Afinal, Gestão De Quê? Para Quê?

Imagine-se um investidor que adquire um apartamento usado, com paredes e pisos gastos e mofados, localizado em um edifício em iguais condições, sem manutenção, com tubulações e sistema elétrico clamando por reformas.



Afinal, Gestão De Quê? Para Quê?
Imagine-se um investidor que adquire um apartamento usado, com paredes e pisos gastos e mofados, localizado em um edifício em iguais condições, sem manutenção, com tubulações e sistema elétrico clamando por reformas. Pois bem, na ânsia de transformar o imóvel em algo atrativo e habitável, o sujeito toma uma decisão: fará uma grande reforma no banheiro. Trocará do piso ao teto, instalando granitos, porcelanatos, louças e metais de primeira. O resto do apartamento e do edifício? Reforma zero: ficarão exatamente como estão. Parece uma idiotice, não é? Um negócio mal planejado, sem lógica, nem propósitos. É jogar tempo e dinheiro no lixo.
Pois é bem assim que muitas empresas têm implantado novas políticas de gestão de pessoas, com a anuência e a conivência do "pessoal do RH": consultores externos e internos, especialistas e subordinados. Somos um povo que adere com muita facilidade aos modismos. Sem questionar, sem contextualizar ou impor limites, acabando muitas vezes por produzir situações que carregam em si o abismo entre a aplicação sem critérios de uma boa ideia e os fundamentos teóricos e empíricos que a sustentam. Nos últimos anos, falar em "talentos" e "competências" converteu-se em sinônimo de estar na vanguarda da gestão de pessoas. É quase como evocar uma entidade que confere modernidade e progresso à empresa.  O simples fato de abolir a expressão "recursos humanos" pode parecer uma demonstração de que se está tratando as pessoas, os "funcionários" de Tempos Modernos de Chaplin, com mais dignidade e mais inteligência. Ledo engano!
Gestão de competências ou gestão por competências não é apenas uma nova denominação para antigos processos. Representa uma meta audaciosa, que pressupõe planejamento estratégico, isto é, de longo prazo, claro, bem definido e bem difundido na organização. Pressupõe que a empresa adote uma sólida e a linha da estratégia de captar, desenvolver, remunerar e reconhecer pessoas, coerente e transparente, para que possa identificar e desenvolver competências que seus colaboradores desejam entregar na realização de seu trabalho. Mas para isso é imprescindível que a organização, como um todo, começando pela diretoria e lideranças, esteja aberta às mudanças, seja flexível à análise e ao questionamento, seja capaz de dar e receber feedback que incide sobre as atitudes e comportamentos praticados.
Gestão de competências é um processo desenvolvido gradualmente, respeitando potencialidades e limitações que, certamente, surgem no percurso. No entanto, o que se vê na realidade é a utilização da metodologia de competências, a qual pressupõe a convergência de conhecimentos, habilidades e atitudes de alto nível, de modo pontual, incidindo em geral apenas sobre o subsistema mais básico da gestão de pessoas: a captação. De tal modo a metodologia vem sendo simplificada (e deturpada!) que, não raras vezes, apenas se substitui nos processos de recrutamento e seleção a antiga lista de pré-requisitos para o cargo por uma lista pré-estabelecida de competências genéricas (tipo tamanho único) e a entrevista tradicional por uma entrevista composta por perguntas que visam identificar comportamentos passados. Há nisso um desrespeito a todos os pressupostos que garantem a legitimidade do processo.
Uma organização que pretende implantar a gestão de competências precisa ser capaz de mudar a si mesma: desapegar-se de metodologias autocráticas;dar responsabilidade e autonomia verdadeiras aos colaboradores; criar um ambiente favorável à criatividade, à inovação e ao trabalho em equipe.  Cada colaborador deve ser capaz de tomar decisões, mesmo pequenas decisões, considerando o contexto: almoço agora ou atendo o cliente primeiro? Utilizo uma abordagem mais tradicional ou mais criativa para demonstrar o produto? Aponto as deficiências ou reforço os pontos fortes? Faço um curso de línguas ou de gestão?
Mapear competências significa, em primeiro lugar, explorar exaustivamente a cultura da empresa e as estratégias do negócio, consultando e confrontando percepções e expectativas de gestores e líderes, assim estruturando as competências organizacionais. Competências organizacionais não servem para enfeitar relatórios, devem ser amplamente difundidas por todo o sistema corporativo. Sobre elas devem ser alinhadas as competências funcionais e individuais de cada cargo e função. Essas competências nortearão processos seletivos e serão desenvolvidas ou sedimentadas nos eventos de treinamento, desenvolvimento e educação corporativa e sobre as quais serão aplicados os planos de reconhecimento e remuneração e os processos de avaliação de desempenho.
Não podemos modernizar um imóvel restringindo a reforma a um dos cômodos. Nem chamar de mudança uma mera recapagem aplicada superficialmente sobre o que já existe. No cenário corporativo, práticas equivalentes a essas não apenas deturpam o conceito de gestão de competências, como também aviltam o direito individual daqueles que se submetem a processos seletivos que não sustentam suas premissas após a contratação pela empresa.


Psicóloga; Psicoterapeuta; Consultora em Gestão de Pessoas; Docente e Educadora. Doutora em Psicologia e Mestre em Psicologia Clínica/PUCRS; Especialista em Gestão Empresarial/FGV; Especialista em Psicoterapia Psicanalítica/UNISINOS; Perita em Avaliação Psicológica e em Gestãode Equipes.
tarcia@dapsico.com.br / www.dapsico.com.br     


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