Ultrafiltração X Osmose Reversa
Por Carla Legner
Edição Nº 110 - Maio/Junho de 2021 - Ano 20
A busca por novas tecnologias e processos cada vez mais eficientes é constante no mercado de tratamento de água. As pesquisas e o desenvolvimento das membranas de osmose reversa desde a década de 60, por exemplo, foram fundamentais para o desenvolvimento
A busca por novas tecnologias e processos cada vez mais eficientes é constante no mercado de tratamento de água. As pesquisas e o desenvolvimento das membranas de osmose reversa desde a década de 60, por exemplo, foram fundamentais para o desenvolvimento de outras tecnologias de membranas, como a Microfiltração (MF), a Ultrafiltração (UF) e a Nanofiltração (NF).
Segundo Marcelo Bueno, diretor regional da Toray do Brasil, especificamente no mercado de águas, a UF deixou de ser apenas vista como pré-tratamento da OR e passou a ter protagonismo na potabilização de água, principalmente após o “desastre de Milwakee”, onde um surto causado por água potável contaminada com cryptosporidium afetou mais de 400.000 pessoas, causando dezenas de mortes nos Estados Unidos. A partir daí, por conta da sua eficiência na remoção de patógenos, começou a ser aplicada em larga escala em plantas municipais mundo a fora.
E foi justamente buscando o aprimoramento dos pré-tratamentos e operações mais eficientes, que hoje temos todo o espectro de membranas muito bem desenvolvido e consolidado no mercado de tratamento de águas e efluentes. Atualmente, a osmose reversa e a ultra filtração são fundamentais no setor, seja na área de águas e efluentes, seja na área de processamento industrial. São processos distintos, cada qual com seu objetivo, mas podem coexistir ou terem utilização singular.
Ultrafiltração
A ultrafiltração é um processo no qual membranas de baixa pressão são usadas para separar água e sólidos em suspensão de uma mistura que é submetida para processamento. As membranas que fazem esse processo são porosas e a separação das substâncias é feita com base no peso molecular ou tamanho da partícula. Materiais menores que o tamanho de poro da membrana vão passar e sair no permeado e, partículas maiores, ficarão retidas no concentrado. A UF é uma filtração intermediária entre a microfiltração e a nanofiltração.
“Trata-se de uma barreira física que tem por objetivo remover os sólidos suspensos, coloides e vírus. A filtração ocorre através da passagem da água pelas membranas de ultrafiltração que permite que as moléculas permeiem através das mesmas, retendo as impurezas presentes na água” – complementa Marcel Mano, engenheiro de processos da Fluid Brasil.
Mano explica ainda que para remover as impurezas que são retidas nas membranas é necessário se realizar um backwash periódico. Durante esse processo, o fluxo de água é invertido forçando a passagem no sentido contrário da filtração. Além disso, também é realizado o Chemical Enhanced Backwash (CEB), trata-se de um processo de retrolavagem com adição de químicos como hipoclorito de sódio, ácido clorídrico e hidróxido de sódio.
De acordo com João Paulo Real Tardelli, gerente de marketing da Pall Corporation, o processo de ultrafiltração é um processo tangencial ou de fluxo cruzado, onde além do cutoff da membrana, a pressão transmembrana também é utilizada para obter a separação desejada. Nesse caso, a pressão transmembrana típica de processos de ultrafiltração é a crítica, que é o valor onde a partir do qual não se observa mais incremento de fluxo pela membrana, ou seja, o ponto onde deixa-se de operar em condições de microfiltração e passa a operar em condição de ultrafiltração.
O Cut-off da membrana é medido por meio do tamanho do poro ou pela referência da taxa de retenção de moléculas de um determinado peso molecular, conhecido como MWCO (molecular weight cut-off) e medida em kilo-Daltons ou Daltons. Os processos de ultrafiltração geralmente são realizados com membranas entre 5nm (0,005um) e 200 nm (0,2um), ou entre valores de MWCO de 3 a 300.
“Num processo de produção de enzimas, por exemplo, é comum um primeiro passo de microfiltração, onde serão retidas as micropartículas e o permeado será a mistura de enzimas e sais na água. Este permeado da microfiltração alimenta a ultrafiltração que irá reter as enzimas, aumentado a sua concentração para processos posteriores e terá como permeado a água, sais e moléculas de baixo peso molecular” – complementa Tardelli.
A ultrafiltração pode utilizar membranas cerâmicas (para altas temperaturas, condições de limpezas mais agressivas e altos teores de sólidos no lado retentado), fibra ocas (temperaturas, condições de limpeza e teores de sólidos menores que com membranas cerâmicas) ou membranas espirais (temperaturas, condições de limpeza e teores de sólidos menores que com membranas de fibra oca).
Marcus Vallero, gerente comercial de projetos na Suez, destaca ainda que as membranas mais aplicadas para o tratamento de águas e processos industriais é a polimérica (PVDF e PES), podendo ser manufaturadas e com diferentes materiais e formas. Além disso, podem ser imersas, onde se aplica vácuo para a produção do permeado, ou pressurizadas, onde se aplica pressão às membranas para a produção de permeado.
“A filtração pode ser de fora para dentro, ou seja, o permeado passa para o interior das membranas (lúmen) sendo que o rejeito permanece fora, ou a filtração pode ser de dentro para fora, ou seja, o permeado filtrado pela membrana e o rejeito permanece no lúmen da membrana” – complementa Vallero.
No caso da Kubota, o processo de ultrafiltração é realizado por meio da tecnologia MBR. Esse sistema é composto de um reator biológico aeróbico com membranas de ultrafiltração na saída. Como esse reator biológico trabalha com concentrações de lodo mais elevadas (da ordem de 12.000 mg/L) e taxa F/M mais baixas (da ordem de 0,1), ocorre uma digestão mais completa da carga orgânica e as membranas fazem a separação completa da água tratada de quaisquer sólidos não dissolvidos.
“Com esse processo, a água tratada apresenta alta qualidade (usualmente turbidez menor que 0,2 NTU e DBO menor que 5 mg/L) e assim pode ser reutilizada para uma série de aplicações, seja dentro da própria indústria ou em outras aplicações que a sociedade demande” – ressalta Daniel Paiva Pavan, gerente de vendas da Kubota.
Ele explica que o processo de MBR com membranas de ultrafiltração encontra muitas aplicações onde existe a necessidade de reúso de água ou parâmetros de descarga bastante restritivos, devido à tecnologia proporcionar esta vantagem. Ainda, e não menos importante, é que devido o reator biológico trabalhar com concentrações de lodo mais elevadas (12.000 mg/L contra 4.000 mg/L, em média) as plantas ficam muito mais compactas e com reatores com volumes três vezes menores, em média. Isso possibilita também a economia com obras civis em relação a plantas convencionais.
Podemos dizer então que a principal utilização da UF é para remoção de todo e qualquer tipo de sólidos suspensos como vírus, bactérias, coliformes, particulados, etc. “Esse processo é largamento utilizado no segmento de tratamento de água, como na potabilização de água, reúso de efluentes e pré-tratamento de sistemas de osmose reversa. Sendo sua maior eficiência nos processos de clarificação/filtração convencionais” – complementa Bueno.
Osmose Reversa
A Osmose reversa, também conhecida como osmose inversa, por sua vez, é um processo de filtração realizado através de uma membrana semipermeável para remoção de sais dissolvidos de correntes líquidas. Bueno explica que o fenômeno natural da osmose acontece quando um líquido menos concentrado flui para o lado mais concentrado, mesmo separados por uma membrana semipermeável. Desta forma, a osmose reversa é a inversão deste sentido de fluxo por meio da aplicação de uma pressão maior que a pressão osmótica natural.
A membrana permite a passagem da água, mas retendo ou concentrando os materiais dissolvidos. Segundo Carlos Maurício Rodrigues, gerente nacional da Koch, uma vez que uma membrana semipermeável permite a passagem da água mais rapidamente do que os outros componentes a partir de uma solução concentrada, a água vai passar da solução diluída para a solução concentrada. Isso vai continuar até que as duas soluções estejam com a mesma concentração ou aplica-se determinada pressão à solução diluída.
“A pressão necessária para parar o fluxo líquido de água é o diferencial de pressão osmótica entre as duas soluções. Se uma pressão superior à diferença de pressão osmótica é aplicada para a solução concentrada, a água fluirá a partir do concentrado para a solução diluída. Como a água flui através da membrana, a solução concentrada torna-se mais concentrada, e sua pressão osmótica aumenta proporcionalmente. O fluxo de água vai continuar até que a diferença de pressão osmótica é igual à pressão aplicada” – detalha a engenheira de processo da Koch, Vanessa Brusius.
Assim como a ultrafiltração, o processo de osmose reversa é uma filtração tangencial, porém focada na separação de sais, principalmente monovalentes, utilizando-se não apenas do tamanho do poro da membrana (menor que 1 nm) mas também ultrapassando a pressão osmótica, possibilitando a produção de um permeado (tipicamente água) livre de sais.
Segundo Tardelli, as pressões de operação dos processos de osmose reversa geralmente são acima de 40 barg e podem chegar até mesmo a 100 barg para dessalinização de água.
Ele explica ainda que, em geral, as membranas são do tipo espiral, embora existam algumas membranas para aplicações especiais como o disk-stack OR, que é uma membrana posicionada em discos para atingir altas recuperações para dessalinização de água do mar em submarinos por exemplo.
Por se tratar de um processo altamente eficiente para desmineralização e dessalinização, além da concentração de produtos alimentícios, sua utilização é muito ampla. “Dentre as aplicações é possível destacar a dessalinização de água do mar, desmineralização de água para aplicações industriais tanto no processo produtivo (bebidas, farmacêutico, cosméticos, alimentos) quanto para água utilizada em utilidades (geração de vapor, resfriamento etc) e a purificação de águas salobras e salinas de poços para potabilização. Na área de concentração podemos citar a concentração de leite, proteína entre outros” – afirma Bueno.
Concorrente ou complementares?
Segundo Marcus Simionato, gerente comercial América Latina da Suez, sistemas de ultrafiltração são a barreira mais eficiente para sólidos em suspensão, bactérias, vírus e patógenos reduzindo o SDI para níveis ao redor de 1 e turbidez na faixa de 0.2 NTU. Ele destaca ainda que no caso da osmose reversa, ela deve ser utilizada sempre que haja necessidade de separação de um solvente e um soluto através de uma membrana permeável ao solvente e impermeável ao soluto.
“Se compararmos com sistemas convencionais podemos citar como vantagens a menor espaço físico de instalação e o menor consumo de químicos, a remoção eficiente de patógenos na água: 4 Log 99.99% a 6 Log 99.9999%, além do aumento da vida útil das membranas quando utilizado como pré tratamento e, claro, a qualidade de água constante a partir de diversas fontes de alimentação” – enfatiza Simionato.
Nesse sentido, podemos dizer que a principal diferença nos processos é que a ultrafiltração atua na remoção de sólidos suspensos através da exclusão física pelo tamanho do poro da membrana e a osmose reversa atua em sólidos dissolvidos e o processo leva, além da separação física, também a separação por diferenças de cargas.
Além disso, Rodrigues explica que há diferença na membrana. Na UF a membrana é porosa e a separação das substâncias acontece através do processo convectivo, ou seja, pela exclusão por tamanho. Na OR, a membrana é densa e o processo de separação das substâncias é difusivo, ou seja, a membrana deixa passar substâncias mais afins com o material da membrana.
“A osmose reserva é um tipo de filtração muito mais fina e sensível que a ultrafiltração, e, portanto, frequentemente é utilizada após as membranas de ultrafiltração e MBR. Assim, as membranas de osmose já recebem uma água de muito boa qualidade e conseguem fazer um trabalho muito mais fino, removendo também todos os sólidos dissolvidos” – destaca Pavan.
Para ele os processos não são concorrentes, as tecnologias são complementares e quando aplicadas uma em sequência da outra podem gerar água de excelente qualidade. “Uma boa membrana ultrafiltração, facilita o trabalho posterior das membranas de osmose reversa” – ressalta.
A identificação entre qual processo utilizar não é difícil, uma vez que as atuações entre a UF e a OR são bem distintas. Quando for necessário a remoção apenas dos sólidos suspensos, a indicação é a UF, até porque as membranas de OR tendem a entupirem completamente quando submetidas a uma quantidade grande de sólidos suspensos principalmente por conta da sua forma construtiva em formato espiral. Já quando o processo é para remoção de material dissolvido a escolha será a OR, que atua em nível filtração iônica, diferentemente da UF que não é capaz de filtrar compostos dissolvidos.
“É importante lembrar que não existe uma membrana mais eficiente que outra, existe sim a membrana mais adequada para determinado tipo de aplicação, consequentemente o que queremos remover ou concentrar da corrente líquida. Por esta razão, dependendo da aplicação pode ser necessária a combinação de dois ou três tipos de membranas para se chegar ao objetivo desejado de qualidade final” – enfatiza Bueno.
Vanessa explica ainda que existem aplicações em que é necessário utilizar ultrafiltração para retenção de sólidos suspensos ou alguns componentes do fluido, para que na sequência a osmose reversa possa operar em boas condições. Ou seja, a UF e a OR podem ser etapas complementares em algumas aplicações, como por exemplo, na produção de água dessalinizada onde primeiramente é necessário remover a sílica coloidal, sólidos suspensos e outros compostos insolúveis presentes na água, para depois a água ser apta a passar por um sistema de osmose reversa.
“Vale destacar que os projetos de reúso de efluentes industriais e municipais aplicam com muita frequência a combinação de UF + RO para a geração de água de excelente qualidade. Nestas aplicações, o processo de ultrafiltração consegue produzir água com valores de turbidez < 0,2 NTU e SDI-15 < 3 (SDI – silt density index, um valor adimensional que indica a presença de sólidos na água), que são considerados valores adequados para a alimentação de sistemas de osmose reversa, resultando na operação robusta e confiável do sistema de geração de água de reúso” – completa Vallero.
Segundo ele, há uma nova tecnologia para o setor que merece destaque: Espaçadores ASD – Alternating Strand Design. O espaçador é um componente essencial nos elementos de membrana em espiral, são fabricados a partir de materiais poliméricos e otimizados para manter o desempenho estável dos elementos de membrana, para uma ampla variação de parâmetros da composição de água, de alimentação e de processo.
“As configurações atuais de espaçadores, utilizadas para a construção de elementos de OR em espiral, foram desenvolvidas com base no experimento prático e em estudos fundamentais. O objetivo foi criar uma condição de “mistura de fluxo”, mesmo nas baixas velocidades de fluxo existentes nos canais de alimentação dos elementos de membrana em espiral” – detalha o gerente da Suez.
O projeto de pesquisa conjunto resulta em geometria otimizada chamada no Brasil de Design de Fio Alternado (ASD, sigla em inglês). “Os elementos de OR construídos com tal geometria de espaçador inovadora conseguem uma menor queda de pressão, e como consequência possibilitam uma economia no consumo de energia. Além disso, o novo tipo de espaçador ASD mostra um padrão de fluxo ajustado resultando em menor tendência de incrustação biológica. Isto é visto como um avanço para a durabilidade de tais elementos de membrana de OR” – finaliza Vallero.
Contato das empresas
Fluid Brasil: www.fluidbrasil.com.br
Koch: www.kochseparation.com
Kubota: www.kubota-mbr.com
Pall Corporation: www.www.pall.com
Suez: www.suez.com
Toray do Brasil: www.toray.com