Recuperação de córregos através de filtração natural por plantas
Por Carla Legner
Edição Nº 107 - Novembro/Dezembro de 2020 - Ano 19
O tratamento de água e efluentes pode ser realizado com o uso de diversas tecnologias tradicionais, como, por exemplo, os processos biológicos
O tratamento de água e efluentes pode ser realizado com o uso de diversas tecnologias tradicionais, como, por exemplo, os processos biológicos, com o emprego de microrganismos na depuração de esgoto, e os processos físico-químicos, com o uso de produtos químicos.
Atualmente, existem processos que se baseiam na capacidade de ciclagem dos elementos contidos nos esgotos em ecossistemas naturais, sem o fornecimento de qualquer fonte externa de energia para catalisar as reações bioquímicas, permitindo a recuperação e reúso de recursos, promovendo o desenvolvimento sustentável. Esses processos são denominados Ecossaneamento.
Umas das técnicas alinhadas a esse novo paradigma, e bastante utilizada, é chamada Fitorremediação. Trata-se da utilização de plantas como agentes de purificação de ambientes aquáticos ou terrestres, contaminados ou poluídos pelo depósito de substâncias orgânicas e inorgânicas, entre elas elementos químicos e dejetos de minério, tal como o zinco, o cobre, o magnésio, entre outros.
A ação consiste basicamente na formação de um consórcio bacteriano aderido às raízes das plantas que atuará como meio filtrante, retendo os poluentes e degradando-os, concomitantemente o uso, pela própria planta, de elementos contidos na água residuária, como íons e nutrientes (nitrogênio e fósforo), em seu processo metabólico.
Estamos falando, portanto, de um sistema de remediação biológica de áreas contaminadas cujo princípio baseia-se no processo de tratamento que se convencionou chamar de wetlands construídas. Os fenômenos biológicos que se observam são muito semelhantes aos utilizados em processos de tratamento tradicional, com os sistemas de Lagoas de Estabilização.
Na Fitorremediação são utilizadas espécies vegetais adaptadas às áreas inundadas, chamadas de macrófitas (plantas aquáticas), pois ficam a maior parte do seu tempo em ambiente úmido, alagado ou aquático. O ideal é que tais macrófitas, além de serem adaptadas a esse tipo de ambiente, tenham uma resistência natural à salinidade, nível de acidez e outras situações estressantes causadas pela presença de água residuária.
Além disso, é interessante que seu sistema radicular seja bem amplo, para promover a plena interação entre o solo e/ou líquido, oferecendo maior área superficial para crescimento do biofilme bacteriano.
Além da Fitorremediação, existem outros meios de tratamento semelhantes, como a Fitoextração, Fitoestabilização, Fitoestimulação e a Fitodegradação.
Recuperação de córregos
Uma das aplicações desse tipo de tratamento, voltado ao Ecossaneamento, é na recuperação de córregos. Esse assunto gera diversas opiniões, por isso, a Meio Filtrante, preocupada em abranger o máximo de visões possíveis, conversou com representantes de duas empresas especialistas na área, a fim de trazer uma breve reflexão e discussão sobre o tema.
Lilian Hengleng, diretora geral da Phytorestore, explica que existem vários processos para a recuperação de córregos, rios e mananciais, mas cada caso é um caso, sendo necessário a realização de levantamentos científicos prévios, estudo de caso para a avaliação do tipo de tecnologia que melhor atenda à demanda em questão.
Por se tratar de uma metodologia natural, de acordo com a diretora da Phytorestore, não há restrições quanto à sua aplicação, entretanto, ela está relacionada ao ambiente natural existente, por isso, em alguns casos pode não ter espaço suficiente para a implementação do processo.
“É necessário estudar a bacia hidrográfica, suas especificidades e particularidades como o tamanho, vazões, pluviometria, condições morfológicas do corpo hídrico, margens, contaminações, cobertura vegetal, zoneamento de uso e ocupação de solo, cobertura do saneamento ambiental, tipo de solo, sedimentação, zonas ripárias e APP’s, levantamentos primários de fauna e flora, projetos existentes de drenagem ou intervenções prévias nos rios” – afirma Lilian.
Em contra partida, na opinião de André Baxter Barreto, representante da empresa Wetlands Construídos, ele julga ser um contrassenso pensar no tratamento de córregos, já que isso só ocorre por conta do lançamento de esgotos e efluentes industriais in natura.
“Isso não deve ser feito, é contrário a lógica tradicional de engenharia sanitária. O correto seria entender que esgoto tem que ir para rede coletora de esgoto e em seguida para uma estação de tratamento. Em paralelo, a rede de drenagem pluvial vai gerar as águas de chuva que cairão no córrego” – enfatiza.
Para ele, muito mais do que criar alternativas naturais, os esforços e recursos devem ser direcionados na outra ponta do processo, ou seja, na construção de redes coletoras, na interceptação de lançamento clandestino de esgoto na rede pluvial e na construção de estações de tratamento de esgoto. “A partir do momento que deixamos o esgoto cair no rio para depois tratar a água, isso traz uma série de problemas ambientais e de engenharia como, por exemplo, em episódios de chuvas históricas ou de estiagem” – explica Barreto.
Além do próprio esgoto que, em muitos casos já é direcionado para os córregos, as chuvas excessivas que causam transbordamento dos rios, invadindo ruas, vias e casas, também são um problema.
“Quando pensamos em tratar a água que cai no rio, nesse cenário de chuva, temos que viabilizar a questão da drenagem urbana, ou seja, temos vazões gigantescas para lidar, e ainda temos um problema de risco. As estruturas de tratamento de esgoto e de águas de rios vão ter que estar fora da cota máxima de inundação, gerando um problema de compatibilizar as estruturas de tratamento, com a malha urbana e com o tamanho que isso deve ser” – completa o representante da Wetlands Construídos.
Seguindo a sua linha de raciocínio, os sistemas de tratamento de água de rios e córregos só deveriam trabalhar quando toda a malha de rede coletora de esgoto estiver implantada e 99,99% das ligações clandestinas de esgoto na rede de pluvial estancadas. Ele afirma que a partir do momento que temos uma cidade, um ambiente urbano em que você não tem descarga de esgoto no rio, há um segundo problema de urbanização: o controle da poluição difusa.
“Falando de São Paulo, por exemplo, já pararam para pensar qual seria área de filtração natural necessária para tratar o Rio Tietê? É muito difícil depois de tudo modificado: a cidade implantada, a mata ciliar destruída e o canal retificado. Utilizar as margens de ambos os lados da forma que está hoje, é impossível tratar toda água do Rio Tietê”, enfatiza Barreto.
Ele ressalta ainda que mesmo em um cenário adequado, para dar certo, o trabalho deve ser feito antes, ou seja, não deixar a poluição cair no rio. O uso da filtração natural deve priorizar o tratamento dos esgotos, principalmente os brutos, para até 20 mil pessoas no máximo, ou para o polimento dessas águas, nos chamados modelos descentralizados.
Benefícios e legislação
Quando falamos de benefícios e vantagens do emprego de processos naturais como, por exemplo, os abordados nessa matéria, há, sem dúvidas, um consenso.
Por ser uma solução baseada na natureza, a diretora da Phytorestore explica que esses processos apresentam diversos benefícios, uma vez que reproduzem processos naturais de purificação, ou seja, realizando o trabalho de tratamento sem utilização de processos físico-químico ou o uso de equipamentos que necessitam de aporte energético, causando um mínimo de impactos negativos.
Além disso, todo o sistema é considerado um projeto paisagístico, agregando beleza e diferentes usos, dependendo da configuração requisitada. Entre eles podemos destacar passeios ambientais e educativos e lugares de permanência e contemplação. “Completamente visível e com grande valor estético, a solução como um todo se torna um marco na paisagem, demonstrado aos visitantes todo o processo de tratamento dos efluentes” – ressalta Lilian.
Para Barreto a principal vantagem desse tipo de filtração está relacionado ao custo-benefício, ou seja, a construção e operação significativamente mais barata e a fácil execução e operação.
Com relação à legislação, ainda não existem normas vigentes que definam diretrizes específicas para soluções baseadas na natureza, mas segundo Lilian, as normas e legislações seguidas pela empresa são relativas aos processos tradicionais de tratamento de efluentes, em relação ao processo construtivo, de manutenção e operação.
Por sua vez, existem normas internacionais como na Alemanha, por exemplo, que regulamentam o uso de filtros plantados para tratamento de esgoto e servem de parâmetros.
De acordo com Barreto, no Brasil, há um documento de consenso para dimensionamento de sistemas de wetlands construídas, práticas e recomendações utilizadas na engenharia civil e sanitária, na arquitetura, segurança do trabalho, na biologia sanitária, normas da ABNT e, principalmente na hidráulica e hidrologia.
“Esse processo utiliza tudo o que já existe e compila uma engenharia de aplicação que utiliza todas essas práticas, então temos que respeitar os estudos hidráulicos, as normas de projetos de canal, bacia de sedimentação, taxas de aplicações típicas recomendadas para construir e projetar um bom sistema para tratamento natural de água.” – completa Barreto.
Opiniões e debates como esse são importantes, sobretudo, em nosso país, cuja cobertura de saneamento ainda está muito longe da tão sonhada universalização. Serve para nos mostrar caminhos para mitigar o que já foi prejudicado pela imprudência humana e um alerta de como devemos agir, para a correção.
A aprovação do novo marco regulatório de saneamento pode trazer muita luz para essa situação, abrindo espaço para que as visões possam convergir para o mesmo ponto: oferecer proteção ao ambiente e à população, e permitir o crescimento sustentável do país.
Contato das empresas
Phytorestore: www.phytorestore.com.br
Wetlands Construídos: www.wetlands.com.br