Liderança Em Tempos Globalizados
Por Me. Tárcia Rita Davoglio
Edição Nº 45 - Julho/Agosto de 2010 - Ano 9
A maior habilidade de um líder é desenvolver qualidades extraordinárias em pessoas comuns
Embora estejamos no século XXI, ainda não consigo pensar em alguém melhor que Moisés para traduzir o sentido da liderança. Esse Moisés mesmo, o personagem bíblico, fiel e temente a Deus. Sem qualificação técnica ou pós-graduação, talvez até analfabeto, órfão abandonado à beira de um rio, abriu mão das benesses oferecidas pela família que o adotou e viveu percorrendo o mundo sem endereço fixo, com aparência pouco asseada, mas com substancial bagagem de convicções.
Para a miopia que reina no mercado globalizado atual, repleto de tecnologia e gurus: um verdadeiro Zé Ninguém! Um tipo desqualificado até para funções operacionais nada complexas. Para quem busca competências humanas indispensáveis a um líder: um verdadeiro exemplo. Sensível à gestão de talentos, articulado e propenso ao diálogo argumentativo, capaz de correr riscos, inovar e romper com os paradigmas estabelecidos, seguindo quase sempre a própria intuição e as demandas emergentes, captadas por uma escuta atenta. Moisés foi capaz de cercar-se de colaboradores estratégicos desejosos de fazer sua parte, que resolviam por si todos os pequenos negócios, maximizando dois itens escassos ainda hoje: tempo e recursos.
Não é preciso ser cristão para reconhecer os feitos de Moisés. O que ele conseguiu realizar? Com sua capacidade de negociação, libertou 600 mil israelitas da escravidão egípcia, apesar desta ser a base da economia do Egito na antiguidade. Com sua habilidade de incentivar, criar objetivos e obter cooperação, conduziu esta população a pé pelo deserto, por mais de
40 anos, fazendo-a produzir alimentos e treinado-a para resistir e vencer aos inimigos. Com humildade suficiente para reconhecer as próprias limitações e partilhar os méritos, delegou autoridade e poder para os chefes das tribos. Com respeito e convicção aos princípios que o moviam, contribuiu imensamente para a divulgação de uma doutrina que mais tarde conquistou hegemonia sobre as demais religiões. Com sua visão estratégica, identificou e preparou Josué, seu sucessor, para prosseguir na missão de construir Israel.
Os cristãos podem até alegar favorecimento e interferência divina, mas se não nos apegamos a crenças é inevitável reconhecer o esforço contínuo e incansável deste cidadão para levar adiante sua missão, respaldando-se apenas na sua força como líder. A liderança genuína nada tem a ver com cadeira de encosto alto, vaga cativa no estacionamento e um salário de muitos dígitos. Citando as palavras de Abraham Lincoln, "a maior habilidade de um líder é desenvolver qualidades extraordinárias em pessoas comuns".
Autoridade formal e liderança poucas vezes andam de mãos dadas. Não lidera nada, muito menos pessoas e empresas de sucesso, quem ainda não percebeu que cada potencial é único, exclusivo de cada indivíduo. Mesmo que a empresa tenha um plano de cargos e salários, protocolos, normas, há de haver espaço para a subjetividade. Identificar, treinar, desenvolver e recompensar o desempenho destas pessoas faz toda a diferença, porque não há liderança se não houver seguidores. Parece óbvio, mas adequar e enquadrar o profissional às funções não exige muito além de autoritarismo e mediocridade. Porém, desenhar funções que levem as pessoas a aplicarem suas idéias e explorarem suas aptidões em prol de uma meta, redesenhando o velho organograma, pressupõe audácia e comprometimento, características que despontam em líderes, não em meros diretores e gerentes.
Há lideranças que emergem de uma causa, de um problema, de um projeto. Ninguém perde seu espaço porque soube a hora certa de recuar ou avançar, de descentralizar, de ser mais ou menos flexível, permitindo que alguém brilhe por algum tempo. Ao contrário, é o aprisionamento a títulos e cargos, em uma demonstração inequívoca de falta de visão estratégica, que quase sempre gera a perda de foco e de colaboradores-chave, em um mercado repleto de incertezas e inovações como o que conhecemos.
A figura de Moisés personifica o risco implícito na busca do perfil estereotipado, do protótipo de líder que preenche critérios idealizados. O "tamanho único" e o "perfil ideal" são duas invenções medíocres e pretensiosas. Sob a alegação de atenderem a um padrão universal, negam a diversidade e as peculiaridades que distinguem as pessoas. Se há um perfil de líder que pode ser identificado à distância através do currículo bem recheado, pelo histórico de méritos em outras organizações ou por um encantamento que nos impacta, eu particularmente prefiro sempre optar pelo ceticismo. O líder se evidencia pelo contexto, pela capacidade de liderar antes de tudo sua própria vontade, privilegiando o bem comum e transformando desafios em oportunidades, sem esmorecer diante das críticas e incertezas.
Psicóloga; Psicoterapeuta; Consultora em Gestão de Pessoas; Doutoranda em Psicologia Social/PUCRS; Mestre em Psicologia Clínica/PUCRS; Especialista em Gestão Empresarial/FGV; Especialista em Psicoterapia Psicanalítica/UNISINOS; Especialista em Psicopatologia do Bebê/Universite Paris XIII–França; Perita em Avaliação Psicológica e Gestão de Equipes. Empresa Perfil – Gestão e Avaliações. Fone: (51) 8188.0733 tarciad@gmail.com |