Captura e Armazenamento de Carbono
Por Carla Legner
Edição Nº 113 - Novembro/Dezembro 2021 - Ano 20
A captura de carbono é o termo genérico para o processo de captura de gás carbônico (CO2) a partir de uma separação seletiva deste gás presente em efluentes gasosos, principalmente de origem da queima de combustíveis
A captura de carbono é o termo genérico para o processo de captura de gás carbônico (CO2) a partir de uma separação seletiva deste gás presente em efluentes gasosos, principalmente de origem da queima de combustíveis. Quando este processo é seguido ou está associado a algum tipo de armazenamento é chamando Captura e Armazenamento de Carbono, que na sigla em inglês é CCS - Carbon Capture and Storage.
O objetivo desse processo é tentar capturar e armazenar o CO2 em formações geológicas em profundidade, a fim de garantir um processo mais eficaz. De acordo com Jussara L Miranda, Professora e Pesquisadora da UFRJ, seu armazenamento pode ser realizado de diversas maneiras, dentre elas se destaca a injeção de CO2 em aquíferos salinos, ou seja, reservatórios de água de altíssima salinidade não acessível a potabilidade e que possam estar próximos de uma fonte emissora, como uma refinaria ou termoelétrica.
Esse gás, com o tempo, vai sofrer modificações químicas no aquífero salino até se transformar em carbonato, permanecendo literalmente debaixo da terra, porém na forma estável de carbonatos, que não sendo gasosos, não voltarão para atmosfera.
“Outro modo de armazenamento, questionável por alguns pesquisadores, é o chamado EOR- da sigla em inglês Enhaced Oil Recovery. Trata-se da injeção de CO2 em poços petrolíferos de óleo ou gás para a recuperação avançada, isto é, para auxiliar no processo de produção de petróleo e gás, usando o CO2 para auxiliar a empurrar o óleo ou gás que ainda está no poço petrolífero” – explica Jussara.
Efeito estufa
O desenvolvimento das tecnologias de CCS ganhou destaque com o crescimento do interesse internacional nas mudanças climáticas. Isso porque, sua principal finalidade é contribuir para a mitigação das emissões dos gases do efeito estufa (GEE), dos quais o CO2 é o principal por ser emitido em maior quantidade, uma vez que é produto da queima dos combustíveis usados atualmente, sejam os fósseis ou os biocombustíveis.
“Se fizermos a captura dos GEE nas fontes estacionárias das grandes fontes poluidoras como as refinarias, siderúrgicas, indústrias do cimento etc, unidades de captura e armazenamento destes gases, poderemos diminuir em um bom percentual a quantidade de suas emissões e contribuir para a mitigação das mudanças climáticas e para as metas do Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, em total de 195 países” – enfatiza Jussara.
Segundo este Acordo, os países signatários se comprometeram a atingir as suas metas de intenção para a redução dos gases do efeito estufa até 2030 e até 2050. Nesse sentido, Jussara explica que o ano de 2021 é considerado por muitos como decisivo para os países e seus governos decidirem cumprir efetivamente as metas de redução dos GEE para almejar o cenário 2C, ou seja, o aumento da temperatura média global em até 2 graus Celsius.
Vale lembrar que as metas de redução dos GEE assumidas pelo governo brasileiro são a redução em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025 e a indicação de redução de 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030.
Conceito do processo e suas tecnologias
A cadeia do CCS é composta de três etapas principais: captura, transporte e armazenamento. Na primeira delas, o CO2 é capturado ou separado seletivamente de uma mistura gasosa, que pode ser a de efluentes de uma refinaria, siderúrgica ou de processos associados.
Para separar o CO2 podem ser utilizadas substâncias químicas como os absorventes líquidos, entre eles as soluções contendo as aminas alcooladas (MEA-monoetanolamina foi muito utilizada e outros derivados) ou os adsorventes que são sólidos, podendo ser membranas poliméricas ou materiais seletivos.
Há basicamente três categorias nas tecnologias de captura de CO2. A Oxi-combustão é considerada uma tecnologia relativamente nova para a redução de emissões de CO2, foi desenvolvida para produzir CO2 com elevado grau de pureza (> 99%) a partir da recuperação de óleos.
Devido às preocupações ambientais passou a ser utilizada em demais processos industriais. A água é facilmente removida por completo tornando mais fácil a separação do v com alto grau de pureza e sua reutilização em outros sistemas de processamento. A fonte de energia é queimada com o gás oxigênio puro e para isso o oxigênio deve ser separado previamente da mistura gasosa presente no ar.
A captura de CO2 na Pré-combustão refere-se à separação do CO2 do gás de síntese, o qual contém CO e H2, antes da combustão em processos de produção de energia. Está associada a reações de deslocamento gás-água para conversão de monóxido de carbono e água para dióxido de carbono e hidrogênio, na reforma ou gaseificação do gás natural. O CO é então convertido em CO2 criando uma mistura gasosa CO2/H2 da qual o CO2 é separado.
O H2 remanescente é utilizado como recurso na produção de energia.
“De maneira resumida, a Pré-combustão é quando a fonte energética é gaseificada a metano que será convertido a gás de síntese e depois a CO2 e gás hidrogênio. O gás queimado será o gás hidrogênio, que no final produz água e o CO2 poderá ser armazenado ou utilizado” – enfatiza Jussara.
Por último temos a na Pós-combustão, onde se captura o CO2 após o processo de queima da fonte de energia. Ele precisa ser separado, uma vez que deve estar diluído na corrente gasosa. Nesse caso, é necessário separar o CO2 principalmente do N2 após a combustão de combustíveis fósseis antes da 20 exaustão e emissão na atmosfera.
Geralmente, a captura de CO2 é aplicada a baixas pressões (1 bar) e baixas concentrações de CO2 (3 %–20 %) em altas temperaturas (40–180 °C). Esta aplicação apresenta como vantagem a facilidade de integração sem a necessidade de grandes alterações na planta industrial, maior sustentabilidade quando comparada a outras tecnologias de captura (oxi-combustão e pré-combustão), fácil manutenção e controle, não necessitando de uma nova planta industrial para operação.
Depois da captura é necessário transporta-los para o local onde será armazenado ou utilizado. Esse processo pode ser feito pelos chamados carbonodutos, que são dutos específicos para o transporte de CO2 já existentes em diversos locais, inclusive no Brasil, associados a EOR. Além disso, é possível transportar CO2 através de navios, onde será levado preferencialmente na forma liquefeita. Por fim, o armazenamento é a etapa final do processo. Nesse momento, o CO2 é estocado e armazenado de alguma forma. Jussara detalha os tipos:
Armazenamento geológico: consiste em injetar o CO2 em aquíferos salinos, ou seja, reservatórios de água nâo-potável de altíssima salinidade, presente em bacias de rochas sedimentares.
Armazenamento químico: pode ser considerado e incluído nos processos de conversão de CO2 em alguma substância que ficará de alguma forma estável na natureza, como por exemplo, a transformação de CO2 em carbonatos.
Armazenamento biológico ou natural: é a captura e armazenamento realizado pela fixação biológica, isto é, pela fotossíntese de plantas e pelos fitoplânctons (plantas microscópicas que vivem nos oceanos e fazem fotossíntese). “O reflorestamento e o plantio de árvores, respeitando a natureza dos biomas envolvidos, são os tipos deste armazenamento” – destaca Jussara.
É importante destacar que, atualmente, a sigla CCS vem sendo substituída pela CCUS que se refere à captura de carbono, uso e armazenamento, da sigla em inglês - Carbon Capture, Utilization and Storage. Tal mudança tem o intuído de mostrar uma ampliação do conceito inicial com a inclusão do uso/empregabilidade do CO2 que é capturado.
Filtros e gás carbônico
A adsorção é um fenômeno conhecido há muito tempo e cada vez mais utilizado com o objetivo de separação e purificação. Trata-se de uma operação unitária de transferência de massa em que se avalia a capacidade de sólidos em remover um componente, ou conjunto deles, de fluidos líquidos ou gasosos e concentrá-los em sua superfície, permitindo a separação.
Segundo Jussara, os filtros podem ser usados como adsorventes físicos e sólidos de CO2. Eles podem conter materiais nanoestruturados para separar seletivamente o CO2 presente na mistura gasosa. Ela conta que no Lacqua - Laboratório de Catálise Química Ambiental, localizado no Instituto de Química da UFRJ, que coordena junto com a outra professora, são sintetizados materiais híbridos metal-orgânicos que têm grande afinidade pelo CO2, assim como são obtidas membranas poliméricas com estes materiais nanodispersos.
O CO2 ficaria preso nos poros dos materiais de um tipo destes compostos, o UIO-66, mas pode ser removido aplicando-se vácuo, ou seja, estes materiais podem ser reutilizados diversas vezes, capturando o CO2 e liberando-o para o local de armazenamento ou uso.
Nestes filtros é possível aplicar diversos tipos de materiais adsorventes que podem ser membranas poliméricas, membranas com os materiais híbridos metal-orgânicos, carvão ativado, zeolitas, dentre outros. Segundo a pesquisadora, a aplicação e a escolha da sua constituição deve estar de acordo com o tipo de efluentes gasosos que se deseja tratar, ou seja, qual é composição média dos gases componentes dela, assim como a temperatura e pressão desta corrente gasosa.
“O desenvolvimento e aplicação de tecnologias para a captura, armazenamento e utilização de gases do efeito estufa do CO2, que é o principal em quantidade de emissões, mas também de metano, óxido nitroso, HCFCs - hidrofluorocarbonos, usados nos aparelhos de ar condicionado e geladeiras, é de suma importância como um dos eixos de ações para a mitigação das mudanças climáticas”- afirma Jussara.
Para ela, estas tecnologias precisam ser incentivadas por políticas governamentais ambientais junto às grandes fontes poluidoras, como as refinarias, termoelétricas, indústrias de aço e de cimento, sem, porém, impactar no aumento do custo de energia para a população, especialmente a parcela mais vulnerável dela. Nesse sentido é fundamental destacar a importância e valorização da educação ambiental com a promoção de fóruns sociais para o debate e informação sobre mudanças climáticas e CCUS.
“Este eixo de ações não pode ser isolado de outros eixos essenciais neste processo de mitigação das mudanças climáticas, como a diminuição do desmatamento e queimadas no Brasil, até se chegar ao desmatamento zero. Ao aumento do uso de biocombustíveis e energias renováveis, como a eólica e solar. Ao monitoramento e conservação dos recursos hídricos e ao planejamento das medidas de prevenção das consequências das mudanças climáticas” – finaliza Jussara.
Contato:
UFRJ: www.ufrj.br