Tecidos sustentáveis já são uma realidade para diversos setores
Por Carla Legner
Edição Nº 124 - Setembro/Outubro 2023 - Ano 22
A ideia sustentável tem ganhado cada vez mais espaço e relevância no cenário atual, à medida que a sociedade se torna mais consciente dos impactos ambientais causados pela indústria. No setor têxtil não é diferente, os chamados tecidos sustentáveis
A ideia sustentável tem ganhado cada vez mais espaço e relevância no cenário atual, à medida que a sociedade se torna mais consciente dos impactos ambientais causados pela indústria. No setor têxtil não é diferente, os chamados tecidos sustentáveis têm se destacado como uma alternativa promissora, capaz de unir a moda e a preocupação com o meio ambiente.
Trata-se de produtos produzidos de forma a minimizar o impacto ambiental e social ao longo de sua cadeia produtiva. São confeccionados a partir de matérias-primas renováveis ou recicladas, utilizando processos de fabricação que reduzem o consumo de água e energia, bem como a emissão de poluentes. Além disso, visam garantir condições justas de trabalho e respeito aos direitos humanos nas etapas de produção.
Apesar de popularmente o mercado usar o termo, é importante ressaltar que de acordo com Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção – Abit, não há uma definição oficial de tecido sustentável. Um tecido pode ser considerado mais ou menos sustentável quando avaliados atributos ambientais como uso de água, energia, produtos químicos, emissão de gases efeito estufa, sendo necessário indicadores e métricas que permitam a comparação.
Tais variáveis apresentarão resultados distintos a depender da empresa (mais ou menos intensiva em novas tecnologias, com ou sem gestão da agenda de sustentabilidade, com ou sem políticas ambientalmente corretas, entre outros) ou da matéria-prima utilizada. Os aspectos de qualidade do tecido quanto à durabilidade (resistência a lavagens, encolhimento, perda de coloração) também têm sido observados no debate sobre a definição sobre o que poderia ser considerado tecido sustentável.
Nesse sentido, com o aumento da relevância sobre a agenda de sustentabilidade para a sociedade em geral e em especial investidores, regulamentadores e empresas, há movimentos para criação de indicadores e métricas que permitam uma melhor definição sobre produtos sustentáveis.
No setor há diversas certificações sendo utilizadas para garantir práticas de sustentabilidade, a Abit destaca algumas: Programa ABVTEX – que atesta melhores práticas de compliance, com foco nas condições de trabalho; OEKO-TEX® Standard 100 – que atesta a ausência de substâncias consideradas nocivas à saúde humana em produtos têxteis; Better Cotton Initiative (BCI) / Algodão Brasileiro Responsável (ABR) - que certifica o cumprimento de boas práticas agrícolas, incluindo as condições de trabalho; e Referenciaria FSC - atesta melhores práticas de gestão florestal (viscose).
“A busca por materiais sustentáveis é fundamental para a redução dos impactos negativos da indústria têxtil no meio ambiente e na sociedade. A adoção desses materiais permite a diminuição da exploração de recursos naturais, a minimização da poluição hídrica e atmosférica, além de promover práticas mais justas e seguras para os trabalhadores ao longo da cadeia produtiva” – destaca Bruna Freire, marketing da Pelican Têxtil.
Essa onda sustentável, apesar de tendência, é muito mais do que isso. Trata-se de um novo direcionamento para o futuro do setor. Na indústria têxtil isso se traduz, principalmente como alternativa para reduzir os impactos causados pelo setor.
No Brasil, os tecidos sustentáveis podem ser produzidos de inúmeras maneiras, considerando a riqueza natural que o país possui. Fibras à base de laranja, de bambu, piñatex, modal e bananeira são exemplos possíveis.
O algodão orgânico, seda de soja e poliéster reciclado já são alguns dos produtos comercializados por lojas de tecidos sustentáveis. Além disso, o uso de insumos orgânicos tem sido uma excelente alternativa, uma vez que essas variantes se decompõem mais rapidamente, quando comparadas às fibras tradicionais.
O fato é que, com a urgência imposta pelas mudanças climáticas advindas do aumento da temperatura da terra decorrente dos impactos de ações humanas, pensar consciente é uma questão de sobrevivência das pessoas e dos negócios. A agenda de sustentabilidade é um caminho sem volta.
Para Abit, o mundo precisa ser mais eficiente, consciente e priorizar o avanço para práticas cada vez mais sustentáveis. Com a linguagem ESG, maior atenção dos investidores para a agenda, e com os instrumentos disponíveis para mapear, medir e gerir riscos, as empresas poderão concentrar esforços naquilo que é mais afeto ao seu negócio tendo uma atuação estratégica e responsável em relação à sustentabilidade.
Muitas das soluções para avançar nessa agenda ainda estão em desenvolvimento e requerem, como qualquer outra inovação, investimentos e mercados interessados. Portanto, será necessário cada vez mais ação, colaboração e engajamento de todos os atores, incluindo o consumidor, para que a parcela de produtos com mais atributos de sustentabilidade aumente.
Vale mencionar ainda que já existem inovações acontecendo no campo da bioeconomia que trarão novas oportunidades em termos de matérias-primas (em especial fibras) e processos (tingimento, por exemplo) com foco na redução drástica de impactos ou mesmo na regeneração do meio ambiente.
Nãotecidos e Tecidos Técnicos
O termo Nãotecidos (do inglês nonwovens) foi criado para designar um amplo grupo de têxteis produzidos por métodos não convencionais, ou seja, diferentes da tecelagem, tricotagem e feltragem tradicional. A norma NBR-13370, define como uma estrutura plana, flexível e porosa, constituída de véu ou manta de fibras ou filamentos, orientados direcionalmente ou ao acaso, consolidados por processo mecânico (fricção) e/ou químico (adesão) e/ou térmico (coesão) e combinações destes.
Desta forma, se refere a uma vasta gama de produtos com características muito diferentes. Esta diversidade se traduz em uma grande versatilidade de aplicações, estando presente em produtos que fazem parte do cotidiano, como fraldas, absorventes, lenços umedecidos, vestimenta de proteção hospitalar e para a indústria, automóveis, vestuário, construção civil, filtração e até mesmo produtos agrícolas.
O fato é que, em cada aplicação, os Nãotecidos se destacam por seus benefícios sociais, econômicos e ambientais. Produtos como máscaras e roupas de proteção exercem um papel fundamental na segurança de profissionais da saúde em ambientes hospitalares e da população em geral durante surtos pandêmicos ou em ambientes de risco. Os absorventes femininos, por sua vez, contribuem para o acesso de mulheres à educação e ao mercado de trabalho.
Do ponto de vista econômico, a indústria de Nãotecidos é altamente formalizada, gerando empregos de qualidade e contribuindo com o desenvolvimento das regiões onde está presente.
A questão ambiental é a que vem ganhando cada vez mais destaque. Diversas de suas aplicações estão relacionadas com a proteção do meio-ambiente, como nos casos de produtos médicos descartáveis, que reduzem significativamente o consumo de água e uso de produtos químicos (posteriormente descartados no meio-ambiente) para a desinfecção de suas alternativas reutilizáveis.
Nos últimos anos, a indústria evoluiu no uso de matérias-primas de fontes renováveis, como a cana de açúcar e o milho; recicladas, como o PET; e fibras naturais, como a celulose e o algodão. Além disso, os processos produtivos utilizados na fabricação de Nãotecidos também têm se tornado cada vez mais eficientes, otimizando o consumo de materiais e minimizando a geração de resíduos. Algumas das principais empresas do setor estão em processo ou já atingiram a marca de zero resíduo para aterro em diversas de suas fábricas.
As barreiras de adsorção, por exemplo, ajudam a conter a contaminação do meio-ambiente em acidentes com derrame de óleo e outros químicos. Os Geotêxteis, utilizados na construção civil, evitam a contaminação do solo, como no caso de aterros sanitários. Também podem ser aplicados na proteção de encostas e barreiras, reforço sobre solo mole, muro de contenção, estabilização de taludes, filtros em muro de gabião ou de contenção em geral, drenagem, barreiras impermeabilizantes, entre outras funções.
Vale destacar que no caso dos geossintéticos, houve crescimento no seu uso nos últimos 20 anos, pelas suas vantagens gerais, e sobretudo, considerando-se critérios de sustentabilidade. Em meados dos anos 1990, as ofertas das fibras de polipropileno eram raras no comércio de fibras, quase que se limitando àquelas indústrias que fabricavam produtos como carpetes e tapetes, em uso cativo.
O polímero PP era disponível e com bom custo, mas sua utilização no segmento têxtil ainda começava a se desenvolver. Para os fabricantes de fibras de poliéster, com forte consumo no segmento têxtil, os produtos de polipropileno representavam uma preocupação constante com relação ao custo final dos produtos.
Na mesma época o mercado de geotêxteis e geossintéticos crescia bem no Brasil, dominado pelo uso do poliéster. O país contava com fabricantes de fibras de polímeros grau têxtil virgem, e em pouco tempo iniciou-se também a produção de fibras com PET reciclado pós consumo e pós-industrial, e fibras de poliéster feitas 100% com resinas dos pós consumo.
Além de ter mantido os preços dos geotêxteis agulhados de poliéster em níveis competitivos, o uso do polímero PET reciclado conseguiu fazer o mercado brasileiro crescer bastante, popularizando o conhecimento e uso dos geossintéticos em geral.
Na verdade, com o esforço conjunto paralelo entre recicladores, fabricantes de fibras e fabricantes de produtos como os Nãotecidos e geotêxteis nãotecidos, formou-se um novo mercado, antecipando a sustentabilidade e economia circular.
Em pouco tempo foram feitos ajustes e desenvolvimentos de processo, e os produtos atingiam as mesmas características daqueles produzidos com os chamados polímeros virgens têxteis. Logo em seguida, com mais disponibilidade dos reciclados no mercado, passou-se a usar praticamente 100% de matéria prima de garrafas recicladas na fabricação dos geotêxteis Nãotecidos.
Hoje, segundo dados da ABINT, do volume anual de geotêxteis Nãotecidos agulhados fabricados no Brasil, 93% são de poliéster, e desse volume, praticamente 100% é produzido com poliéster de embalagem reciclado (PET).
Moda e vestuário
Cada vez mais, a indústria da moda se mobiliza para oferecer produtos verdes para consumidores ecologicamente conscientes. Criados para reduzir impactos no meio ambiente, já existem diversas marcas que trabalham com tecidos sustentáveis, que são assim chamados por serem menos poluentes.
Como resultado temos o aumenta a vida útil de peças que poderiam parar em aterros sanitários, prejudicando o solo, a vida animal e a sociedade, o consumo consciente, o reaproveitamento e reciclagem de produtos. Além do que, faz bem para o planeta, tornando a natureza menos poluída inclusive para as futuras gerações, otimiza os custos de confecção, já que as matérias-primas podem ser orgânicas e reutilizáveis.
Também funciona como uma oportunidade de melhorar as condições da vida animal e dar forças à cultura vegana e valoriza comércios locais, como é o caso da From Colors, uma marca que se inspira na natureza para criar peças de moda e obras de arte, com ares modernos, processos sustentáveis e muita autenticidade.
A peças são criadas a partir de ilustrações feitas à mão e impressas digitalmente, em tecidos de algodão nacionais e sustentáveis, certificados pelo BCI. Atualmente, a impressão digital é a tecnologia mais ecológica entre todas as técnicas industriais, pois não tem desperdício de tinta. Além de reduzir muito o consumo de água e energia durante a produção, ela não gera resíduos que seriam descartados e jogados no meio ambiente, característicos das outras formas convencionais de impressão têxtil.
Raquel Marchi, estilista, ilustradora e fundadora da marca, conta que seus desenhos para as estampas são feitos com aquarela e depois são digitalizadas. As estampas contam histórias sobre as belezas da natureza com a intenção, seja uma planta, um animal ou até mesmo um mineral. A ideia é alertar, cada vez mais, as pessoas sobre as questões relacionadas à preservação do meio ambiente.
Outro ponto de destaque no processo da empresa é o reaproveitamento. As matérias primas são aproveitadas ao máximo possível na hora do corte das peças e tudo aquilo que não é utilizado nos produtos de vestuário, é catalogado por tamanho, cor e estampa. As sobras são direcionadas para a criação e o desenvolvimento das embalagens e acessórios, como: brincos, colares, pulseiras, chaveiros, faixas e xuxinhas para os cabelos.
“Pensar e trabalhar com processos sustentáveis não é uma tarefa fácil, principalmente no nosso país, onde não há investimento nenhum, inclusive na educação, que faria toda diferente no poder de consumo das pessoas. Como não temos incentivo governamental é como se tivéssemos que reeducar as pessoas sobre as causas ambientais, sociais e econômicas, porque sustentabilidade também se trata de economia” – explica.
Raquel destaca ainda que optou também por trabalhar com fornecedores e profissionais da área com os mesmos valores. Ela acredita muito em um trabalho consciente, de qualidade, instrutivo, original e que traga algo positivo e relevante, tanto para a natureza, quanto para todos nós.
A próxima coleção da marca terá novidades: o uso de tecido orgânico e com corantes naturais. “Há muito tempo já venho pesquisando sobre o beneficiamento de tecidos através do tingimento natural e fui aperfeiçoar o assunto na prática. Tudo me tomou muito tempo, mas agora finalmente vou conseguir trazer mais pontos sustentáveis para a marca” – enfatiza a estilista.
A Pelican Têxtil é outro exemplo de sustentabilidade. A empresa oferece ao mercado a pelúcia Jade 1062, uma pelúcia encaracolada produzida a partir de fibras de poliéster provenientes de garrafas PET recicladas. “Essa escolha de matéria-prima reflete o compromisso da empresa com a sustentabilidade e a responsabilidade ambiental” – enaltece Bruna.
A cadeia produtiva da empresa também é cuidadosamente estruturada, selecionando fornecedores comprometidos com a origem das garrafas PET, adquiridas de cooperativas que fomentam a reciclagem e contribuem para a economia local. Esses itens são transformados em fibras de poliéster, dando vida a uma pelúcia macia, durável e, acima de tudo, ecologicamente consciente.
A versatilidade e ampla aplicação da pelúcia Jade 1062 é um dos seus principais diferenciais do produto, a Bruna destaca alguns usos:
Vestuário: Pode ser utilizada na confecção de casacos, forros para jaquetas e calçados, proporcionando conforto e estilo para os consumidores que buscam produtos conscientes.
Artigos para Pets: A pelúcia Jade 1062 é uma excelente opção para a criação de brinquedos e acessórios para animais de estimação, proporcionando conforto e versatilidade para uso em caminhas e brinquedos.
Artesanato: É uma escolha ideal para a confecção de artigos artesanais, agregando valor aos produtos com uma pegada sustentável, sendo eles bicho de pelúcias, itens decorativos, puffs infantis personalizados, e o que mais a sua imaginação criar.
“Através da pelúcia Jade 1062, buscamos oferecer uma solução versátil e sustentável para o mercado. Acreditamos que a moda e a indústria têxtil podem ser aliadas do meio ambiente, e é com essa visão que seguimos inovando e contribuindo para um futuro mais consciente e responsável” – afirma Bruna.
Para ela, pensar em tecidos sustentáveis é apenas o primeiro passo para uma moda verdadeiramente consciente. É essencial considerar toda a cadeia produtiva, desde a escolha das matérias-primas até o pós-consumo. Práticas como o aproveitamento integral dos recursos, o reúso de materiais descartados, o uso de tintas naturais e a seleção de fornecedores alinhados com a sustentabilidade contribuem para a redução do impacto ambiental e social, promovendo um ciclo mais responsável e ético.
O fato é que, o mercado de tecidos sustentáveis tem experimentado um crescimento expressivo nos últimos anos, com a crescente demanda dos consumidores por opções mais conscientes. Os tecidos sustentáveis representam uma importante evolução na indústria, proporcionando opções mais conscientes e responsáveis aos consumidores.
Por outro lado, segundo dados da Abit, o mercado do setor têxtil e de confecção é muito afetado por questões inflacionárias que impactam diretamente o bolso do consumidor, que acaba escolhendo itens de maior necessidade em vez daqueles ligados à cadeia. No geral, as vendas no varejo e, consequentemente, a produção estão abaixo das expectativas.
De certo modo, tecidos com mais atributos de sustentabilidade certamente são realidade, uma vez que há maior demanda e maior conscientização das empresas sobre a relevância de diminuição de impactos, inclusive pelo viés de maior eficiência (redução no uso de insumos, água, energia, é também redução de custos).
Além do que, a produção brasileira já tem atributos que a colocam em uma boa posição no setor. Por exemplo, se compararmos a produção brasileira com a produção dos maiores competidores externos, o país está bem a frente em questões de condições de trabalho, salário-mínimo, liberdade sindical, entre outros temas do eixo social.
Na questão ambiental, considerando a matriz energética brasileira majoritariamente de fonte renovável, os produtos fabricados no Brasil têm uma pegada de carbono menor do que aqueles produzidos em países com fonte majoritária fóssil, como União Europeia, Estados Unidos e China.
Nesse sentido, a busca por itens sustentável deve ir além da oferta de tecidos ecologicamente corretos, incluindo também a consideração de práticas sustentáveis em toda a cadeia de produção. Com a colaboração de marcas, consumidores e toda a sociedade, é possível construir um futuro mais sustentável para a indústria têxtil.
“A minha mentalidade é de prover algo positivo e não negativo, então o quanto eu puder impactar positivamente, eu farei. Sempre fui assim como pessoa e o profissional faz parte da gente, ainda mais na minha marca que eu posso escolher e ir melhorando com o passar o tempo. Quem não está pensando nisso, não está pensando no mundo” - enfatiza a fundadora da From Colors.
Contato das empresas
ABINT - Associação Brasileira das Indústrias de Nãotecidos e Tecidos Técnicos: www.abint.org.br
ABIT - Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção: www.abit.org.br
From Colors: www.fromcolors.com.br
Pelican Têxtil: www.pelicantextil.com.br