Competências Que Fazem A Diferença
Por Me. Tárcia Rita Davoglio
Edição Nº 47 - Novembro/Dezembro de 2010 - Ano 9
Os vendedores precisam se profissionalizar desenvolvendo não apenas técnicas de vendas, mas, sobretudo, competências humanas que emoldurem essas técnicas.
Anos de prática em RH já convenceram experts de que contratar talentos é uma barbada em um mundo cada vez mais repleto de gente pronta para brilhar. Árduo, de fato, é recrutar e selecionar pessoas competentes para funções que demandam mais comprometimento pessoal do que currículo e que, apesar de não terem grande importância pela visibilidade, são essenciais para a funcionalidade estrutural do negócio. Entre elas, duas podem ocupar o topo dos grandes desafios: vendedor e empregada doméstica.
Ambas as funções, infelizmente, se disseminaram no senso comum como atividades para serem desenvolvidas quando não há nenhuma outra opção disponível; uma espécie de quebra-galho tamanho único, que dependendo das circunstâncias pode durar a vida toda. A sustentação dessa crença se perpetua através das gerações contemporâneas e se baseia no pressuposto preconceituoso de que qualquer mulher tem habilidades inatas para serviços domésticos assim como a "arte de vender" pode ser aprendida em cinco lições por qualquer homem que precise sustentar a família.
Essas atividades, embora despretensiosas, exercem alto impacto nos chamados fatores limitantes do sucesso, desestabilizando a mais sólida das estruturas. Imagine, por exemplo, a sua roupa ficando semanas sem ser lavada, o lixo sem ser retirado, a louça sobre a pia e o mundo de tranqueiras se instalando no que antes era o seu aconchegante lar. Ou o produto cheio de qualidades encalhado no estoque ou os pedidos para a produção não chegando e todos os seus planos de expansão e lucro indo pelo ralo. Parece pouco provável para você? Saiba que esses são fenômenos totalmente esperados e perfeitamente explicáveis pela lei criada por Justos Liebig, químico alemão. Ao estudar as plantações o pesquisador percebeu que muitas culturas não se desenvolviam, apesar de bem irrigadas e com um solo rico em nutrientes nobres. Explorando o fenômeno descobriu que de nada adiantava tudo o que se oferecia em larga escala, pois, as plantas minguavam pela falta de quantidades ínfimas de substâncias simples, como o zinco. Essa descoberta levou a conclusão de que nenhum organismo é mais forte que o elo mais fraco de sua cadeia ecológica de necessidades, sendo batizada de Lei do Mínimo.
A Lei do Mínimo de Liebig se adéqua muito para fundamentar a relevância de funções estratégicas, como a de vendedor, para qualquer negócio ou serviço. Porém, o hiato que se instala entre a relevância da função e a competência dos profissionais que a executam é imenso, gerando verdadeiros abismos que muitos (muitos mesmo!) tentam preencher com receitas mágicas. Se esse é o seu caso, talvez seja necessário resgatar a história para ajudá-lo a compreender que prescindir de uma formação técnica exige muito mais em desenvolvimento de competências humanas.
Durante muito tempo vender não era uma atividade, mas sim uma necessidade vital para a sobrevivência da humanidade. Muito antes da criação de qualquer sistema monetário, as trocas do que excedia para uns e faltava para outros, o escambo, era uma prática natural, possivelmente, sobre a qual se operacionalizou o primeiro protótipo do que mais tarde se tornou o sistema de vendas. Com a evolução dos processos de urbanização e a criação de moedas, só trocar mercadorias não oferecia mais vantagens devido à oscilação de seu valor e a perecividade dos produtos, não permitindo o acúmulo de riquezas.
Então, tornou-se cada vez mais comum cada um especializar-se em um ofício, vendendo diretamente o resultado do trabalho a quem desejasse adquirir. Na antiguidade as profissões eram patrimônio das famílias, transmitidas por herança. Quem não tivesse o repasse desta tradição, acabava tendo que se sujeitar a "invenção" de formas alternativas de levar a vida, que se associando a outros fatores socioeconômicos fez surgir a figura do vendedor (facilmente confundida com a do atravessador). Embora o vendedor tivesse que duplicar os esforços para poder vender o produto sabidamente não produzido por ele, sua reputação não era das mais confiáveis, equivalendo-se a um aventureiro que explorando o ofício de terceiros "especializados" repassava mercadorias e retirava seu lucro (quiçá quanto lucro!) sobre a operação. Dizem que os povos do Mediterrâneo e seus descentes diretos foram os primeiros a explorar métodos para incrementar as estratégias de vendas e os sistemas de distribuição de mercadorias, atravessando os desertos em busca de clientes, superando todo tipo de adversidade. Embora o mérito dessa ousadia, tais povos nunca deixaram de ser considerados gananciosos e oportunistas, como se ganhassem a vida fácil.
Com a Revolução Industrial e a diversidade da produção em larga escala, os vendedores saíram das ruas para ocupar o espaço formal nas organizações, passando a ser cobiçados para alavancar as vendas por todo tipo de empresas. No entanto, isso não foi o bastante para que se livrassem de fato do estigma que os cerca e para que eles próprios se posicionassem de modo a obter melhor reputação. E para piorar, até hoje a área comercial e o marketing se entendem pouco e na prática, muitas vezes, confundem seus papéis e disputam território.
Paradoxalmente, apesar da profissão ter sobrevivido a todas as mudanças sociais e econômicas através dos séculos, boa parte dos próprios vendedores ainda não se convenceu da legitimidade da mesma. Muitas vezes, a forma como se posicionam reflete a sua ambivalência em encará-la como uma profissão definida e, portanto, com exigências e restrições. A tal ponto o preconceito impera diante dessa escolha profissional que é comum na atualidade as ofertas de vagas serem anunciadas com eufemismos, na tentativa de mostrarem-se mais atrativas: lê-se "executivo de vendas", "consultor de vendas" em detrimento da palavra vendedor.
Para quem é vendedor, por opção ou por destino, o primeiro passo é assumir-se! A credibilidade começa pela convicção que cada um tem acerca do que é e pelo respeito que impõe com suas práticas. Pouco importa se pelos dons inatos que possam achar que possuem ou pela falta de alternativas que os "condenou" a essa função, os vendedores precisam se profissionalizar, desenvolvendo não apenas técnicas de vendas, mas, sobretudo, competências humanas que emoldurem essas técnicas. Parece difícil? E é!
O checklist de habilidades a serem providenciadas para quem deseja se estabelecer na profissão pode ser resumido assim:
• Foco: Estabeleça alvos, planeje o modo de atingi-los e replaneje tantas vezes quanto for necessário para deixar de lado tudo o que não é importante. Foco se faz por exclusões, por auto-superação, deixando no campo de visão apenas o essencial para a meta. Mas não esqueça: o cliente é a meta! A venda é a conseqüência dessa relação.
• Comunicação: A qualidade do atendimento exige que você entenda as pessoas e se faça entender por elas. Expressar-se de forma fluente e lógica, verbalmente e por escrito, é o mínimo que se espera de um profissional. Seja objetivo, ofereça informações sem invadir, faça questionamentos assertivos e, sobretudo, aprenda a escutar o sentido das palavras, ao invés de apenas ouvir o seu som.
• Relacionamento interpessoal: Forme uma rede de relacionamentos produtivos, preservando o limite entre a proximidade e a intimidade, esta última reservada sempre para sua vida pessoal. Divida além de problemas também esperanças, compartilhe resultados, seja gentil, confiável e respeite as diferenças.
• Criatividade: Estimule-se para conseguir processar as informações de forma original e inovadora, mas sem sair dos limites da transparência. A criatividade exige movimento; não dá pra ficar parado em uma idéia, método ou comportamento, é preciso avançar. Se você estuda, se aperfeiçoa, se abrindo para o novo de modo flexível e receptivo, as oportunidades são percebidas muito mais rapidamente.
• Empreendedorismo: Não baste cumprir normas, ordens e realizar bem a tarefa. Boa parte da sua empregabilidade depende de seu próprio mérito. Ser capaz de tomar a iniciativa, construindo argumentos, aceitando a incerteza e enxergando além do óbvio são qualidades imbatíveis. Abra mão da improvisação e da ilusão do conhecimento, desenvolva novos métodos, discipline-se, aplique seu conhecimento, aprenda a aprender.
• Organização: Tempo é um recurso escasso que só é maximizado para quem supera as falhas na sua rotina. Faça sempre o mais importante primeiro e deixe espaço livre para o que é estratégico. Organize seus materiais, sua agenda, sua mente.
• Negociação: Conciliar interesses opostos, trabalhar em prol do ganha-ganha, ofertar opções justas e honrosas dá trabalho, mas vale a pena para quem deseja construir pontes ao invés de muros.
• Consciência ética e social: Vale à pena lembrar que a trajetória, seja ela qual for, será bem ou mal sucedida dependendo de como você investir energia e esforço no que é digno. Por isso, sucesso é só uma sensação que acompanha nossos atos, é efêmera e mais facilmente esquecida do que as marcas que imprimimos pelo caminho.
• Auto desenvolvimento: Nada acontece para quem não toma a decisão de ser melhor, amadurecendo e crescendo sempre. Observe a realidade para poder transformá-la, volte-se pra si mesmo, reflita sobre o que deseja, reconheça seus talentos, mas prepara-se para enfrentar suas limitações. Bons profissionais são antes de tudo bons cidadãos, boas pessoas, gente que se aceita e que aceita o desafio de estar em constante evolução.
Lógico que todas essas competências não caem do céu, nem se aprendem na universidade. Então, se a formação acadêmica não é um pré-requito para profissões como a de vendedor, muitos outros aspectos precisam ser identificados em quem se oferece para a função. Nesse sentido, a esperada diferença entre os oportunistas e os profissionais pode ser construída, porém irá exigir investimento e desenvolvimento contínuo, abrindo mão dos jeitinhos e das gambiarras. Em outras palavras, não é para qualquer um! Porém, o mercado já mostrou repetidas vezes que o esforço vale a pena, pois, nunca faltou e nem faltará excelentes oportunidades para bons vendedores profissionais, nem nos séculos passados nem no presente.
Quanto às empregadas domésticas, quem pode contar com a ajuda de uma ao longo da atribulada jornada profissional deveria sentir-se imensamente grato. Mas essa já é outra história.
Psicóloga, Doutoranda em Psicologia/PUCRS, Mestre em Psicologia Clínica/PUCRS, Especialista em Gestão Empresarial/FGV, Especialista em Psicoterapia Psicanalítica/UNISINOS e em Psicopatologia do Bebê (PARIS XII), Psicoterapeuta, Consultora em Gestão de Pessoas, Perita em Avaliação Psicológica e Gestão de Equipes. Fone: (51) 8188.0733 tarciad@gmail.com |