Qualidade No Laboratório
Por Meio Filtrante
Edição Nº 26 - Maio/Junho de 2007 - Ano 6
Água purificada é fundamental para a realização de procedimentos laboratoriais, contribuindo para obter resultados precisos
Água purificada é fundamental para a realização de procedimentos laboratoriais, contribuindo para obter resultados precisos
por Cledson Lino Burlin e Fernando Albertão
Existem duas significativas razões que determinam a importância do uso da água em laboratórios clínicos: necessidade de atender às exigências estipuladas pelas normas que regem o mercado (por exemplo: CLSI™ – Clinical and Laboratory Standards Institute™) e químicas sensíveis à qualidade da água. A norma CLSI foi criada para assegurar os níveis básicos de uso da qualidade da água para que os procedimentos químicos clínicos possam ser executados com segurança.
Fica claro que a água a ser utilizada em laboratórios deve ser purificada para que não produza interferências nos testes e ensaios. Vários são os processos de purificação que estão disponíveis para utilização em laboratórios.
Requisitos de qualidade da água
para Laboratórios Clínicos
Muitos laboratórios clínicos do Brasil seguem as especificações de algumas agências regulamentadoras que definem os requisitos para o controle de qualidade e utilização da água reagente. Dentre os órgãos que definem a qualidade da água para laboratórios estão o National Commitee for Clinical Laboratory Standards (NCCLS, atual Clinical and Laboratory Standards Institute [CLSI], American Society for Testing Materials [ASTM] e o College of American Pathologists [CAP]). Estas entidades classificam quatro tipos de água reagente que são selecionadas pelos profissionais dos laboratórios clínicos de acordo com as necessidades dos ensaios, definindo então o tipo de água, especificações, métodos de obtenção e os controles de qualidade que devem ser realizados para manter a integridade da água que será utilizada.
De acordo com o documento C3-A3 do então NCCLS16,
a água reagente é classificada em:
• Água reagente Tipo I: água com a melhor qualidade, ideal para métodos de análise que requeiram mínima interferência e máxima precisão e exatidão (ex: dosagem de elementos e metais pesados, espectrometria, absorção atômica, procedimentos enzimáticos, eletroforese, cromatografia líquida de alta performance (HPLC), preparo de solução-padrão e tampão, processos que requerem baixa carga microbiana). Deve ser utilizada no momento em que é produzida, ou no mesmo dia da coleta, não podendo ser estocada.
• Água reagente Tipo III: utilizada em procedimentos que requerem a remoção de contaminantes específicos, como endotoxinas, substâncias orgânicas ou outros não especificados, como parâmetros obrigatórios para os demais tipos de água.
O órgão regulamentador mais comumente seguido no Brasil é o CLSI/NCCLS, que define os parâmetros para a classificação dos tipos de água citados, sendo que cada um deles deve atender as especificações para cada tipo de água.
Deve ser notado também que existem alguns outros requisitos básicos de qualidade da água para laboratórios clínicos:
- Remoção de particulados, que podem obstruir agulhas ou manifolds e interferir em determinados processos.
- Verificação dos níveis de sílica para prevenir a formação de depósitos nas agulhas que podem modificar os volumes dispensados.
- Redução dos níveis de orgânicos e de moléculas poliaromáticas como ácidos húmicos e fúlvicos, que possuem um alto nível de
absorção ultravioleta e propriedades fluorescentes.
Análises Químicas, Eletrolíticas e de Lipídeos e Proteínas
As análises químicas, eletrolíticas e de lipídeos e proteínas procuram mensurar cargas de íons (exemplo: Ca, K, Na, Cl) e moléculas bio-orgânicas (exemplo: glicose, aminoácidos, lipídeos, entre outros).
As fontes de interferência dessas análises são: íons na água de alimentação e bactérias que liberam íons e moléculas bio-orgânicas. A qualidade da água requerida para essas análises deve possuir baixa concentração iônica (alta resistividade) e baixa contagem de bactérias
Análises Enzimáticas
Essas análises têm como propósito medir a presença e atividade de diversas enzimas envolvidas nos processos bioquímicos.
As fontes que interferem nesse processo de análise incluem:
- bactérias que liberam enzimas e íons cujo comportamento é similar às dosagens enzimáticas;
- íons, onde alguns são utilizados como cofatores (exemplo: Mg, Zn) enquanto outros são utilizados como inibidores (exemplo: Cd, Pb);
- altas concentrações de orgânicos, como ácidos carboxílicos. Algumas enzimas interferem no processo de ligação, ativando posições e formas complexas através de cofatores metálicos.
Esses processos requerem qualidade de água com as seguintes características:
- baixa contagem de bactérias;
- baixa concentração iônica (alta resistividade);
- baixo nível de Carbono Orgânico Total (TOC).
Análises Imunológicas
Uma das áreas da Imunoquímica fornece informações críticas através de diversos marcadores biológicos e indicadores de doenças específicas como as cardiológicas e tireoidianas.
Algumas fontes interferem nesse processo:
- alta concentração de orgânicos, onde os orgânicos exercem forte interferência em processos e em enzimas inibidoras;
- íons, onde alguns são utilizados como cofatores (exemplo: Mg, Zn) enquanto outros são utilizados como inibidores (exemplo: Cd, Pb);
- outras fontes são provenientes de bactérias específicas que metabolizam enzimas específicas, que se encontram presentes em soluções imunológicas como exemplo: alcalina phosphatase e oxidase de aminoácidos.
Esses processos requerem qualidade da água com:
- baixa contagem de bactérias
- baixa concentração iônica (alta resistividade)
- baixo nível de TOC.
Análise de Toxicologia e Processos TDM
Toxicologia e os processos TDM podem ser executados usando-se dois métodos principais de análise: de imuno e cromatografia. As exigências da qualidade de água são similares aos critérios descritos previamente. Para Cromatografia Líquida e métodos de Espectrofotometria de massa, a exigência principal é apresentar baixos níveis de orgânicos (tipicamente TOC menor que 5 ppb). Para o uso de HPLC, os orgânicos podem impactar na vida das colunas, causando interferência do fundo e criando picos fantasmas.
Análises de Traços
Diversos metais de transição (exemplo: Cr, Mn, Mb, Co) e metais pesados (exemplo: Pb e Hg) são considerados tóxicos. O nível de outros elementos, tais como o selênio ou o iodide, é muito crítico à saúde. Assim, relatar dados exatos é particularmente importante. Os métodos utilizados incluem a absorção atômica e o ICP-MS.
As fontes que interferem nesses processos incluem:
• íons, por serem elementos dosados; e
• bactérias que liberam íons.
Esses processos requerem qualidade de água com:
•baixíssima concentração iônica (18,2 Ω•cm de resistividade);
• baixa contagem de bactérias.
Ainda consideradas técnicas emergentes, esses métodos da Biologia Molecular provaram ser muito valiosos para a identificação e o reconhecimento genético da doença. No geral, as exigências que se aplicam à água no campo de genoma também se aplicam à água utilizada pelos laboratórios clínicos que executam esse tipo de procedimento. As fontes que interferem nesses processos incluem:
• íons como fosfato e muitos bivalentes que se ligam com ácidos nucléicos, os quais interferem em análises protéicas;
• ácidos orgânicos, especialmente carboxílicos e fosfóricos, que também interferem nesses tipos de análise;
• RNA e DNA;
• nucleases que degradam as moléculas de DNA e RNA analisadas;
• bactérias heterotróficas que metabolizam todos esses elementos.
Esses procedimentos requerem qualidade da água com:
• baixo nível de íons (18.2 Ω•cm de resistividade);
• baixa contagem de bactérias;
• baixo nível de TOC;
• água livre de endotoxinas (utilizar ultrafiltração no processo de purificação).
Após ter revisto vários testes e suas sensibilidades aos contaminantes, está claro que os íons e bactérias
devem ser mantidos nos mais baixos níveis para a maioria dos procedimentos executados em laboratórios clínicos. Isto está em total acordo com as recomendações da norma CLSI (resistividade > 10 MΩ•cm, bactéria < 10 ufc/ml para Clinical Laboratory Reagent Water – CLRW).
Para laboratórios que escolhem trabalhar com água de instrumentação (Instrument Feed Water - IFW), cujas especificações diferem daquelas da CLRW, é altamente recomendado monitorar a contagem bacteriana, de acordo com as especificações aceitas no mercado. Alguns contaminantes, como orgânicos e bactérias, também podem ser considerados potenciais problemas para diversas análises de rotina. Quando recomendado pela norma CLSI, nível de orgânicos (TOC) menor que 500 ppb, é aconselhável diminuir o TOC a níveis mais baixos para a maioria dos procedimentos. Em algumas especialidades químicas (toxicologia, teste molecular), os instrumentos e as tecnologias utilizadas requerem níveis muito baixos de TOC (< 5 a 10 ppb). A concentração de sílica deve ser considerada um impacto a longo prazo. Adicionalmente, pode ser benéfico monitorar o nível de sílica em uma base definida.
Tecnologias de Purificação
Uma combinação de tecnologias é utilizada em laboratórios clínicos. Esta técnica reduz os níveis de contaminantes e assegura que a água que alimentará o analisador clínico seja de qualidade constante.
Existem quatro tipos principais de contaminantes na água de alimentação que entram no sistema de tratamento de água, cuja remoção é de fundamental importância para preservar a vida útil dos aparelhos, bem como dos filtros e não sobrecarregar o sistema. Os principais contaminantes existentes na água de alimentação são:
• Contaminantes Particulados: formados por substâncias orgânicas e inorgânicas insolúveis e suspensas na água. Tem origem na própria fonte de água, devido a resíduos liberados do metal da tubulação, lama, poeira, sílica, material orgânico e mineral, podendo formar partículas em suspensão e entupir filtros, válvulas e membranas, além de auxiliar no processo de formação de biofilmes;
• Contaminantes Inorgânicos dissolvidos: formados por íons como cálcio, magnésio, ferro, cloretos, fosfatos além de metais pesados, gases como CO2 e silicatos;
• Contaminantes Orgânicos dissolvidos: têm origem na natureza, decorrentes na degradação vegetativa, pesticidas, solventes, compostos orgânicos e resíduos de tecidos animais e vegetais. O carbono orgânico é utilizado pelas bactérias heterotróficas para a produção de novos materiais celulares e como fonte de energia.
A maior parte do carbono orgânico na água de alimentação origina-se de vegetais degradados que caem nos leitos dos rios e passam para o sistema de abastecimento público.
Estes compostos podem incluir ácidos fúlvicos, carboidratos polimétricos, proteínas e ácidos carboxílicos.
• Contaminação Microbiológica: a água contém grande quantidade de microorganismos que podem aderir nos recipientes de armazenamento e resinas de troca iônica ou carvão ativado, tornando difícil sua remoção e levando à contaminação.
A descrição dessas técnicas e regras de purificação são:
• Filtro de Profundidade: Utilizado com o objetivo de reter partículas suspensas e microorganismos. O tamanho das
partículas removidas vai depender do diâmetro dos poros do filtro escolhido. Para o melhor dimensionamento da bateria de filtros a ser utilizado, a Millipore realiza o teste de SDI (Silt Density Index), que determina o índice de partículas presentes na água a ser pré-filtrada;
• Filtro de Carvão Ativado: Utilizado principalmente para remoção do cloro livre dosado na água potável, e para remoção de materiais orgânicos provenientes da degradação vegetativa;
• Osmose Reversa (RO): Remove até 99% dos orgânicos, partículas, microorganismos e cerca de 95% dos contaminantes inorgânicos. A membrana de Osmose Reversa separa a solução concentrada, contendo contaminantes, de uma solução diluída (água purificada). A aplicação de pressão hidráulica força a solução concentrada a atravessar a membrana semipermeável, resultando na retenção dos contaminantes. A Osmose Reversa é um eficiente pré-tratamento antes da Eletrodeionização;
• Eletrodeionização (EDI): Tecnologia desenvolvida e patenteada pela Millipore. Avançado sistema que utiliza um método eficiente de remoção de contaminantes iônicos, através de uma corrente elétrica que regenera continuamente as resinas de troca iônica, estendendo seu tempo de vida útil;
•Armazenamento: A escolha da combinação correta de tecnologias de purificação de água é o primeiro passo para a garantia de qualidade constante da água. Entretanto, o armazenamento da água produzida é determinante para o sucesso dos experimentos no laboratório.
De modo geral, se armazenada adequadamente, a água pode manter suas características de qualidade por um período de tempo. O correto armazenamento da água obtida a partir de tecnologias complexas também minimiza a recontaminação que representam custo ao laboratório, nada adianta utilizar boas
tecnologias e armazenar a água
inadequadamente, gerando prejuízo. Os reservatórios mais
adequados ao armazenamento devem possuir algumas características que visam minimizar a recontaminação, tais como:
- Material limpo, com o mínimo possível de extraíveis – utilizam-se polímeros com alta pureza como o polietileno e o polipropileno;
- Distribuição homogênea do material, o que garante superfície interna mais lisa, minimizando a formação de biofilme;
- Transbordo sanitário para que durante a saída de água, o ar seja admitido pelo filtro de proteção;
- Reservatórios Cilíndricos com Fundo Cônico, que garante superfície de contato minimizada, sem cantos e 100% esgotável.
Além destes cuidados, recomenda-se a utilização de lâmpada UV no reservatório, a fim de minimizar a contaminação microbiológica.
•Ultra-Purificação: Nesse estágio do processo de purificação, a água é armazenada temporariamente em um reservatório e dependendo da análise, do analisador clínico e do
laboratório, pode ser utilizada
diretamente para alimentar o analisador e também submetida a um processo de purificação complementar (Ion Exchange Resins – IEX), o qual remove os íons a um nível muito baixo.
•Filtro Bacteriológico: O controle bacteriológico pode ser feito por membrana filtrante (0.22 µ) ou lâmpada UV. Normalmente, a membrana filtrante é colocada na saída do purificador para prevenir a liberação de bactérias provenientes do sistema de purificação.
A figura acima ilustra a combinação de tecnologias utilizadas para realizar o completo processo de purificação da água. Algumas combinações de tecnologias podem ser [RO + IEX + filtro 0.22 µ], [RO + EDI + filtro 0.22 µ],
e [RO + EDI + IEX + filtro 0.22 µ]. Como mencionado anteriormente, IEX pode ser um opcional de filtração e diversos analisadores clínicos têm sido equipados com sistemas de purificação que não incluem a tecnologia EDI.
A escolha da tecnologia de
purificação depende da qualidade da água necessária e do volume de água solicitado pelo analisador. Entretanto, deve-se notar que as soluções que empregam a tecnologia EDI permitem a redução significativa dos custos operacionais, pois o módulo EDI proporciona níveis de resistividade elevados com menor necessidade de uso da resina IEX.
Para algumas especialidades químicas, tais como toxicologia e análises de ácidos nucléicos, outras tecnologias de purificação estão disponíveis. Sistemas específicos de purificação podem combinar IEX, carvão ativado, Ultrafiltração (UF) e Fotoxidação (UV 185/254), para atender esses tipos de análises.
Processo de Controle
de Qualidade
O Controle de Qualidade assegura a qualidade num processo de purificação de água. Ele é utilizado para monitorar os proessos analíticos e prevenir o
erro de resultados no diagnóstico dos pacientes. Alguns fatores pré-analíticos (preparação, coleta da amostra), são difíceis de monitorar, pois ocorrem fora do laboratório. Alguns fatores analíticos podem ser controlados e otimizados para reduzir o número de falhas e retrabalhos nos resultados.
A água é considerada o mais importante reagente químico. A qualidade da água pode ser monitorada por outras variáveis como calibração dos instrumentos analíticos, bem como de outras formas.
A manutenção preventiva no sistema de purificação de água e a regularidade com a norma CLSI são meios utilizados para minimizar problemas nas análises. Não se deve utilizar água com baixa qualidade para alimentação dos analisadores clínicos, especialmente em termos de contagem microbiológica e concentração iônica. Estes dois parâmetros devem ser prioritários no controle de qualidade, uma vez que nos laboratórios em que as recomendações da CLSI não são seguidas, a água armazenada nos analisadores pode tornar-se fonte de contaminação.
Após armazenada, a água utilizada nas cubetas para diluição dos reagentes, enxágüe de manifolds, tubulação e agulhas já está classificada segundo a norma CLSI.
O reservatório do analisador clínico geralmente não pode ser sanitizado e nem submetido a uma fonte UV para reduzir o crescimento bacteriológico.
O reservatório não é freqüentemente sanitizado e raramente a qualidade da água é monitorada. Quando não são seguidas das normas da CLSI, a qualidade da água pode se degradar antes mesmo do uso final.
Conclusão
A água interfere de diversas maneiras em análises clínicas, sendo uma boa prática considerá-la como reagente. Dessa forma, é necessário ter cuidado com a qualidade da água a ser escolhida para trabalhar com diversos processos em um laboratório, bem como com o projeto, a seleção e a maneira apropriada de manter as unidades de filtração, minimizando os problemas nas análises clínicas.
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