O Talento Do Rh
Por Me. Tárcia Rita Davoglio
Edição Nº 50 - Maio/Junho de 2011 - Ano 10
Antes mesmo de questionar o modelo organizacional, é necessário indagar como o próprio RH funciona no modelo
Você que administra um negócio ou dirige uma organização, responda: se tivesse que escolher, a quem confiaria a tarefa de dobrar o seu pára-quedas para que ele ficasse prontinho caso você fosse se divertir saltando de um avião? Está hesitante, achando difícil responder? Você pode estar pensando que seria ótimo confiar em alguém próximo, quem sabe um filho ou até a própria mãe. Porém, quem possui família sabe que ela seria a primeira a dizer "não seja louco, não pule!". Afinal, é quase certo que seus familiares não são treinados para fazer tais dobras. Então, quem sabe você mesmo devesse dobrar. Mas, se você nunca viu um pára-quedas de perto, seria uma espécie de suicídio dar essa incumbência a si próprio. Talvez fosse melhor chamar um profissional, alguém preparado e qualificado, o que pode sim custar caro.
Verdade é que, em geral, a gente não quer nem saber quem vai se encarregar de decidir esse tipo de coisa, que parece ser trabalho corriqueiro dos bastidores, sem holofotes ou genialidade, cuja relevância só é percebida quando alguém se espatifa no chão. Afinal, é para resolver questões como essas, que envolvem risco e responsabilidade, que as empresas possuem o RH. Muitas vezes inflado de estagiários e pessoas sem muitas qualificações, que não têm um custo muito elevado, e que, de preferência, acumulem funções, entendam de todos os subsistemas administrativos e, lógico, também de pessoas.
Embora RH seja a abreviação de recursos humanos, nos referimos a ele como uma espécie de entidade dotada de poderes quase divinos para fazer previsões certeiras e transformações mágicas. Não é de hoje que o RH talvez seja o setor mais enigmático e mal compreendido, tanto na sua relevância quanto nas suas funções. Todo mundo acha que "essa gente do RH" não deixa claro para que time torce. E, em parte, talvez seja verdade porque não pode mesmo torcer para lado nenhum: tanto a organização quanto os profissionais que nele atuam precisam sair ganhando nas situações de trabalho, para que todos não saiam perdendo.
O RH tem sob sua tutela o desafio de gerir o potencial humano. A gestão de pessoas de uma organização não brota do nada, ela precisa se alicerçar em alguns critérios que lhe darão sustentabilidade e credibilidade, com indicadores claros e metas tangíveis. Ao invés de estar confinado em uma sala, o RH deveria estar circulando em todos os lados da empresa, integrando, promovendo mudanças e estimulando a motivação e a satisfação dos colaboradores, em um processo participativo e permanente de melhoria dos resultados individuais e organizacionais.
Isto é, contudo, a mais pura utopia. Não no sentido de ser irrealizável, mas no sentido de ainda não ser assim. É imprescindível nessa visão de empresa próspera que sua direção e lideranças estejam aliadas ao RH, envolvidas com a promoção de algumas atitudes para que as pessoas que integram a organização possam trabalhar focadas na performance que visa a excelência. Entre estas atitudes, podemos citar:
1. Resgate da confiança mútua: Todos querem pessoas que vestem a camisa da empresa e isto é explicitamente solicitado ao RH. Vestir a camisa tem a ver com o nível de confiança da empresa nas pessoas e das pessoas na empresa, porque nós confiamos de fato em quem pula junto. Por acaso você já vestiu a camisa do uniforme do seu funcionário? Sabe de que material ela é feita, que cheiro ela tem? Você tem certeza que "essa gente que não veste a camisa do seu negócio" não são as pessoas certas para trabalhar com alguém que se coloca do outro lado, avesso a participar do processo e a encarar seus colaboradores como gente também?
2. Reconhecimento das diferenças e construção de senso de justiça: Raramente uma única pessoa possui todos os conhecimentos e competências para lidar com tudo o que está envolvido em um processo. É necessária a troca de experiências, o ponto de vista do outro e a utilização de suas habilidades para atingir resultados. Porém, muitas vezes, o gestor, após solicitar colaboradores que se diferenciem dos que já integram suas equipes, propondo-lhes espaço para usarem seus talentos, venha a tratá-los como "iguais" quando contratados, agindo como Procusto, o personagem da mitologia grega. Procusto convidava os viajantes a se hospedarem em sua casa e lhes oferecia uma cama de ferro para que pudessem descansar. Porém, a hospedagem tinha uma peculiaridade: o hóspede precisava se ajustar perfeitamente ao tamanho da cama. Se fosse demasiado alto, era cortada parte de suas pernas para evitar o excesso; se tivesse uma estatura menor, era esticado até atingir o comprimento exato. Há inclusive quem diga que, secretamente, Procusto possuia duas camas de tamanhos diferentes, de tal modo que nunca havia de fato um ajuste que prescindisse de sacrifícios. Certa vez a deusa Atena (que poderia ser neste caso comparada ao responsável pelo RH), farta dos gritos produzidos por esse ajuste, foi inquiri-lo sobre esta estranha prática. Procusto defendeu-se argumentando que estava apenas fazendo justiça, porque sua cama nada mais fazia além de eliminar as diferenças entre as pessoas. Assim, o RH não tem a capacidade de manter talentos vivos em empresas que estressam ou podam.
3. Busca do valor agregado: Muitas vezes a empresa não sabe dialogar com pessoas que têm o que ela quer. O RH deveria ser autorizado a se preocupar menos com o controle e o comando e mais com a comunicação e a aprendizagem. O RH não é o líder, mas é quem precisa ser investido de autonomia para estimular as lideranças a manter os colaborados mais motivados, articulando a organização funcional, delegando responsabilidade, abrindo espaço para a criatividade e o empreendedorismo. É por aí que se pode chegar ao valor agregado, ou seja, a diferença entre o que se espera dos colaboradores e o que eles realmente realizam, produzindo além do básico e se aproximando do extraordinário (ou melhor, extra-ordinário).
4. Elevação e sustentação do humor: O feedback é a forma mais simples e eficaz de gerar alívio, crítica construtiva e coesão, valorizando as pessoas que estão envolvidas em um processo. O RH enfrenta fortes limitações para o cumprimento de suas metas, especialmente a de reter e motivar talentos frente à gestores mesquinhos e mau humorados. Organizações que nada celebram em parceria com quem produziu resultados não podem supor que as pessoas irão se manter entusiasmadas e bem humoradas para realizar tarefas das quais nunca serão convidadas a comemorar caso sejam bem sucedidas. Ao contrário, talvez nessas organizações os colaboradores sejam culpabilizados se os resultados não forem os mais favoráveis.
Tudo isso é sem dúvida um grande desafio aos profissionais de RH porque implica em validar sua atuação. Antes mesmo de questionar o modelo organizacional é necessário indagar como o próprio RH funciona no modelo, fazendo-se perceber como necessário às mudanças que as organizações precisam enfrentar diariamente para se manterem competitivas. A realidade, no entanto, demonstra que o RH é ainda insuficientemente reconhecido na sua importância, importância esta que gosto de comparar a que é atribuída ao sal.
O sal é uma substância milagrosa que dá a cada coisa o gosto que a coisa tem, realçando o paladar sem alterar o sabor. O sal é um potente esterilizador usado para curar alimentos, tendo a função de conservá-lo saudável e preservá-lo para que não se corrompa. Já nos tempos bíblicos se sabia disso, onde o prestígio do condimento era referendado na expressão "Vos estis sal terræ" ("Vois sois o sal da terra"; S. Mateus, V13.). Antes ainda, nos tempos helênicos, o sal era tão valioso que os povos gregos e romanos o usavam como moeda nas transações comerciais. E com este condimento os romanos eram pagos. Para ser mais exata, dizem que é daí que deriva a palavra "salário", o qual, nos dias atuais, tem sua administração como uma das principais incumbências do RH. Até mesmo o lugar à mesa nas festas oficiais da história antiga era determinado pela posição do saleiro, que ficava à cabeceira da mesa, ao lado do qual se posicionavam os mais nobres e ilustres convidados.
Como vemos, não é à toa que vejo tantas semelhanças entre o sal e o RH. É justo então esperar que nós, profissionais que atuamos em RH, tenhamos a coragem de desenvolver talentos e implementar princípios para não sermos reconhecidos como gente "sem sal", o que no senso comum equivale a ser sem influência e sem prestígio.
Verdade é que, em geral, a gente não quer nem saber quem vai se encarregar de decidir esse tipo de coisa, que parece ser trabalho corriqueiro dos bastidores, sem holofotes ou genialidade, cuja relevância só é percebida quando alguém se espatifa no chão. Afinal, é para resolver questões como essas, que envolvem risco e responsabilidade, que as empresas possuem o RH. Muitas vezes inflado de estagiários e pessoas sem muitas qualificações, que não têm um custo muito elevado, e que, de preferência, acumulem funções, entendam de todos os subsistemas administrativos e, lógico, também de pessoas.
Embora RH seja a abreviação de recursos humanos, nos referimos a ele como uma espécie de entidade dotada de poderes quase divinos para fazer previsões certeiras e transformações mágicas. Não é de hoje que o RH talvez seja o setor mais enigmático e mal compreendido, tanto na sua relevância quanto nas suas funções. Todo mundo acha que "essa gente do RH" não deixa claro para que time torce. E, em parte, talvez seja verdade porque não pode mesmo torcer para lado nenhum: tanto a organização quanto os profissionais que nele atuam precisam sair ganhando nas situações de trabalho, para que todos não saiam perdendo.
O RH tem sob sua tutela o desafio de gerir o potencial humano. A gestão de pessoas de uma organização não brota do nada, ela precisa se alicerçar em alguns critérios que lhe darão sustentabilidade e credibilidade, com indicadores claros e metas tangíveis. Ao invés de estar confinado em uma sala, o RH deveria estar circulando em todos os lados da empresa, integrando, promovendo mudanças e estimulando a motivação e a satisfação dos colaboradores, em um processo participativo e permanente de melhoria dos resultados individuais e organizacionais.
Isto é, contudo, a mais pura utopia. Não no sentido de ser irrealizável, mas no sentido de ainda não ser assim. É imprescindível nessa visão de empresa próspera que sua direção e lideranças estejam aliadas ao RH, envolvidas com a promoção de algumas atitudes para que as pessoas que integram a organização possam trabalhar focadas na performance que visa a excelência. Entre estas atitudes, podemos citar:
1. Resgate da confiança mútua: Todos querem pessoas que vestem a camisa da empresa e isto é explicitamente solicitado ao RH. Vestir a camisa tem a ver com o nível de confiança da empresa nas pessoas e das pessoas na empresa, porque nós confiamos de fato em quem pula junto. Por acaso você já vestiu a camisa do uniforme do seu funcionário? Sabe de que material ela é feita, que cheiro ela tem? Você tem certeza que "essa gente que não veste a camisa do seu negócio" não são as pessoas certas para trabalhar com alguém que se coloca do outro lado, avesso a participar do processo e a encarar seus colaboradores como gente também?
2. Reconhecimento das diferenças e construção de senso de justiça: Raramente uma única pessoa possui todos os conhecimentos e competências para lidar com tudo o que está envolvido em um processo. É necessária a troca de experiências, o ponto de vista do outro e a utilização de suas habilidades para atingir resultados. Porém, muitas vezes, o gestor, após solicitar colaboradores que se diferenciem dos que já integram suas equipes, propondo-lhes espaço para usarem seus talentos, venha a tratá-los como "iguais" quando contratados, agindo como Procusto, o personagem da mitologia grega. Procusto convidava os viajantes a se hospedarem em sua casa e lhes oferecia uma cama de ferro para que pudessem descansar. Porém, a hospedagem tinha uma peculiaridade: o hóspede precisava se ajustar perfeitamente ao tamanho da cama. Se fosse demasiado alto, era cortada parte de suas pernas para evitar o excesso; se tivesse uma estatura menor, era esticado até atingir o comprimento exato. Há inclusive quem diga que, secretamente, Procusto possuia duas camas de tamanhos diferentes, de tal modo que nunca havia de fato um ajuste que prescindisse de sacrifícios. Certa vez a deusa Atena (que poderia ser neste caso comparada ao responsável pelo RH), farta dos gritos produzidos por esse ajuste, foi inquiri-lo sobre esta estranha prática. Procusto defendeu-se argumentando que estava apenas fazendo justiça, porque sua cama nada mais fazia além de eliminar as diferenças entre as pessoas. Assim, o RH não tem a capacidade de manter talentos vivos em empresas que estressam ou podam.
3. Busca do valor agregado: Muitas vezes a empresa não sabe dialogar com pessoas que têm o que ela quer. O RH deveria ser autorizado a se preocupar menos com o controle e o comando e mais com a comunicação e a aprendizagem. O RH não é o líder, mas é quem precisa ser investido de autonomia para estimular as lideranças a manter os colaborados mais motivados, articulando a organização funcional, delegando responsabilidade, abrindo espaço para a criatividade e o empreendedorismo. É por aí que se pode chegar ao valor agregado, ou seja, a diferença entre o que se espera dos colaboradores e o que eles realmente realizam, produzindo além do básico e se aproximando do extraordinário (ou melhor, extra-ordinário).
4. Elevação e sustentação do humor: O feedback é a forma mais simples e eficaz de gerar alívio, crítica construtiva e coesão, valorizando as pessoas que estão envolvidas em um processo. O RH enfrenta fortes limitações para o cumprimento de suas metas, especialmente a de reter e motivar talentos frente à gestores mesquinhos e mau humorados. Organizações que nada celebram em parceria com quem produziu resultados não podem supor que as pessoas irão se manter entusiasmadas e bem humoradas para realizar tarefas das quais nunca serão convidadas a comemorar caso sejam bem sucedidas. Ao contrário, talvez nessas organizações os colaboradores sejam culpabilizados se os resultados não forem os mais favoráveis.
Tudo isso é sem dúvida um grande desafio aos profissionais de RH porque implica em validar sua atuação. Antes mesmo de questionar o modelo organizacional é necessário indagar como o próprio RH funciona no modelo, fazendo-se perceber como necessário às mudanças que as organizações precisam enfrentar diariamente para se manterem competitivas. A realidade, no entanto, demonstra que o RH é ainda insuficientemente reconhecido na sua importância, importância esta que gosto de comparar a que é atribuída ao sal.
O sal é uma substância milagrosa que dá a cada coisa o gosto que a coisa tem, realçando o paladar sem alterar o sabor. O sal é um potente esterilizador usado para curar alimentos, tendo a função de conservá-lo saudável e preservá-lo para que não se corrompa. Já nos tempos bíblicos se sabia disso, onde o prestígio do condimento era referendado na expressão "Vos estis sal terræ" ("Vois sois o sal da terra"; S. Mateus, V13.). Antes ainda, nos tempos helênicos, o sal era tão valioso que os povos gregos e romanos o usavam como moeda nas transações comerciais. E com este condimento os romanos eram pagos. Para ser mais exata, dizem que é daí que deriva a palavra "salário", o qual, nos dias atuais, tem sua administração como uma das principais incumbências do RH. Até mesmo o lugar à mesa nas festas oficiais da história antiga era determinado pela posição do saleiro, que ficava à cabeceira da mesa, ao lado do qual se posicionavam os mais nobres e ilustres convidados.
Como vemos, não é à toa que vejo tantas semelhanças entre o sal e o RH. É justo então esperar que nós, profissionais que atuamos em RH, tenhamos a coragem de desenvolver talentos e implementar princípios para não sermos reconhecidos como gente "sem sal", o que no senso comum equivale a ser sem influência e sem prestígio.
Psicóloga, Doutoranda em Psicologia/PUCRS, Mestre em Psicologia Clínica/PUCRS, Especialista em Gestão Empresarial/FGV, Especialista em Psicoterapia Psicanalítica/UNISINOS e em Psicopatologia do Bebê (PARIS XII), Psicoterapeuta, Consultora em Gestão de Pessoas, Perita em Avaliação Psicológica e Gestão de Equipes. Fone: (51) 8188.0733 tarciad@gmail.com |