Escolha De Filtros Para Água De Irrigação
Por Meio Filtrante
Edição Nº 31 - Março/Abril de 2008 - Ano 6
A qualidade da água passou a ser, em muitas regiões do Brasil, o fator limitante para a implantação de novos projetos de irrigação
A qualidade da água passou a ser, em muitas regiões do Brasil, o fator limitante para a implantação de novos projetos de irrigação
por Rogério Pereira da Silva Airoldi
Durante muitos anos, a maior preocupação
da agricultura irrigada no Brasil estava ligada à disponibilidade de água para a irrigação, ou seja, com a quantidade deste recurso. Com o advento de novas tecnologias e sistemas de irrigação, em especial os de irrigação localizada (gotejamento e microaspersão), a qualidade da água passou a ser, em muitas regiões do País, o fator limitante para a implantação de novos projetos de irrigação. Além disso, com o desenvolvimento industrial e
o expressivo crescimento populacional, aumentou também a competição pelo uso da água. Como o abastecimento doméstico e as indústrias possuem prioridade de uso deste recurso, garantidos pela Constituição brasileira, as fontes de
melhor qualidade são destinadas aos dois segmentos, restando para a agricultura irrigada o
consumo de águas de pior qualidade.
Na irrigação, a água de boa qualidade deve produzir melhores resultados e causar menores danos às culturas, solos e equipamentos de irrigação. Substâncias e impurezas presentes na água, das mais diversas origens, conferem propriedades físicas, químicas e biológicas, boas ou más, que merecem um estudo particular para cada caso. Em virtude das características e concentrações de partículas em suspensão presentes na água de irrigação, existe a necessidade, em menor ou maior grau, de tratamento físico e/ou químico da água. A filtração é um tratamento físico da água que visa a remoção dos sólidos em suspensão e dissolvidos no meio, tais como areia, silte, argila, algas, sais, entre outros. A remoção destas partículas da água garante maior vida útil aos equipamentos de irrigação e melhor desempenho do sistema, constituindo-se, desta forma, uma estratégia fundamental para redução dos custos de manutenção e troca de equipamentos de irrigação e aumento de produção e receita.
Os sistemas de irrigação localizada, gotejamento ou microaspersão, requerem, obrigatoriamente, sistemas de filtração
da água como tratamento mínimo para irrigação. Todos os emissores utilizados em irrigação localizada são passíveis
de entupimento por agentes físicos, químicos e biológicos presentes na água, devido ao
pequeno diâmetro dos mesmos
(Ravina et al., 1992). O entupimento, por sua vez, promove diminuição da uniformidade
de distribuição de água às plantas, causando queda de produtividade e, conseqüentemente, diminuição de receita. A Tabela 1 apresenta os principais elementos que podem promover o entupimento de gotejadores e microaspersores.
O material suspenso na água pode também promover o entupimento de tubulações e danificar diversos componentes do sistema de irrigação, como rotores de bombas, bocais de aspersores, dispositivos para controle de vazão e pressão e engate de tubulações por abrasão (Soccol, 2003). Desta forma, mesmo os sistemas de irrigação por aspersão e por superfície também estão sujeitos aos riscos potenciais do uso de água de má qualidade, e em situações extremas, devem adotar o uso de filtros. A escolha do sistema de filtração deve ser norteada pela qualidade da água disponível para irrigação e por características próprias dos emissores de cada sistema de irrigação, bem como pressão e vazão do sistema, necessidade de limpeza e perda de carga que acarreta. É importante frisar que não existe um método que garanta, com toda a segurança, que os riscos potenciais de entupimento de emissores sejam eliminados. No entanto, o uso de filtros apropriados é de fundamental importância para garantir sobrevida e desempenho satisfatório dos equipamentos e componentes do sistema. A qualidade da água é fortemente influenciada pelas condições climáticas, variando substancialmente ao longo do ano. A temperatura, por exemplo, afeta a formação de precipitados e o desenvolvimento de algas, bactérias e microorganismos em geral. Desta forma, deve-se considerar, para escolha do sistema de filtração, a situação mais crítica, em que a água apresenta a pior qualidade. A Tabela 2 apresenta uma classificação do risco de entupimento de emissores em função de diversos parâmetros de qualidade da água para irrigação.
Quando a água contém uma grande concentração de sólidos suspensos, de forma a apresentar risco severo de entupimento de emissores, deve-se optar pela instalação de um pré-filtro. Os pré-filtros mais comumente utilizados em sistemas de irrigação são os decantadores e hidrociclones. Os primeiros devem ser instalados antes do ponto de sucção da água para o sistema, e ser dimensionados em função das características físicas (diâmetro e densidade) das partículas a serem removidas. Já os hidrociclones, embora pouco utilizados no Brasil, são componentes eficientes que chegam
a remover até 98% das partículas de diâmetro superior a
100μm (ou 0,100 mm) e são instalados no cabeçal de controle do sistema (Soccol, 2003). A perda de carga nos hidrociclones variam de 3 a 7 m.c.a. e, diferentemente dos filtros, não varia ao longo do tempo. Os
pré-filtros só eliminam as partículas mais densas que a água (Pizarro, 1996).
A filtração da água de irrigação é usualmente feita com filtros de areia, tela ou disco, isoladamente ou em associação.
Os filtros de areia são recomendados para remoção de algas, matéria orgânica em geral e partículas finas em suspensão na água. São constituídos por tanques metálicos preenchidos por uma camada de areia com espessura entre 40 e 60 cm, de diâmetro efetivo adequado para remover as partículas em suspensão na água. A entrada
da água ocorre na parte superior do filtro e a saída na parteinferior, de forma que o processo de filtragem ocorre no
sentido descendente em toda a
camada de areia do filtro.
Na medida em que há retenção das partículas presentes na água nos poros do meio filtrante, ou seja, na medida em que os espaços vazios do filtro vão sendo preenchidos, aumenta-se a resistência à passagem da água pelo filtro. Desta forma, a perda de carga eleva-se de 1 a 2 m.c.a. para o filtro limpo, até 4 a 6 m.c.a., atingindo o ponto ideal para se efetuar a limpeza do filtro. Portanto, os filtros de areia devem conter manômetros para medida da perda de carga. Se a perda de carga no filtro atingir valores muito altos, perde-se eficiência de filtração e pode haver a formação de caminhos preferenciais no interior do meio filtrante de forma que a água passa sem ser efetivamente filtrada. Recomenda-se que a limpeza do filtro, que ocorre por inversão do fluxo da água em seu interior, também conhecida como retrolavagem, seja feita a partir da água filtrada por outro filtro. Assim, é recomendado que sejam instalados dois ou mais filtros em paralelo para filtração da água. A retrolavagem em filtros de areia pode ser totalmente automatizada, procedendo-se a limpeza assim que a perda de carga medida por sensores diferenciais de pressão ultrapasse o valor programado. Este controle também pode ser determinado pelo tempo, caso haja problemas de medida dos sensores. Nos Estados Unidos, cerca de 95%
dos filtros de areia são automatizados (Alexanian, 2000).
Como não há recomendações dos fabricantes de gotejadores e
microaspersores quanto ao grau
requerido de filtração da água, na prática, recomenda-se a retenção de partículas com diâmetro de até 5 e 10 vezes menor
que o diâmetro de microaspersores e gotejadores, respectivamente. Embora estas partículas
sejam algumas vezes inferiores ao diâmetro dos emissores,
podem se agrupar formando unidades de diâmetro capaz
de obstruí-los, especialmente
na presença de material orgânico. O tamanho das partículas
que podem atravessar o filtro,
por sua vez, é da ordem de 1/10 a 1/12 do diâmetro efetivo da areia. Assim, uma areia com diâmetro de 0,75 mm pode reter partículas de diâmetro superior
a 0,075 mm. Outro aspecto de fundamental importância para dimensionamento de filtros de
areia é a velocidade ou taxa de filtração da água que deve ser admitida no projeto. Em geral, recomenda-se que esta velocidade seja em torno de 60 m/h, o que corresponde a uma vazão
de 60m3/h por metro quadrado
de seção do filtro. Desta forma,
em função da vazão total de
projeto e do diâmetro dos emissores, determina-se a área total
de filtragem necessária, e conseqüentemente a quantidade e o
diâmetro dos filtros a serem utilizados. Para a realização
deste cálculo, a vazão de projeto deve ser acrescida em 20%
como fator de segurança.
Os filtros de areia devem ser instalados no início do cabeçal de controle, para garantir que os demais componentes tenham desempenho satisfatório.
Outro tipo de filtro amplamente utilizado em irrigação localizada é o filtro de tela. Este é recomendado como tratamento mínimo da água de irrigação, sendo, entretanto, pouco eficiente para águas com considerável presença de algas, já que sua obstrução ocorre muito rapidamente e faz-se necessária a limpeza do mesmo com alta freqüência. Nesta situação é recomendável que um filtro de areia seja instalado no início do cabeçal de controle e o filtro de tela no final, garantindo a retenção de partículas em suspensão que tenham passado pelo filtro de areia, precipitados químicos que possam vir a ser formados caso seja realizada a
fertirrigação do sistema, e funcionando como filtro de segurança se houver arraste da areia
do primeiro filtro. A recomendação é de que o filtro para irrigação localizada apresente malha de 100 a 200 mesh, que representa o número de aberturas por polegada linear do elemento filtrante. O critério recomendado para escolha da malha do filtro é que o tamanho de seus orifícios deve ser
1/7 dos diâmetros dos gotejadores e 1/5 do diâmetro dos microaspersores (Pizarro, 1996). A Tabela 3 contém a relação entre diâmetros dos emissores, tamanho da abertura dos poros e número mesh da malha.
A perda de carga admissível em filtros de tela é de 1 a 3 m.c.a. quando limpos e de 4 a 6 m.c.a. quando a retrolavagem se faz necessária. A retrolavagem pode ser realizada manualmente, retirando-se o elemento filtrante do interior do filtro e limpando-o com um jato de água limpa, ou mediante um sistema automatizado. A velocidade da água nos filtros de tela deve estar entre 0,4 e 0,6 m/s, correspondendo a uma taxa de filtração de 1.440 a 2.160 m3/h
por metro quadrado de área líquida efetiva do elemento filtrante. Para escolha do tamanho do filtro e do número de filtros necessários deve-se acrescer em 20% a vazão de projeto, para em seguida se determinar a área total líquida efetiva
do elemento filtrante. Os filtros de disco, assim
como os filtros de tela, são considerados filtros de malha. Em geral, possuem a forma cilíndrica, constituindose de um recipiente metálico ou plástico, com elemento filtrante formado por anéis estriados, empilhados ao redor de um cilindro telescópico. Os discos possuem ranhuras em ambos os lados, de forma que as adjacentes se
unem quando os anéis são empilhados e apertados juntos, resultando em malhas de até 200 mesh.
O elemento telescópico é de fácil limpeza pois quando aberto os discos se soltam e podem ser facilmente lavados em um jato de água corrente. As perdas de carga admissíveis nestes filtros são idênticas às dos filtros de tela. (Airoldi, 2003)
A filtragem nos filtros de disco acontece em dois estágios: a superfície externa do elemento filtrante opera como um filtro de tela e retém as partículas maiores. As ranhuras no interior dos discos permitem a adesão das partículas mais finas, especialmente às de origem orgânica. A escolha do tamanho e quantidade de filtros de disco necessários para os sistemas de irrigação segue os mesmos critérios que os utilizados na escolha dos filtros de tela.
A escolha do sistema de filtração da água para irrigação que melhor atende às particularidades de cada projeto de irrigação passa por múltiplos aspectos que devem ser incluídos numa análise técnica, operacional e econômica responsável e realizada por um técnico capacitado. Um bom sistema de filtração da água garantirá ao produtor desempenho pleno do sistema de irrigação como um todo, traduzido em maior rentabilidade de sua produção e longevidade dos equipamentos.
Rogério Pereira da Silva Airoldi Engenheiro de Meio Ambiente – PETROBRAS. Mestre em Engenharia Agrícola, área de concentração: água e solos – UNICAMP. Doutor em Agronomia, área de concentração: irrigação e drenagem - ESALQ – USP. E-mail: airoldi@petrobras.com.br |