Tecnologias para tratamento de água potável, efluentes e remediação de solo
Por Carla Legner
Edição Nº 111 - Julho/Agosto 2021 - Ano 20
A água potável é um produto de manufatura produzida a partir da água bruta encontrada na natureza, em locais denominados de mananciais. Sua qualidade é definida por critérios baseados em sua composição química e biológica
A água potável é um produto de manufatura produzida a partir da água bruta encontrada na natureza, em locais denominados de mananciais. Sua qualidade é definida por critérios baseados em sua composição química e biológica.
Essa água bruta é encaminhada para as chamadas Estações de Tratamento de Água (ETAs) onde, por meio de processos físicoquímicos, será ajustada para tornar-se apta ao consumo humano. Há uma série de parâmetros que definem como essa água deve ser comercializada e oferecida para a população.
De acordo com Fábio Campos, Doutor em Ciências, especialista em tratamento de água e esgoto, a água potável tem que ser microbiologicamente segura e esteticamente agradável, isto é, não deve possuir nenhum agente biológico capaz de produzir doenças, não ter cor, não apresentar partículas em suspensão e ter gosto agradável.
“Por mais que aprendemos na escola que a água é inodora, incolor e insípida, esqueceram de falar que tais características se aplicam a água pura. A água natural em seu ciclo hidrológico, ao passar pela atmosfera dissolve gases (gás carbônico e gás oxigênio) e ao cair no solo e permeá-lo, dissolve íons. Esses produtos incorporados a água conferem a ela cor, cheiro e gosto” – explica Fábio Campos.
Já o esgoto, que podemos definir com a combinação de esgoto doméstico (residências), industriais (fábricas) e águas de infiltração (águas pluviais que infiltram na rede coletora), possui em sua composição 99,9% de água e apenas míseros 0,1% de sólidos, os quais são acrescidos em função dos diversos usos dessa água. Esses míseros possuem elementos que podem ser prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Nesse cenário, logo, se faz necessário a existência da Estação de Tratamento (ETEs), afim de remover os poluentes a um nível seguro, para que assim possam ser lançados nos corpos receptores sem prejuízos.
Nivaldo Dias, gerente comercial da Paques LAM, explica que o objetivo principal do sistema de tratamento de efluentes, seja de origem industrial, ou provenientes de municípios é remover a matéria orgânica do despejo, oxidando-a e estabilizando-a de tal maneira que minimizará qualquer efeito que sua descarga poderá causar ao meio ambiente.
“O tratamento para água potável possui três objetivos principais: reduzir a concentração de poluentes na água, eliminar patógenos, e preservar a saúde e qualidade de vida da população. Já o tratamento de efluentes, por sua vez, tem a função principal de remover a matéria orgânica dissolvida e em suspensão, evitando a poluição e degradação ambiental, seja ela de corpos hídricos, solo e até mesmo do ar” – complementa Renan Hiroshi Saito, gerente de novos negócios da General Water.
Assim como água, o solo também pode ser contaminado através das atividades antrópicas ou naturais, que contaminam as plumas de água que eventualmente entra em contato com a população, podendo causar patologias. Para esses casos são utilizados os processos de Remediação de solo. Trata-se de ações para a redução dos teores de contaminantes a níveis seguros e compatíveis com a proteção à saúde humana, impedindo ou dificultando a disseminação de substâncias nocivas ao ambiente.
Processos e suas tecnologias
Com relação ao tratamento de água, o processo consagrado e empregado na maioria absoluta das ETA’s baseia-se na adição de produtos químicos e na imposição de barreiras físicas para reter compostos e ajustar a composição da água.
Segundo Campos, é o chamado Processo Convencional onde, por meio de substâncias coagulantes, as sujeiras da água bruta são removidas. “Resumidamente, o tratamento convencional envolve as etapas de: coagulação, floculação, sedimentação, filtração e desinfecção” – explica.
Atualmente existem diversas tecnologias para tratamento de água e efluentes, porém, segundo Carolina Rosignol, química responsável pelo departamento de inovação e tecnologia para soluções ambientais da Hoganas, as mais encontradas são: filtração mecânica, no caso de água potável e oxidação; e a coagulação química, no caso de efluentes.
“No entanto, vem se tornando de conhecimento geral a necessidade de diversificação e o uso de novas tecnologias neste mercado, dentre elas destaco os filtros catalíticos e a tecnologia de eletrocoagulação” – afirma.
Filtros: Há uma grande variedade de meios filtrantes que são geralmente diferenciados pelos seus mecanismos de atuação, como meios filtrantes de separação mecânica, meios filtrantes de adsorção física e meios filtrantes catalíticos.
Eletrocoagulação: É baseada no método eletroquímico da eletrólise para o tratamento de efluentes, onde a oxidação dos eletrodos metálicos é responsável pela formação do agente coagulante, sem necessidade da adição de compostos químicos para promover a coagulação.
“Esse método de tratamento é mais vantajoso do que técnicas convencionais, pois não há necessidade de adição de produtos químicos, a coagulação ocorre através da oxidação dos anodos metálicos. Além disso, os equipamentos são compactos, de simples operação e baixo custo” – destaca a especialista.
A seleção das tecnologias depende, principalmente, das características físico-químicas de cada efluente, e das necessidades de eficiências desejadas, ou seja, se os efluentes serão descartados em corpos receptores ou não. Nesse sentido, Dias explica que devem atender a legislação ambiental vigente, segundo a classe do corpo receptor e, ainda, caso sejam utilizados para reúso, deverá atender as características físico-químicas desejadas.
Ele destaca ainda que os principais processos para o tratamento dos efluentes podem ser divididos em Tratamento Primário, Tratamento Secundário e Terciário. O primeiro tem como função de remoção de sólidos, gorduras, equalização, correção de pH etc. São empregados em Grades, Peneiras, Decantadores primários, Flotadores (DAF), Tanque de equalização e condicionamento, e outros.
No Brasil, as ETAs para abastecimento público utilizam, majoritariamente, o tratamento convencional, usual para o tratamento de águas oriundas de fontes superficiais, como rios ou reservatórios. Segundo Saito, esse tratamento é composto pelos processos unitários de pré-oxidação, ajuste de pH, coagulação, floculação, sedimentação, filtração, desinfecção, fluoretação e ajuste de pH, sendo posteriormente encaminhada às redes de distribuição para consumo.
No Tratamento Secundário são utilizados os Processos Anaeróbios, por meio de Lagoas Anaeróbias e Reatores anaeróbios de alta taxa de aplicação, e os Aeróbios, com Lodos Ativados convencionais e de aeração prolongada, com sistemas MBBR.
Os Reatores Anaeróbios de alta taxa de aplicação são constituídos basicamente de um tanque onde na parte superior existe um aparador trifásico para sólido/líquido/gás, garantindo uma elevada capacidade de retenção de sólidos, como lodo granulado e bactérias. O efluente a ser tratado é distribuído uniformemente no fundo do reator e escoa através de uma camada de lodo biológico ativo (leito de lodo), onde os poluentes orgânicos são biodegradados.
O gás produzido, resultante da estabilidade anaeróbia da matéria orgânica, ao atingir o aparato separador interno é encaminhado, por meio de placas refletoras, à câmara de acúmulo de gás. O líquido contendo partículas em suspensão e, eventualmente, lodo biológico disperso, oriundo da câmara de reação, escoa através da abertura entre placas do separador trifásico, atingindo a zona de decantação.
Nesta região, o escoamento quiescente, proporcionado pela separação prévia do gás e a carga superficial aplicada, permite a decantação de sólidos em suspensão. As partículas sedimentadas retornam à zona de reação com auxílio das paredes inclinadas do separador interno, contribuindo assim para o enriquecimento do leito de lodo. O líquido tratado deixa o sistema por transbordamento em calhas coletoras de efluentes, convenientemente distribuídas no topo do reator.
Nos processos Aeróbios com Lodos Ativados, o tanque de aeração tem por objetivo remover a matéria orgânica, oxidando-a e estabilizando-a. Para tanto, uma apreciável quantidade de oxigênio é necessária para a síntese biológica. Os microrganismos oxidam a matéria orgânica em formas mais simples, a fim de sintetiza-las em novas matérias orgânicas e novas células de bactérias.
Para essa oxidação, os microrganismos utilizam o oxigênio dissolvido no sistema biológico. Portanto, é necessário a introdução de oxigênio, o que será obtido por intermédio dos sopradores de ar e difusores de membranas ou aeradores superficiais, ou introdução de oxigênio puro, etc.
O licor misto (efluente + lodo biológico) sairá do tanque de aeração indo para o decantador secundário, onde o lodo biológico sedimentará e, pelo fundo, será recolhido na elevatória de reciclo e reciclado com bombas centrífugas de rotor aberto e baixa rotação para a entrada do tanque, caracterizando-se o processo de lodos ativados.
O efluente clarificado, sem a presença de lodo biológico, sairá na parte superior do decantador secundário, sendo então encaminhado ao corpo receptor. Os processos de lodos ativados possuem algumas variantes do processo clássico, sendo que os processos MBBR, com biomassa aderida em suportes – Bio-medias, e MBR com filtração por membranas, os que estão mais em evidência.
Segundo Dias, normalmente, os processos biológicos têm uma aplicação de muito sucesso em vários setores industriais, como, por exemplo, os setores de Bebidas, Alimentos, Papel, Açúcar e Etanol, Agroindústria etc. As características mais importantes na escolha desse processo são o valor do investimento (CaPex), os custos operacionais (OPex) e de manutenção com a operação da unidade de tratamento.
No que implica ao tratamento de efluentes domésticos, são usualmente empregados sistemas de tratamento biológicos (aeróbios, como lodos ativados, e anaeróbios), eficazes na degradação da matéria orgânica que compõe grande parcela dos efluentes. No caso dos efluentes industriais, previamente ao tratamento biológico, são empregados processos físico-químicos que visam a precipitação de substâncias inorgânicas comumente presentes nesses efluentes, como metais, por exemplo.
“Hoje observamos, na maioria dos países, a aplicação dos processos mistos, utilizando um processo Anaeróbio com reatores anaeróbios de alta taxa, seguido de um processo Aeróbio complementar para a realização do tratamento dos efluentes. E, quando necessário, é realizado a aplicação de um processo terciário para um polimento final dos efluentes” – afirma Dias.
Além disso, Saito destaca também que a degradação ambiental e as mudanças nos hábitos de vida da população trouxeram como consequência a presença de poluentes mais perigosos, usualmente apresentando-se sobre a escala micro ou nano, cuja remoção por processos convencionais é dificultada. Dessa forma, o uso de tecnologias terciárias ou avançadas tem ganhado considerável espaço, dentre as quais ele destaca a filtração em membranas: Microfiltração; Ultrafiltração; Nanofiltração e Osmose Reversa.
Microfiltração (MF): processo onde as pressões aplicadas são consideradas baixas e é utilizada para a separação de materiais em suspensão, colóides, vírus, bactérias de uma corrente aquosa. A microfiltração retém sólidos suspensos com partículas grandes, deixando passar sólidos suspensos com partículas muito pequenas e material dissolvido.
Ultrafiltração (UF): processo onde as pressões aplicadas são consideradas medias (30-150 psig) em uma faixa um pouco maior que as pressões de microfiltração. A Ultrafiltração é utilizada para a separação de solutos de grande peso molecular de soluções aquosas sendo considerada uma membrana semipermeável. A UF retém proteínas, polissacarídeos, óleos emulsionados, material particulado, vírus, bactérias, colóides e sólidos suspensos, deixando passar a maioria dos surfactantes, água, sais minerais, ácidos e álcalis.
Nanofiltração (NF): processo onde as pressões vão de médias a moderadamente altas. Neste caso, os íons monovalentes passam livremente pela membrana e os íons multivalentes e matéria orgânica de baixo peso molecular são retidos. A NF retém sais divalentes e matéria orgânica, deixando passar sais monovalentes, água, soluções ácidas e alcalinas. Faixa de poros entre a UF e a OR.
Osmose Reversa (OR): usada para separação de sais minerais dissolvidos de uma corrente de água, incluindo sais monovalentes, produzindo desta forma água pura. As pressões aplicadas nestes sistemas são de moderadas a altas. As membranas de OR são fabricadas com diferentes índices de rejeição, o que permite selecionar a membrana mais apropriada para a aplicação requerida.
No caso do processo de remediação de solo, dentre as tecnologias existentes Carolina destaca: Mistura Mecânica de solo, Barreira Reativa Permeável, Injeção de solo, Fitorremediação e Lavagem de solo. “As mais simples e comumente usadas no Brasil são a remoção mecânica de material e oxidação por injeção de químicos, porém nem sempre são a alternativa mais eficiente ou sustentável” – enfatiza.
Mistura mecânica de solo: É uma técnica que consiste na mistura de solo contaminado com o produto remediador em locais onde a contaminação não é profunda.
Barreira reativa: É uma técnica que consiste na criação de uma barreira a jusante da fonte de contaminação contendo compostos químicos ou biológicos que reagem com os contaminantes realizando um tratamento na água subterrânea que por ela passa. É apropriada para situações onde a mobilidade do contaminante é moderada.
Injeção de solo: É uma técnica baseada na injeção direta de misturas remediadoras com o objetivo de destruir o contaminante através de reações químicas e converter a sua massa em compostos inertes encontrados na natureza.
“O sucesso da aplicação de uma determinada técnica de remediação, depende, essencialmente das características do meio físico e do tipo de contaminante envolvido. Nas últimas três décadas, têm se visto um acervo de pesquisas voltadas para o desenvolvimento de técnicas sustentáveis de remediação de águas subterrâneas, dentre estas a aplicação de pó de ferro zero valente (ZVI)” – completa a representante da Hoganas.
Reúso e a evolução do mercado
A água potável produzida e distribuída para população tem como objetivo principal o consumo humano. O processo que a água passa até chegar, potável, na torneira da população, consiste em captação da água bruta, tratamento para torná-la potável e distribuição por meio de redes hidráulicas, reservatórios e sistemas de bombeamentos.
Todo esse processo envolve altos investimentos para obras de captação e tratamento, além de altos custos e operação com mão de obra, produtos químicos, e energia elétrica e manutenção. Com isso, deve-se questionar se faz sentido a utilização dessa mesma água para fins não nobres.
A economia circular, que tem como objetivo principal o reúso de insumos que antes seriam descartados, tem incentivado o reúso da água através do tratamento dos efluentes e o aproveitamento do biogás, que são gerados em reatores anaeróbios e utilizados para geração de energia elétrica, utilização em caldeiras e, também, na produção de biometano (combustível após purificação).
“A mudança cultural pode iniciar com a educação ambiental e conscientização sobre a escassez de recursos naturais, no caso, a água. A cultura brasileira, especificamente, tem a sensação equivocada de que a água é um bem infinito. Entretanto, nos últimos anos tem sido desenvolvido tecnologias cada vez mais arrojadas, visando a otimização quali-quantitativa dos processos de tratamento de água e efluentes” – afirma Saito.
Por outro lá, novas técnicas também trazem diferencial ao mercado e aos processos. Dias destaca que a aplicação das tecnologias anaeróbias em tratamento de efluentes têm sido amplamente utilizadas para o tratamento dos efluentes nas indústrias.
“Os bons resultados alcançados com os Reatores Anaeróbios de Fluxo Ascendente com Leito de Lodo (UASB) estimularam o desenvolvimento de uma nova geração de reatores anaeróbios, utilizando o conceito de Leito Expandido (EGSB), onde se busca aproveitar as boas condições de sedimentabilidade do lodo anaeróbio granulado, aplicando maiores velocidades ascensionais e maiores cargas orgânicas” – explica Dias.
Ele afirma ainda que dentre as várias alternativas patenteadas com esse novo conceito, destaca-se o Reator Anaeróbio de Circulação Interna (IC), caracterizado pela separação do biogás em dois estágios dentro do reator, pela elevada relação altura/diâmetro e pela recirculação interna do efluente movida pela produção de biogás.
O reator IC pode operar com elevadas velocidades ascensionais de líquido e gás, o que o torna mais viável economicamente para o tratamento de efluentes de baixas e médias concentrações encontradas nas indústrias de Bebidas, Alimentos, Papel, Açúcar e Etanol, Agroindústria e outras.
Ainda sim, vale destacar que o mercado nacional possui também uma grande variedade de empresas que atuam desde a venda de produtos já feitos, os chamados “produtos de praleira”, onde o cliente adquire estações de tratamento em modelos fabricados em escala, as chamadas ETE’s Compactas, como na venda de produtos construídos a partir da necessidade do cliente, tanto no que tange ao volume a ser tratado como aos objetivos do tratamento.
“A tecnologia de separação por membranas é a principal inovação tecnológica nos processos de tratamento não só de água como de esgoto e está sendo amplamente utilizada como alternativa aos sistemas convencionais em países desenvolvidos. Essas membranas são capazes de separar um fluido de partículas sólidas de pequeno diâmetro, bactérias, vírus, moléculas orgânicas, compostos iônicos de baixo peso molecular e até gases” – enfatiza Saito.
Ainda segundo ele, uma das últimas inovações tecnológicas do mercado de saneamento são as membranas MABR da Dupont, que aumentam a eficiência de remoção de poluentes, requerendo menor área e duração do tratamento.
Ademais, a academia e o mundo corporativo trabalham cada vez mais focados na remoção de micropoluentes, como dirruptores endócrinos e fertilizantes, por exemplo, os quais muitas vezes ainda não possuem limitação de lançamento por legislação, porém estão no radar para o futuro, uma vez que podem causar danos à biota e à saúde da população.
“Sejam os físico-químicos, por meio de processos avançados de filtração, como o uso de membranas de osmose-reversa, ultra ou microfiltração ou biológicos, por meio do desenvolvimento de novos arranjos ou processos como o MBBR (reator biológico com biofilme em leito móvel), MBR (reator biológico de membrana), Lodo Aeróbio Granular (Nereda®, por exemplo), ou sejam pela combinação de tecnologias já existentes os processos de tratamento de efluentes estão sempre evoluindo” – finaliza Campos.
Contatos
Prof. Dr. Fábio Campos: FSP/USP
Paques: www.paquesglobal.com
General Water: www.generalwater.com.br
Hoganas: www.hoganas.com