Biocombustíveis como alternativa sustentável
Por Carla Legner
Edição Nº 120 - Janeiro/Fevereiro 2023 - Ano 21
Com o passar do tempo, a demanda por biocombustíveis se tornou cada vez maior. Esse aumento é devido ao seu processo de produção limpa, ou seja, provêm de subprodutos renováveis, produzidos com biomassa, uma matéria-prima orgânica não fóssil
Com o passar do tempo, a demanda por biocombustíveis se tornou cada vez maior. Esse aumento é devido ao seu processo de produção limpa, ou seja, provêm de subprodutos renováveis, produzidos com biomassa, uma matéria-prima orgânica não fóssil. Podem substituir, parcial ou totalmente, combustíveis derivados de petróleo e gás.
Cada tipo é proveniente de um substrato. A biomassa de eucalipto, por exemplo, é produzida a partir de uma floresta de eucalipto. Já o etanol é proveniente da plantação de cana de açúcar, enquanto o biometano é produzido a partir da biodigestão de resíduos orgânicos, que é a matéria orgânica que chega no aterro, em um digestor ou na estação de tratamento de efluentes.
Apesar de existir diversos tipos, os 4 principais são: biodiesel, biometano, etanol e biomassa. O etanol e o biometano podem ser utilizados como combustível substituto ao fóssil em motores a combustão. Para substituir o óleo combustível ou gás natural em caldeiras para a produção de vapor, a tendência é utilizar também o biometano ou a biomassa. Tudo vai depender da demanda térmica, uma vez que cada combustível possui uma capacidade de entrega distinta.
“Há diferentes classes de biocombustíveis variando a sua origem, necessidade, tipo de processamento e o seu uso. Podemos dividi-los em sólidos (lenha e bagaço), gasosos (biogás e biometano) e líquidos (etanol, biodiesel, diesel verde, gasolina verde e bioquerosene de aviação) ” – afirma Júlio Cesar Minelli, diretor superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (APROBIO).
Ele explica ainda que os sólidos são fonte de energia térmica - consumidos com um mínimo de processamento. Já os gasosos são similares ao gás natural e podem ser aproveitados nas mesmas aplicações. A diferença entre o biogás e o biometano é que o segundo passa por um processo de concentração e purificação, permanecendo apenas o metano.
Para os líquidos temos o etanol, que pode ser utilizado como componente da mistura com a gasolina ou puro, em motores adaptados a ele do ciclo Otto. O biodiesel, por sua vez, é utilizado principalmente como componente da mistura com o diesel fóssil, em motores do ciclo diesel.
São diversas as biomassas para a produção dos biocombustíveis. As ricas em açúcares são as mais utilizadas para a produção de etanol. Biomassa rica em óleos vegetais e materiais residuais graxos são utilizadas para a produção de biodiesel e de biocombustíveis sintéticos. Biomassa rica em lignina, como lenha e bagaço de cana, pode ser queimada para geração de calor e também convertida em eletricidade.
“O biogás pode ser utilizado como fonte de energia elétrica renovável e ainda dar origem ao biometano, que efetivamente é o biocombustível aplicado em transporte, tanto para veículos leves (GNV), quanto para transporte da linha pesada, em caminhões” – ressalta Tamar Roitman, gerente executiva da Associação Brasileira de Biogás - Abiogás. Também é usado para a produção de energia térmica, biofertilizantes e outras aplicações.
Características e processo de produção
O biodiesel pode ser produzido a partir de várias matérias-primas. É possível obter o combustível a partir de plantas e óleos vegetais, como palma, macaúba, dendê, copaíba, amendoim, algodão e mamona. Também pode ser obtido de fontes, como gorduras animais e de resíduos gordurosos. É gerado por meio do processo de transesterificação de óleos e gorduras, seguido de purificação e filtração.
Quanto ao etanol, segundo Francisco Dal Rio, diretor técnico e performance da Veolia Brasil, ele pode ser produzido a partir da fermentação de matérias-primas, como milho, beterraba ou cana-de-açúcar e várias outras substâncias. Seu processo é feito a partir da fermentação do amido/açúcar presente na biomassa, seguido de purificação e destilação.
No caso da biomassa, para fins de queima em caldeiras e aquecedores, o processo é realizado através da plantação de eucalipto, bambu, capim elefante ou resíduos orgânicos de procedimentos industriais, como casca de arroz, bagaço de cana, entre outros.
Já o biogás/biometano é possível obter por efluentes domésticos, urbanos e industriais ou por meio da biodigestão anaeróbia (sem a presença de oxigênio) de resíduos orgânicos. A primeira etapa é a produção do biogás, seguido da purificação e concentração do metano.
“O biogás é a fonte a partir da qual vamos obter o biometano. Para alcança-lo é necessário passar pela etapa de purificação, uma vez que esse biogás tem cerca de 50% de Metano e 40% de CO2. Esse processo remove alguns contaminantes, principalmente o CO2, para chegar a uma pureza acima de 90%. Dessa forma, além do uso mais comum na produção de energia, é possível também usá-lo como combustível veicular” – ressalta Tamar. Praticamente toda matéria orgânica é elegível a ser insumo para este biocombustível.
Minelli destaca ainda o diesel verde, gasolina verde e bioquerosene de aviação. Esses são variantes mais recentes produzidos a partir de biomassa e com produto final quimicamente idênticos ao fóssil. O processo comercialmente mais encontrado é o de hidroprocessamento de óleos e gorduras.
“Neste caso, retira-se o glicerol e transforma-se o ácido graxo em hidrocarboneto, que deve passar por processos de isomerização, craqueamento e ser classificado por suas propriedades em uma coluna de destilação para serem consumidos como diesel renovável, bioquerosene de aviação ou nafta verde (que pode ser componente na gasolina) ” – explica.
De maneira geral, para produção de biocombustíveis, há diferentes tipos de filtragem, tudo vai depender das necessidades, características e pureza encontrada na matéria-prima, além das exigências do material produzido. No caso da biomassa de eucalipto, Dal Rio conta que há uma separação gradual por tamanho do cavaco. Nos processos de fermentação e de purificação há uma filtragem específica.
Já para o biometano há diversos filtros: com lavagem de gás, que funcionam com sprays de água e pressão; filtro de carvão ativado; filtros com membranas, para separação gasosa etc. Resumindo, para cada biocombustível um tipo de processo.
“São muitos tipos e usos. Talvez os mais visíveis aos usuários sejam os filtros de polimento final e os filtros que devem ser utilizados antes de cada operação de transferência, seja na saída da usina, na saída da distribuidora para os postos ou nas bombas de abastecimento” – destaca o diretor da APROBIO.
Mercado brasileiro
O lançamento do Programa Nacional de Álcool (Proálcool), em 1975, abriu as portas para o biocombustível mais utilizado no país, o etanol. Foi o primeiro passo para conquistar uma posição de liderança global. Desde então, o Brasil vem adotando políticas públicas e uma estrutura regulatória para fomentar a indústria e, consequentemente, garantir um futuro mais sustentável para o país.
No ano de 2004 houve lançamento oficial do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e em 2016, o governo brasileiro lançou a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), fruto do compromisso assumido para cumprir as metas do Acordo de Paris, que foram reforçadas na COP26.
Em 2021, conforme dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), os biocombustíveis responderam por 23% da matriz energética dos transportes. Atualmente, o Brasil é o terceiro maior produtor mundial de biodiesel, estando atrás apenas dos Estados Unidos e Indonésia.
No caso do biometano, de acordo com Tamar, a demanda pelo produto é muito maior que a oferta e está cada vez crescendo mais. “Hoje, a produção ainda é pequena, são 400 mil m3/dia de capacidade instalada no Brasil, onde o maior uso está no transporte pesado (grandes transportadoras), mas várias empresas já estão de olho nesse mercado, principalmente porque o biometano tem um potencial muito grande de descarbonização” – afirma.
Ela destaca também que além de benefício de ser um combustível renovável, há vantagens produtivas internas e sustentáveis. As empresas podem gerar esse produto e consumi-lo, produzir fertilizantes, destinar de maneira correta os resíduos, evitando o descarte incorreto ou custo a mais para isso, e ainda gerar crédito de carbono.
O mercado de etanol, Dal Rio afirma que já está estabelecido e maduro. Quando o assunto é biomassa, vale destacar que o bagaço de cana já é utilizado há muitos anos para produção de energia. Quanto ao biodiesel, apesar da substituição dos combustíveis ainda ser tímida quando comparada ao etanol, é um setor que está se desenvolvendo há algumas décadas.
“Desde a criação do PNPB, em 2004, o biodiesel foi responsável por diversos benefícios econômicos, sociais e ambientais no Brasil. Nas 57 usinas atualmente em operação em 15 estados, 19 mil pessoas estão ocupadas de forma direta apenas na sua produção e recebem 16% a mais que a média salarial dos empregos da agroindústria” – complementa Minelli.
Além disso, ele ressalta que o encadeamento do setor do biodiesel com os demais segmentos da economia trouxe 373 mil empregos. Em 2021, a sua produção gerou PIB de R$ 10,5 bilhões e massa salarial de R$ 1,2 bilhão, o que representa 2% de toda a agroindústria brasileira.
Vale destacar ainda volume de biodiesel produzido de 2008 a 2021 (53,3 bilhões de litros), além de ter substituído a importação de diesel de petróleo no mesmo volume, evitou a emissão de 101 milhões de toneladas de CO2. “Existem projetos de ampliação em sete usinas e em 11 outras em construção. Elas vão adicionar, no curto prazo, mais 3,2 bilhões de litros/ano e com isso, a capacidade de produção alcançará no curto prazo 16,5 bilhões de litros/ano” – enfatiza.
Pensando no biometano, de acordo com a Abiogás, a projeção é chegar a 30 milhões m3/dia de produção. “Como mencionei, hoje, temos 400 mil m3/dia e com novos projetos vamos chegar em 3 milhões m3/dia em 2027 e o objetivo final até 2030” – destaca Tamar. Para ela há duas grandes janelas para o crescimento do mercado: consumo industrial, para substituição de combustíveis como gás e GLT, e claro o setor de transportes, onde há a questão de baixo carbono.
“O Brasil é o principal player da transição energética. Há grandes projetos de energia renovável, com fontes solar, eólica, celulose, incluindo a produção de biometano, que é, sem dúvidas, uma das melhores soluções. Sem esquecer do etanol, que é um combustível de excelente qualidade para substituir gasolina, e ainda é uma tecnologia brasileira” – enfatiza o diretor da Veolia
O fato é que, há um enorme potencial de aumentar a produção de bioenergias sustentáveis a partir da biomassa em conjunto com o aumento de produção de alimentos e da redução do desmatamento. Essa é a pauta sobre desenvolvimento sustentável que deve ganhar corpo e profundidade.
O horizonte também está repleto de novas possibilidades para os biocombustíveis de primeira e de segunda gerações, movimentando a economia nacional, iniciando pelo agronegócio e evoluindo para a sua industrialização. Essa trajetória é sinônimo de crescimento, de integração da agricultura familiar, de mais investimento e de mais emprego nacional. Nesse sentido, para Minelli, espera-se ver esses desafios tratados de forma mais consistente na agenda pública, em especial no executivo.
Os biocombustíveis fazem bem para a saúde e melhoram a qualidade de vida de toda a população, garantem energia cada vez mais limpa, sustentável, competitiva e segura. “Além de provocar menos emissões, a cadeia produtiva dos biocombustíveis provou-se de extrema importância para a geração de renda e emprego no campo brasileiro. São produtos que aliam a segurança energética, segurança alimentar e desenvolvimento econômico como benefícios de uma mesma política” – finaliza Minelli.
Contato das empresas
ABIOGÁS: www.abiogas.org.br
APROBIO: www.aprobio.com.br
Veolia: www.veolia.com