, geralmente são usados os de inox, formados por
diversos quadros, entre os quais são instaladas as placas filtrantes, local onde o vinho é bombeado e filtrado. Esta tecnologia já foi substituída na maioria das vinícolas por carcaças sanitárias e elementos filtrantes Zeta
Plus® do tipo cartuchos lenticulares”, explica Boschini.
Esse tipo de filtro é utilizado para limpeza de vinho branco
ou tinto, logo após a fermentação ou durante as etapas de estabilização do vinho durante a estocagem do produto. O meio filtrante pode ser placas de celulose, por disco (conhecido como Sparkler), terra (diatomita) e, eventualmente, perlitas.
A matéria que compõe as terras diatomitas é o Dióxido de Silício, formado pelo resto dos esqueletos de plantas de origem aquáticas. Possui elevada capacidade de absorção e adsorção, auxiliando na retenção do material particulado disperso, bem como na adsorção de colorídeos, além de possuir alta resistência química.
Já o auxiliar filtrante composto de Celulose consiste de um produto obtido através da polpa de Madeira e Fibras de Algodão
com tamanhos, resistência e elasticidade específicas para esta aplicação.
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- Filtração à membrana:
Além das filtrações clarificantes, podem ser utilizadas antes do envase filtrações esterilizantes, para estabilizar o vinho microbiologicamente. “Neste caso utiliza-se em enologia a filtração à membrana, fabricadas em éster de celulose, polissulfonato, nylon e
acetato de celulose, com poros que variam de 1,2µ, 0,65µ e 0,45µ”,
explica Giselle. Serve como uma
filtração de segurança microbiológica, retirando microrganismos que eventualmente tenham permanecido no produto. Em toda cadeia de elaboração do vinho, utilizam-se as filtrações com porosidades de permeabilidade cada vez menores, até o momento do envase. “Este processo apresenta enormes vantagens competitivas quando comparado a outros processos de eliminação. As membranas mais utilizadas atualmente nas indústrias vinícolas são de 0,45 e 0,65 micron (tamanho dos poros) e o grau de filtração pode variar de acordo com o tipo de vinho, tinto ou branco”, comenta Boschini.
Filtração Tangencial
Esse tipo de filtro pode ser utilizado em mosto, vinho ou vinhos espumantes. “Existem vários testes em andamento de vários fabricantes como o grau
de retenção de componentes do vinho (polissacarídios e polifenóis), mas as vantagens deste tipo de filtro são bem maiores quando observamos a praticidade de utilização”, comenta Giselle. Eles trabalham 24 horas por dia com um período de 1 a 3 horas de lavagem automática. Segundo a Enóloga, em termos de meio ambiente, este filtro não produz nenhum resíduo.
A maior desvantagem é seu alto custo, que deve diminuir ao longo do tempo. “Embora a filtração seja uma operação eficiente do ponto de vista da clarificação e auxílio da estabilização do vinho, este processo sempre retira alguns compostos interessantes ao produto”, explica. “Polissacarídeos têm a função de dar corpo ao vinho, e quanto maior sua concentração, mais macio será este vinho ao paladar. Já compostos fenólicos são os que dão estrutura/adstringência (taninos) e cor (antocianas) aos vinhos tintos. É desejável uma concentração máxima e harmônica destes compostos nos vinhos”.
Abaixo, tabela de uma pesquisa sobre o efeito da filtração sob a composição de vinho tinto. Assim, cabe ao enólogo decidir qual o grau de clarificação necessário a seu produto e utilizar a operação unitária e coadjuvante de filtração mais adequados.