Sustentabilidade e o uso dos Bioplásticos
Por Carla Legner
Edição Nº 123 - Julho/Agosto 2023 - Ano 22
A discussão entorno do plástico ainda é bastante complexa e seu uso divide opiniões. Entendendo um pouco melhor o contexto, esses produtos são definidos como pertencentes a uma categoria maior de materiais, chamados de polímeros
A discussão entorno do plástico ainda é bastante complexa e seu uso divide opiniões. Entendendo um pouco melhor o contexto, esses produtos são definidos como pertencentes a uma categoria maior de materiais, chamados de polímeros. Normalmente o termo “plástico” refere-se a um material do grupo de termoplásticos e termofixos, que são moldados por ação de temperatura e pressão.
Devido à sua capacidade de resistência mecânica e química, baixo peso, facilidade de aditivação e reciclabilidade, os materiais plásticos passaram a ser utilizados em substituição a diversas matérias primas como o aço, o vidro e a madeira. Isso tornou seu uso muito comum no cotidiano, estando presente em toda a economia e transformando-se em um elemento essencial para diversos setores.
Entretanto, mesmo com todos os benefícios que a utilização do plástico trouxe ao mundo moderno, os problemas ambientais gerados são imensuráveis. Em contrapartida e com o tema sustentabilidade em alta, é possível vislumbrar alternativas sustentáveis para o uso desse recurso que se fez tão importante. Uma delas é o bioplástico.
A European Bioplastics define como bioplástico todo material de base biológica, biodegradável ou com ambas as propriedades. “Os bioplásticos não são apenas um único item. Eles compreendem toda uma família de materiais com diferentes propriedades e aplicações”- explica Thiago Bazaglia Spedo, coordenador de negócios de materiais de performance para a BASF América do Sul.
Emanuel Martins, Presidente da ABICOM – Associação Brasileira de Biopolímeros Compostáveis e Compostagem complementa que um material é considerado bioplástico se for parcial ou totalmente de fonte renovável, ou seja, derivado de biomassa, como milho, cana-de-açúcar, celulose etc. Nesse caso, ele não precisa ser necessariamente biodegradável para ser considerado um biopolímero.
Ainda segundo ele, atualmente, o mercado global desse setor está estimado em cerca de US$ 15 bilhões em 2020, com estimativa de aproximadamente US$ 44 bilhões até 2027, com uma taxa composta de crescimento anual (CAGR) de cerca de 16%. “Apesar dos números, é um mercado menor se comparado aos plásticos convencionais de fonte fóssil e direcionado a nichos de mercados e aplicações específicas” – destaca Thiago Bazaglia Spedo.
Processo de produção e aplicações
O processo de produção de bioplásticos geralmente envolve duas etapas. A primeira delas é a seleção de matéria-prima, onde o primeiro passo é escolher um material renovável adequado. As matérias-primas comumente usadas incluem milho, cana-de-açúcar, batata e soja, entre outras. Na segunda etapa temos a Fermentação ou Polimerização, dependendo do tipo de bioplástico produzido.
No processo de Fermentação, microrganismos como bactérias ou leveduras são usados para converter os açúcares presentes na matéria-prima em ácido lático ou outros monômeros. Isso geralmente é feito por meio de um processo chamado fermentação anaeróbica, em que os microrganismos quebram os açúcares na ausência de oxigênio.
Já na Polimerização, para outros tipos de bioplásticos, como os polihidroxialcanoatos (PHAs), os monômeros são produzidos por fermentação microbiana e depois submetidos à polimerização. Durante esta etapa, eles são quimicamente ligados entre si para formar longas cadeias poliméricas. “Além disso, alguns bioplásticos também podem ser produzidos por síntese química usando recursos renováveis ou não como matéria-prima, em vez de depender apenas de processos biológicos” – destaca Emanuel Martins.
O fato é que a versatilidade e a natureza ecológica dos bioplásticos os tornam adequados para uma ampla gama de indústrias e categorias de produtos, fornecendo alternativas aos plásticos tradicionais à base de petróleo:
Embalagem: são frequentemente usados em aplicações de embalagens de alimentos, garrafas de bebidas, talheres descartáveis, bandejas e recipientes. Eles podem ser encontrados em produtos como água, embalagens de alimentos, sacolas e blisters;
Agricultura: uso nas aplicações agrícolas, como filmes de cobertura morta, filmes de efeito estufa e vasos de plantas. Esses filmes ajudam no controle de ervas daninhas, retenção de umidade e regulação da temperatura do solo, e podem ser biodegradáveis ou compostáveis, reduzindo o desperdício e o impacto ambiental;
Bens de consumo: podem ser utilizados em vários bens de consumo, incluindo eletrônicos, embalagens de cosméticos, brinquedos e utensílios domésticos. Eles podem ser moldados em diferentes formas e oferecem durabilidade e apelo estético;
Têxteis: a aplicação na indústria têxtil é para produzir fibras para roupas, estofados e tapetes. Eles podem ser misturados com outros materiais para criar tecidos sustentáveis com propriedades de desempenho melhoradas;
Medicina e saúde: os bioplásticos encontram também aplicações na área médica, como implantes cirúrgicos, sistemas de administração de medicamentos e equipamentos médicos descartáveis. “Os bioplásticos biodegradáveis e biocompatíveis podem ser usados para criar implantes temporários que se degradam gradualmente com o tempo, eliminando a necessidade de cirurgias adicionais” – enfatiza Martins;
Automotivo: estão sendo cada vez mais usados na indústria automotiva para componentes internos, como painéis, painéis e capas de bancos. Nesse mercado podem ajudar a reduzir o peso dos veículos, aumentando a eficiência do combustível e reduzindo as emissões de carbono;
Impressão 3D: para criação de protótipos, modelos e produtos acabados sustentáveis e biodegradáveis.
“Precisamos investir na educação, tanto da população em geral como da indústria plástica, que ainda tem resistência na troca do material, muitas vezes pela falta de conhecimento. O Bioplastico tinha uma fama de ser um material frágil e de pouca aplicabilidade, mas com a evolução das tecnologias este cenário mudou muito, hoje podendo ser aplicado em uma série ampla de aplicações, citadas anteriormente” – enfatiza Gabriela Gugelmin, chief people officer na earth renewable technologies da ERT.
Ela ressalta ainda que existe sim algumas aplicações que são mais ideais que outras, mas com certeza o bioplástico é uma ótima solução para as embalagens de uso único, como descartáveis e sacolas plásticas, que acabam não sendo reciclados pelo baixo peso e/ou contaminação.
Na empresa, por exemplo, os bioplásticos são produzidos com a tecnologia patenteada e know-how especializado na produção de bioplásticos compostáveis da Earth Renewable Technologies®. É um plástico à base de plantas, feito com cana-de-açúcar ou outros materiais compostáveis, que podem se tornar planta no final do seu ciclo novamente.
Economia circular
Vemos uma crescente busca por produtos e serviços mais sustentáveis e amigáveis ao meio ambiente. É uma demanda da sociedade e do ambiente corporativo, que somada a um aprimoramento de infraestrutura de reciclagem e compostagem, bem como, da criação e aprimoramento de normativas, leis e regulamentações, serão fatores importantes na aceleração do consumo e popularização do uso de bioplásticos.
Diante desse cenário, é possível afirmar que os bioplásticos fazem parte do centro da economia circular, pois oferecem uma alternativa mais sustentável aos plásticos convencionais. “Eles podem ser um componente importante dentro dessa estrutura mais ampla, contribuindo para uma abordagem mais sustentável e circular da produção de plástico e gestão de resíduos” – afirma Martins.
Isso porque, são derivados de recursos renováveis, como matérias-primas vegetais ou fontes microbianas, e ao utilizar essas matérias-primas é possível reduzir a dependência de recursos finitos de combustíveis fósseis e contribuir para um sistema de gestão de recursos mais sustentável.
Além disso, têm uma pegada de carbono menor em comparação com os plásticos convencionais, especialmente se as matérias-primas forem obtidas de forma sustentável. Nesse sentido, eles podem ajudar a reduzir as emissões de gases de efeito estufa e mitigar os impactos das mudanças climáticas.
E não podemos esquecer a Biodegradabilidade e Compostabilidade. Alguns bioplásticos são projetados para serem biodegradáveis ou compostáveis sob condições específicas. Isso permite que eles se decomponham naturalmente em matéria orgânica, reduzindo o acúmulo de resíduos e lixo, assim podem ser usados em aplicações onde são necessários itens descartáveis, reduzindo o impacto ambiental associado aos plásticos convencionais.
Completando os inúmeros benefícios, podem ser reciclados juntamente com os plásticos convencionais, dependendo da sua composição específica, e entrar nos fluxos de reciclagem existentes e serem processados por meio de métodos de reciclagem mecânica. No entanto, é importante observar que nem todos os bioplásticos são recicláveis, e uma classificação e identificação cuidadosas são necessárias para garantir o processo adequado.
Nesse sentido, contribuem para a eficiência de recursos, promovendo o uso de matérias-primas renováveis e otimizando o ciclo de vida do produto, garantindo que essas alternativas sejam utilizadas de forma eficiente em toda a cadeia de valor, minimizando a geração de resíduos e criando um fluxo mais circular.
“O bioplástico renovável e compostável da ERT, por exemplo, é produzido com cana-de-açúcar. No final de sua vida útil, pode ser transformado em adubo e contribuir para o nascimento de uma nova planta. Assim sendo, o material é 100% circular, vindo de uma planta e no final de vida tornando-se matéria orgânica que pode contribuir para o nascimento de uma nova planta” – enfatiza Gabriela.
Desta forma, com a utilização de bioplásticos compostáveis é reduzido significativamente o impacto negativo no meio-ambiente, pois além de tornar-se adubo (biomassa e gases naturais), não gera microplásticos como outros materiais plásticos comuns e/ou oxibiodegradáveis
Bioplástico na Filtração
Devido às suas propriedades únicas e sustentabilidade no início e fim de vida, os bioplásticos também são usados em diversas aplicações de filtração, como na fabricação de meios filtrantes e membranas para sistemas de tratamento e purificação de água.
Além disso, Bioplásticos biodegradáveis e biocompatíveis, como ácido polilático (PLA) ou materiais à base de celulose, podem ser utilizados para criar cartuchos de filtro, bolsas de filtro e membranas que efetivamente removem impurezas, partículas e contaminantes de fontes de água.
Também são empregados em aplicações de filtragem de ar, onde podem ser usados como meio filtrante em sistemas HVAC, purificadores de ar e unidades de filtragem industrial. Esses filtros ajudam a reter poeira, alérgenos, poluentes e outras partículas transportadas pelo ar, melhorando a qualidade do ar interno.
No caso de aplicações biomédicas e farmacêuticas para fins de filtração, vemos seu uso em materiais de filtro em dispositivos médicos, equipamentos de laboratório e processos de fabricação de medicamentos para garantir a esterilidade, remover impurezas e facilitar a separação e purificação precisas.
Há ainda a utilização em aplicações de filtragem química e de óleo, onde fornecem resistência a vários produtos e solventes. Eles podem ser usados como meios filtrantes para separar e purificar óleos, lubrificantes e itens químicos em processos industriais, ajudando a remover contaminantes e prolongar a vida útil dos fluidos.
“Os bioplásticos oferecem vantagens em aplicações de filtração devido à sua biodegradabilidade, baixo impacto ambiental e potencial para fontes renováveis. Além disso, alguns bioplásticos podem ser projetados com propriedades de filtragem específicas, como tamanho de poro controlado, modificações de superfície ou carga de superfície, para otimizar sua eficiência e desempenho de filtragem” – afirma Emanuel Martins.
Ainda segundo ele, é importante observar que a seleção de materiais bioplásticos para aplicações de filtração depende dos requisitos específicos, da compatibilidade com as substâncias-alvo e da vida útil pretendida dos filtros. Diferentes bioplásticos têm propriedades variadas, e os fabricantes podem adaptar a formulação do material e os métodos de processamento para atender às especificações de filtragem desejadas.
Nesse viés sustentável, a Biocult, empresa especializada em Aquaponia - tecnologia que combina a criação de peixes e plantas em um único projeto, através da Piscicultura em Recirculação – oferece soluções biotecnológicas para agricultura em geral.
Um dos projetos, que utiliza apenas plástico 100% reciclado, contempla um tanque de aproximadamente 25 mil litros de água que permite a criação até 250kg de peixe, graças ao seu sistema de filtração, que mantem água o tempo todo limpa. Além disso, esse mesmo sistema transforma os nutrientes presentes nas fezes e na ração do peixe em nutrientes disponíveis para plantas e hortaliças.
O sistema de filtragem é feito em duas etapas. O primeiro filtro, que pode ser tambor rotativo ou lamelas, realiza a filtragem mecânica, responsável pela retirada dos sólidos suspensos. Na segunda fase, as bactérias que se desenvolvem no segundo filtro serão responsáveis pela filtração, através da Mídia Bio Chip, que serve de suporte para o biofilme de bactérias se colonizarem, transformando os nutrientes grossos dos peixes em nutrientes já processados.
“Em sistemas médios e pequenos, só a ração do peixe jogada na água é o suficiente para cultivar as verduras. Em sistemas de larga escala e dependendo da variedade de hortaliça é necessário realizar uma suplementação, mas apenas do que está falando, o que gera uma economia de 80% para o produtor final” – detalha Vinicius Reginato - diretor técnico da Biocult.
O que ainda falta?
De acordo com Martins, aumentar o uso de bioplásticos envolve várias estratégias. A primeira delas abrange pesquisa e desenvolvimento, isso porque, esforços nesse âmbito são essenciais para melhorar os resultados. Isso inclui explorar novas matérias-primas, refinar processos de fabricação e desenvolver formulações inovadoras que ofereçam melhores propriedades mecânicas, térmicas e de barreira.
Depois podemos mencionar o fornecimento sustentável de matérias-primas para melhorar as credenciais ambientais desses produtos. Priorizar itens que tenham impacto mínimo no uso da terra, recursos hídricos e produção de alimentos ajudam a mitigar possíveis consequências negativas associadas ao cultivo em larga escala.
A realização de avaliações completas do ciclo de vida (LCA) também é muito importante para entender o impacto ambiental, avaliando a produção de matéria-prima, fabricação, uso e cenários. Os resultados da LCA podem orientar melhorias nos processos de produção e informar a tomada de decisão sobre a seleção e aplicação.
Ademais, desenvolver e melhorar a infraestrutura de reciclagem desses produtos é fundamental para garantir a gestão e utilização adequada. Para isso se faz necessário a implementação de sistemas eficazes de coleta, classificação e reciclagem que possam acomodar materiais bioplásticos, além da colaboração dos fabricantes, empresas de gerenciamento de resíduos e formuladores de políticas, a fim de estabelecer e otimizar os canais de reciclagem.
Ainda é essencial promover a disponibilidade e acessibilidade de instalações de compostagem para os bioplásticos. “Aumentar o número de instalações de compostagem industrial e apoiar iniciativas de compostagem doméstica pode ajudar a desviar os bioplásticos do aterro e permitir sua degradação efetiva” – enfatiza Martins.
A educação e conscientização também cabem nesse contexto. Educar os consumidores sobre os benefícios, uso apropriado e métodos de descarte de bioplásticos pode ajudar a melhorar sua adoção e manuseio adequado. Rotulagem e comunicação claras na embalagem trazem orientação sobre opções de reciclagem ou compostagem, ajudando os consumidores.
O estabelecimento de padrões e programas de certificação para bioplásticos pode fornecer garantia de sua qualidade, desempenho e sustentabilidade. As certificações reconhecidas podem ajudar a criar confiança entre os consumidores e facilitar a aceitação do mercado.
Por fim, a colaboração entre as partes interessadas, incluindo governos, indústrias, instituições de pesquisa e ONGs, é crucial para impulsionar os avanços dos bioplásticos. Compartilhar conhecimento, recursos e melhores práticas pode acelerar o progresso no desenvolvimento, produção e utilização de bioplásticos.
“Com a implementação dessas estratégias, é possível potencializar o uso de bioplásticos e fomentar seu papel como alternativa sustentável aos plásticos convencionais” – enfatiza o presidente da Abicom.
Para ele, o futuro dos bioplásticos tem um potencial significativo, uma vez que sociedade continua priorizando a sustentabilidade e buscando alternativas aos plásticos convencionais. Vale ressaltar que os bioplásticos não pretendem simplesmente substituir as aplicações existentes, mas oferecer soluções plásticas inovadoras.
“Sem dúvida haverá um crescimento no uso desse recurso, principalmente impulsionado por países que já identificaram a necessidade de legislar sobre o tema, como Itália, China e Chile. De acordo com a associação European Bioplastics, espera-se que o mercado de bioplástico cresça de um mercado de $10 bilhões para $46 bilhões até 2030, indo de uma representatividade de 1,5% do mercado de plásticos para 7%” – finaliza Gabriela.
Contatos
ABICOM: www.abicom.org.br
BASF: www.basf.com
Biocult: www.biocult.com.br
ERT: www.ertbio.com