Separação de Água do Diesel: biodiesel, parâmetros e normas
Por Denis Nascimento e Dr. Evandro Luís Nohara
Edição Nº 122 - Maio/Junho 2023 - Ano 22
O motor a combustão do ciclo diesel foi patenteado em 1892 pelo engenheiro alemão Rudolf Diesel, o qual por conta de sua eficiência foi difundido em diversas aplicações em todo o mundo, caminhões, locomotivas para o transporte de cargas
O motor a combustão do ciclo diesel foi patenteado em 1892 pelo engenheiro alemão Rudolf Diesel, o qual por conta de sua eficiência foi difundido em diversas aplicações em todo o mundo, caminhões, locomotivas para o transporte de cargas, ônibus para o transporte de pessoas, máquinas agrícolas e construção e até mesmo geradores de energia elétrica (DIESEL e GULDNER, 1903).
Os motores diesel mais modernos contam com um sistema de injeção de combustível chamado de Common-rail, que apesar de mais eficiente em relação às versões anteriores, são também muito sensíveis à má qualidade do combustível, sofrendo danos como corrosão, arranhões ou riscos nos componentes de seu sistema, formação de lodo e sedimentos, os quais podem ser causados pela presença de água no combustível (AROUNI et al, 2019).
A Figura 1 apresenta um esquema do sistema de alimentação de combustível formado pelo tanque de combustível, um pré-filtro de separação de água, bomba de transferência de combustível, filtro principal de contaminantes, bomba de alta pressão e sistema de injeção.
A função principal do pré-filtro é a separação de água tanto livre quanto emulsionada para evitar todos os problemas gerados pela água, como corrosão e proliferação de bactérias e fungos. Uma separação de água maior do que 93% é imprescindível para sistemas de injeção Common-rail (BOSCH, 2005). De acordo com a Figura 1, a bomba de transferência succiona o combustível do tanque e o encaminha até a bomba de alta pressão, passando através do pré-filtro separador de água e também pelo filtro principal, este responsável pela filtração das partículas mais finas.
2. O Diesel e a Água
2.1 Combustível
Desde o início do século 20, diversos pesquisadores e empresas tentam desenvolver um combustível alternativo que possa vir a ser um substituto ao óleo diesel. No ano de 1900 em uma exposição em Paris, foi mostrado um motor do ciclo diesel funcionando normalmente com óleo de amendoim. A performance de óleos vegetais como combustível são satisfatórias, porém a sua alta viscosidade é o principal problema para sua utilização eficiente, solucionado pela transesterificação do óleo por volta dos anos 1970, gerando assim o biodiesel, uma alternativa a utilização dos combustíveis fósseis (KNOTHE, 2018). No Brasil a primeira patente de um biodiesel foi submetida por Expedito de Sá Parente em 1980 e concedida em 1983, sob o registro PI 8007957. (NOVO, 2019; PARENTE, 1980)
O biodiesel é um combustível biodegradável formado por ésteres de cadeia longa (em média 18 átomos de carbono), obtido por uma reação de transesterificação de óleos vegetais (ex: soja, algodão, girassol, canola) ou gordura animal (sebo bovino, suíno ou de aves) com um álcool, usualmente metanol ou etanol, na presença de um catalisador, mostrado na Figura 2, onde R. representa uma mistura de várias cadeias de ácidos graxos (KNOTHE, 2018).
No Brasil a Resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) nº16, publicada em 2018, determinou que fosse adicionado 11% de biodiesel ao diesel de petróleo e que fosse acrescentado 1% ao ano até atingir o limite de 15% no ano de 2023, baseado nos testes descritos na Portaria do Ministério de Minas e Energia nº262/2017. As regulamentações de qualidade do biodiesel seguem as definições da Resolução da Agência Nacional de Petróleo (RANP) No 45/2014 (AGÊNCIA NACIONAL DE PETROLEO E GÁS, 2014) para aspectos gerais e da RANP No 798/2019 (AGÊNCIA NACIONAL DE PETROLEO E GÁS, 2019) para o limite do ensaio de estabilidade à oxidação, conforme Tabela 1.
A Tabela 2 apresenta o ponto de entupimento do filtro a frio (mostrado na Tabela 1) para os estados brasileiros das regiões sul, sudeste e centro-oeste não contemplados na Tabela 1.
O biodiesel pode ser misturado com em diesel em qualquer proporção formando uma mistura estável (FREGOLENTE et al, 2012), nomeadas com a letra B acrescida da porcentagem de biodiesel no combustível. Por exemplo, um diesel com 20% de biodiesel possui denominação B20 (KNOTHE, 2018). Quanto maior for a porcentagem de biodiesel na mistura do combustível, mais acentuado é o risco da proliferação de microrganismos, por conta de ter origem em matéria orgânica baseado em óleos comestíveis, a qual pode chegar até a 1500ppm (KOMARIAH et al, 2018).
2.2 Presença de água no diesel
A contaminação do óleo com água é comumente observada, podendo ser visualizada quando a água está acima do seu limite de saturação em formas de gotas. Se a mistura óleo e água estiver em repouso é possível verificar a divisão entre a água e o óleo por conta da diferença entre densidade dos dois materiais. A água pode estar presente no diesel/biodiesel em três formas: livre, emulsificada ou dissolvida (OLIVEIRA, 2013), como pode ser observado na Figura 3 (LOBO, 2019). No tanque de combustível de um veículo onde a agitação é muito baixa e a água fica presente em sua forma livre, o combustível passa através da bomba, onde ocorre o cisalhamento do combustível transformando o combustível para a forma “água emulsificada” (AROUNI et al, 2018).
A água presente no biodiesel pode causar o crescimento de microrganismos, hidrólise do combustível pela formação de ácidos graxos livres (LOBO; FERREIRA,), corrosão nos componentes metálicos do sistema de injeção de combustível (KNOTHE, 2018), gerando inclusive partículas que podem entupir o sistema de alimentação de combustível, além da perda de lubricidade do combustível devido a forma água emulsificada (PATEL; CHASE, 2014).
O biodiesel possui um maior caráter higroscópico em relação ao diesel de petróleo por conta da sua estrutura molecular insaturada e pela presença de ésteres alquílicos (AROUNI et al, 2019), bem como pela presença de estrutura polar por conta de grupos de ésteres carboxilatos, fazendo assim com que o combustível absorva mais água de acordo com a quantidade de biodiesel utilizado na mistura (KOMARIAH et al,2018).
Assim, com a mistura do biodiesel no diesel, a quantidade de água presente no combustível tende a aumentar, conforme apresentado na Figura 4, além de reduzir a tensão interfacial entre a água e o combustível, formando emulsões mais estáveis e gerando pequenas gotículas de água (AROUNI et al, 2018).
O biodiesel é composto por moléculas anfifílicas, formadas por uma região hidrofóbica que não se solubiliza em água e também solúvel em óleos e solventes, e outra região hidrofílica solúvel em água (LORA; VENTURINE, 2012 apud SCHWAB et al, 1988), as quais resultam em um comportamento de surfactante, o qual diminui a tensão interfacial entre o diesel e a água, e colaboram para maior dificuldade na separação da água do biodiesel (AROUNI et al, 2018).
Com esta diminuição da tensão interfacial, também conhecida como IFT (Interfacial Tension), por conta de o biodiesel atuar como surfactante, quanto menor for o tamanho da gotícula de água, mais difícil será a sua separação, mesmo utilizando meios filtrantes coalescentes. Se o IFT for alto, as gotículas ficam maiores, consequentemente mais fáceis de separar (YANG et al, 2007). Na Figura 5 é possível verificar a queda do IFT e do tamanho de gotícula de água com o aumento da porcentagem de biodiesel em relação ao diesel
3. Metodologia de Testes
Para a realização dos testes de separação de água, existem diversas normas que podem ser seguidas, nas quais cada uma tem suas peculiaridades e cada fabricante de motor escolhe a norma na qual solicita os testes de validação de acordo com suas especificações internas. Das diversas normas, se destacam as SAE J1839 (SOCIETY OF AUTOMOTIVE ENGINEERS, 2010a) e SAE J1488 (SOCIETY OF AUTOMOTIVE ENGINEERS, 2010b) e a ISO16332 (INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION, 2018), utilizadas e aceitas pela grande maioria dos fabricantes de acordo com a aplicação de cada produto. Para filtros que são montados na linha de sucção, ou seja, entre o tanque de combustível e a bomba de transferência, pode ser adotada para o teste a norma SAE 1839, que utiliza como parâmetros o tamanho de gotícula de água entre 180 e 260µm e um diesel com IFT de 16 – 19mN/m e injeção de água correspondente a 0,25% da vazão do teste, ou a norma ISO16332, que diz que para filtros na sucção recomenda-se utilizar o tamanho de gotícula de água de 150 ± 10µm, a injeção de água pode ser de 0,15% ou 2% da vazão do teste e o IFT entre diesel e água em dois diferentes níveis, alto IFT de 20 a 24mN/m ou baixo IFT de 11 a 15mN/m.
Para filtros que são montados na linha de pressão, ou seja, após a bomba de transferência de combustível, quando a bomba é montada dentro do tanque de combustível por exemplo, pode ser adotada para teste a norma SAE J1488 (SOCIETY OF AUTOMOTIVE ENGINEERS, 2010b), que injeta a água após ela passar por uma bomba centrifuga com uma rotação de 3500rpm simulando o que acontece nas bombas de combustível, fazendo com a que a gotícula de água tenha em média um tamanho de 18µm e o diesel com IFT de 16 – 19mN/m e injeção de água correspondente a 0,25% da vazão do teste ou também pode ser utilizada a norma ISO16332 (INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION, 2018), ajustando o tamanho da gotícula de água para 10 ± 1µm para o D3,50 de acordo com a recomendação da própria norma. A injeção de água pode ser de 0,15% ou 2% da vazão do teste e o IFT entre diesel e água em dois diferentes níveis, alto IFT de 20 a 24mN/m ou baixo IFT de 11 a 15mN/m. Esses valores estão resumidos na Tabela 3.
Porém é importante destacar que todos estes valores são de referência e podem ser alterados de acordo com a necessidade e estudos de cada fabricante de motor ou sistema de injeção, pois tanto o IFT, quanto o tamanho de gotícula de água do combustível que contém biodiesel em sua mistura são diferentes dos indicados nas normas.
Para a realização destes testes são necessários alguns equipamentos, envolvendo uma bancada de testes preparada para atender a norma, que contenha um reservatório para o combustível e outro para água, bombas para vazão de diesel e para a injeção de água, trocador de calor, ponto de coleta de amostra, medidores de vazão, dispositivo de emulsificação de água, sistema de drenagem, válvulas de controle, dispositivo de medição de água e um filtro absoluto tendo os ajustes necessários de acordo com as especificações para cada filtro, como vazão e injeção de água, mostrado na Figura 6.
Além da bancada, é importante que o sistema conte com um filtro tipo “Fuller Earth” e monooleína para o controle do IFT do combustível, um tensiômetro (Figura 7a), para que seja medido o IFT entre a água e o diesel, um equipamento de titulação Karl Fischer (Figura 7b), para as medições da injeção de água no filtro e o resultado após a filtragem e um analisador de distribuição de partícula por difração a laser (Figura 7c), geradas por equipamento específico ou através de orifícios padrão.
4. Conclusão
Para se desenvolver um filtro ou sistema para a separação de água é importante conhecer todos os requisitos que influenciam diretamente no resultado da eficiência do filtro: tensão interfacial entre diesel e água, tamanho das gotículas de água e tipo do combustível que será utilizado. É imprescindível que os testes sejam todos realizados com equipamentos em um laboratório seguindo todos os procedimentos descritos na norma escolhida, caso contrário, um resultado apresentado apenas com uma porcentagem, sem os dados complementares de tipos de norma, IFT e tamanho de gotícula de água é apenas um número e não uma avaliação completa, podendo muitas vezes criar uma falsa sensação de que um filtro atende aos requisitos de sua aplicação, porém sem as análises recomendadas.
Denis Nascimento Dr. Evandro Luís Nohara |
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