Reúso De Água Na Cogeração De Energia

Há muito tempo a preocupação com o consumo de água é uma constante nos assuntos pertinentes ao meio ambiente. A água é um bem comum, e, portanto, um direito difuso de todos os cidadãos.


Há muito tempo a preocupação com o consumo de água é uma constante nos assuntos pertinentes ao meio ambiente. A água é um bem comum, e, portanto, um direito difuso de todos os cidadãos. Também tem sido objeto de discussão a reutilização da água em alguns processos e sempre é mencionado o desperdício deste bem renovável. A água tem inúmeras aplicações, sendo a mais importante a água potável para a população. Entretanto, cada dia que passa, a tecnologia avança e novos processos industriais são desenvolvidos para fornecer outros tipos de serviços ao bem estar social, como a energia elétrica e o calor. A água está presente neste processo através da cogeração de energia, que é o aproveitamento de diferentes tipos de energia desenvolvidos em um mesmo processo. Na cogeração, o reúso da água produz dois benefícios simultâneos, que são o não desperdício de energia (calor) e da própria água.
 

Como sabemos, o Brasil é um país que tem sua matriz energética estabelecida na geração de energia hidráulica através de dezenas de hidroelétricas com turbinas do tipo Pelton ou turbinas Francis, como é o caso da hidroelétrica de Itaipu.     
As  grandes hidroelétricas mais as PCH – Pequenas Centrais Hidroelétricas - são responsáveis por aproximadamente 93% da energia consumida no Brasil.
Com o desenvolvimento da indústria e as constantes dúvidas sobre o futuro do petróleo e do carvão, principalmente no hemisfério norte, foram desenvolvidos novos sistemas de geração de vapor, já com a conscientização do maior aproveitamento possível das energias envolvidas (mecânica, térmica, cinética etc.) e de outros recursos naturais – combustíveis renováveis (biomassa, cana de açúcar) e a água. Surgiu então o processo de cogeração, que a cada dia toma mais força na análise energética das empresas e dos países em todo o planeta.
A água tem uma distinção muito merecida na cogeração, pois é um recurso natural e o principal meio de transporte de energia (térmica) nos processos industriais. Podemos listar os principais usos da água nos processos industriais, incluindo a cogeração:
• Diluição matéria prima;
• Refrigeração;
• Geração de vapor;
• Resfriamento;
• Água potável;
• Processo.
Especificamente na cogeração, a água é utilizada na geração de vapor, nas torres de resfriamento através de trocadores de calor, e nos procedimentos de tratamento de água para regeneração de resinas ou limpeza de filtros de membranas.
 

Atualmente quase 40% de toda a energia elétrica produzida no mundo é feita através da geração de vapor a partir do carvão mineral. Diferente do modelo mundial, no Brasil a energia elétrica é produzida através da água "in natura", ou seja, através das hidroelétricas que correspondem a aproximadamente 93% da geração total.
Em vários setores industriais, passou-se a utilizar a biomassa como uma fonte nobre de geração de energia, tais como os setores de celulose, sucroalcooleiro e agroindústrias. Resíduos florestais (casca de pinus, eucalipto, acículas) e o bagaço de cana de açúcar deram impulso à cogeração de energia. 
Para fazer o melhor uso destes combustíveis na geração de eletricidade, as empresas destes setores passaram a utilizar caldeiras de alta pressão (acima de 85 bar), gerando vapor para as turbinas. O vapor remanescente é utilizado nos processos industriais como agente de aquecimento, ou seja, como transportador de calor.
A escolha do processo de cogeração será definida a partir de balanços de massa e de energia, objetivando o melhor rendimento em cada etapa.
As escolhas que nos referimos são sobre o tipo de turbina que será utilizada na geração de vapor e de energia elétrica:
• Turbina de contrapressão;
• Turbina de contrapressão com extração;
• Turbina de condensação;
• Turbina de condensação com extração.
A escolha recai sobre o rendimento energético e a aplicação do vapor no processo. O rendimento energético inclui o rendimento do combustível, do gerador de vapor, do gerador de eletricidade e da dissipação de calor para a atmosfera. Na  figura abaixo, um ciclo de cogeração com geração de vapor em uma caldeira em uma turbina de contrapressão com extração.  O combustível pode ser gás natural, lixívia, biomassa (madeira, bagaço de cana).
Reúso De Água Na  Cogeração De Energia
Os rendimentos são calculados separados: rendimento da caldeira, rendimento da turbina e rendimento do gerador de energia elétrica. De forma geral, quanto maior for a "entalpia" do vapor enviado ao turbo gerador, maior deverá ser o rendimento do conjunto.
Na próxima figura, é apresentado um ciclo mais completo, com extração e condensação.
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Ainda existe o ciclo combinado, onde se utiliza uma turbina a gás que gera calor e energia elétrica no primeiro ciclo e aproveita o calor dos gases de exaustão para gerar vapor em uma caldeira, chamada de recuperadora, onde completa o ciclo utilizando uma turbina a vapor que irá gerar mais uma quantidade de energia elétrica.


Nestes processos de cogeração, a água é utilizada principalmente na caldeira e na torre de resfriamento. Dependendo da localização da indústria ou da termoelétrica, teremos diferentes tipos de água quanto a natureza físico-química. A água pode ser captada de rios, lagos, poços artesianos e até mesmo do mar. Então, a água pode ter qualquer origem, mas o tratamento que será necessário varia de acordo com a qualidade da água.
A água dos rios traz dissolvido ou em suspensão, gases, matéria orgânica, sais de diferentes tipos de metais, e antes de ser utilizada precisa ser tratada para a eliminação seletiva de contaminantes.
O exemplo mais simples é a água de consumo doméstico e para o consumo humano (potável). As companhias de saneamento básico são as responsáveis pelo tratamento de água para a população.
A água para uso industrial requer um tratamento para preservação dos equipamentos onde a mesma irá circular ou ser transformada em vapor.
Em torres de resfriamento, o problema se agrava devido ao ciclo de concentração provocado pela taxa de evaporação e temperatura da água na torre. Em geradores de vapor o problema torna-se muito maior, pois a taxa de evaporação (concentração) é elevada e os sólidos antes dissolvidos, começam a precipitar ou incrustar nas tubulações.
A água utilizada na torre de resfriamento requer o mesmo tratamento primário da água para as caldeiras, até o tanque de água clarificada. A partir da clarificação, a escolha do tratamento da água para a torre e para as caldeiras será diferente. Após a clarificação, a água poderá ser potabilizada com hipoclorito de cálcio, e a água para a torre de resfriamento receberá tratamento com produtos específicos para o ambiente biológico que se manifesta na água da piscina da torre. Mais adiante será mostrado um diagrama de bloco com os tratamentos mais convencionais.
Em algumas plantas também é realizada a potabilização da água para uso em refeitórios, bebedouros etc. Pouco tem se investido em recuperação de água das chuvas, que pode ser aproveitada também para os banheiros e usos gerais.
Os tipos de tratamentos convencionais para caldeiras e torres de resfriamento são os seguintes:
• Tratamento primário  - pré-cloração / clarificação / cloração / filtração;
• Tratamento secundário – filtração carvão ativado / abrandamento / desmineralização;
• Tratamento interno da água da torre de resfriamento – controle biológico;
• Tratamento do condensado recuperado – filtração / aeração / desmineralização;
• Tratamento interno da água da caldeira – controle de alcalinidade, sólidos dissolvidos, controle do pH e nível de corrosividade;
• Tratamento do vapor – este tratamento é realizado através da água de alimentação da caldeira e também do condicionamento da água dentro da caldeira.
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As torres de resfriamento são utilizadas para remover o calor de um sistema, através de troca natural com o ar atmosférico ou com um líquido refrigerante através de um "chiller", que é uma "grande geladeira" (figura A).
Em sistemas grandes, onde a troca térmica é muito elevada, como é o caso de turbinas ou grandes trocadores de calor, condensadores etc, as torres abertas são mais econômicas pois trocam o calor com o ar atmosférico, dispensando o consumo de energia elétrica do chiller. De qualquer forma, a torre sempre estará presente, pois é necessário resfriar o fluido que circula no chiller e o condensado extraído da turbina. Neste caso são torres compactas, como mostra a figura B.   

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Os sistemas com "chiller" são utilizados para conforto (ar condicionado central) em processos conhecidos  como HVAC – Heating, Ventilating, Air, Conditioning. . 
Vamos analisar um balanço de massa e energia de uma torre de refrigeração utilizada em um sistema com turbinas de condensação.
No esquema apresentado na  figura 03, está  um sistema básico de troca térmica por torres de resfriamento, mostrando os pontos principais para um balanço. 

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• Evaporado: é o percentual de água que se perde por evaporação. Usa-se como base de cálculo, 1% de perda mássica para cada 5ºC ou 6ºC de queda de temperatura.
• Respingo: é o quanto se perde por remoção mecânica de água devido aos ventiladores, ventos, pressão e volume de água. Calcula-se em média, perda de 0,05 a 0,2% do total de água que circula na torre.
• Drenagem: a função da drenagem contínua é a manutenção do ciclo de concentração de sólidos totais dissolvidos (STD) no sistema. Dependendo da qualidade de água que alimenta a torre, via "make up" ou reposição, os ciclos de concentração podem variar de 3 a 8 vezes, calculados geralmente por STD  ou por algum rastreador químico (tracer).
• O ciclo de concentração também pode ser determinado levando-se em conta a concentração microbiológica do sistema.
Através da figura 03 podemos estabelecer, em teoria, um balanço de massa, a fim de determinar a quantidade da água de reposição:
Make up=  E  +  R  +  D.
Entretanto, na prática, o "make up" de água será definido a partir de dados de controle, sendo os mais importantes: incrustação, corrosão, STD e controle microbiológico. A água de reposição é utilizada nos limites de concentração para evitar danos aos trocadores de calor e seus periféricos. O reúso de  água de outras áreas, pode participar totalmente ou parcialmente do volume de "make up", procedendo assim a uma economia de água de processo. 

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Para o aproveitamento de água de outras áreas do processo no "make up" da torre, deve-se considerar a qualidade desta água e a qualidade da água que já recircula na torre. Os parâmetros mais importantes para serem observados são: condutividade e STD.
Um ciclo de concentração muito elevado pode levar a incrustação de tubulações e comprometer as trocas térmicas nos trocadores de calor e condensadores (ver Figuras – 04 e 05).                  
Quando a água da torre está comprometida com STD, sólidos suspensos, condutividade, ou por microorganismos, ainda é possível utilizar esta água em lavagem de pisos, lavar a cana de açúcar nas usinas, lavar toras de pinus ou eucalipto nas fábricas de celulose, etc.


Estamos falando agora, de água que foi utilizada na geração de vapor e por isso foi condicionada com produtos químicos, após ter passado por sistemas de pré-tratamento com desmineralização por resinas ou pelo processo de osmose reversa.
Como foi visto anteriormente, o processo de cogeração de alto rendimento requer um vapor de alta pressão e alta temperatura. Entretanto, vamos considerar neste trabalho, a cogeração em turbinas a vapor com pressões entre 45 e 85 bar e temperaturas de saturação de 257ºC e de 298ºC, respectivamente. A temperatura de superaquecimento geralmente é 60 a 72% acima da temperatura de saturação.
Vamos considerar o sistema de cogeração com extração e condensação mostrado na figura 02.
As extrações normalmente ocorrem em média e baixa pressão, para serem utilizadas no processo como fontes de calor, seja por forma direta ou indireta de aquecimento.
No aquecimento por forma direta, o vapor tem contato direto com o produto ou matéria-prima. Quando se utiliza este recurso em soluções, o vapor se condensa naquele meio diluindo a solução, que é uma forma de recuperação de água. 

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No aquecimento indireto, os vapores passam por trocadores de calor e acabam se condensando. Posteriormente, são removidos através de purgadores ou bombas de condensado, para o sistema de tratamento de condensados ou para um tanque de armazenagem.
A recuperação deste condensado significa uma recuperação de massa de água e também de calor, pois o calor latente mantém a temperatura do condensado entre 70 e 90ºC. Este condensado deve passar pelo menos por um processo de filtração, para depois ser devolvido ao tanque de água de alimentação das caldeiras, passando pelo desaerador.
Nas figuras 04 e 05, um modelo de desaerador e um sistema de filtro de condensado.
Outra fonte de recuperação do vapor/água, é o condensado obtido na turbina. O vapor admitido na turbina gera energia elétrica e o vapor que não é extraído em pressões menores, vai condensar no final da turbina. O vapor passa por um condensador e troca calor com a água da torre de resfriamento, sendo coletado em um tanque de condensado. 

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Teoricamente este condensado é água pura, entretanto, a mesma pode estar contaminada por resíduos de corrosão, arraste da água da caldeira ou ainda por contaminação da água da torre, devido a algum rompimento de tubos no trocador de calor.
Para segurança do sistema, um condutivímetro para mediação "on-line" deve ser instalado no sistema de condensados para avaliar a qualidade da água do condensado.
Quando é feito o condicionamento da água da caldeira, utilizam-se também produtos (geralmente aminas) para o condicionamento do vapor e do condensado.
Em alguns casos, os condensados precisam ser tratados com filtração, aeração, desmineralização etc. O mais importante é a recuperação da água e do calor latente deste condensado como reposição da água da caldeira. Este retorno ou reúso da água pode atingir 78% em sistemas bem projetados. Um condensado de ótima qualidade reduz o custo do tratamento final e recupera produtos químicos de condicionamento da água de processo.
Muito desperdício de água e calor é encontrado em projetos de linhas de condensado, com purgadores mal dimensionados, bombas de condensado adaptadas, vazamentos em conexões e selos de bombas, tanques e linhas sem isolamento térmico, vazamentos em geral nas linhas de vapor e de condensado.
Condensados de processo ou da turbina podem sofrer algum tipo de contaminação, e não serem aproveitados como água de alimentação de caldeiras, mas podem ser aproveitados nas torres de resfriamento como água de reposição.
Em alguns países como o Japão, Canadá e países da Escandinávia, têm sido freqüentes os projetos com coleta de água da chuva por toda a área da indústria, com um sistema central de tratamento da água. Esta água, dependendo das suas características, pode ser utilizada no processo, no tratamento primário e secundário da água para caldeiras e, principalmente, para torres de resfriamento.
 

Apresentamos neste trabalho, algumas alternativas para a recuperação de água  nos processos de cogeração de energia, que, observados com atenção, promovem a economia de vários recursos e insumos para as indústrias: água, combustível, energia elétrica, produtos químicos, redução de carga nos efluentes, dentre outros. O assunto é recorrente, mas sempre será importante a abordagem da redução do desperdício (waste minimisation) e da máxima eficiência dos processos industriais.
Em outro artigo, abordaremos o "fechamento de circuito" em diferentes processos industriais.

Reúso De Água Na  Cogeração De Energia
Engenheiro químico especialista em Utilidades e Cogeração, com 30 anos de experiência em indústrias nacionais e internacionais. Atua nos setores de Celulose & Papel e Agroindústria como consultor e palestrante. É diretor técnico da RTH Consultoria Técnica Ltda. 
www.rthconsult.com.br




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