Vendendo Em Prol Da Sustentabilidade Da Organização
Por Me. Tárcia Rita Davoglio
Edição Nº 46 - Setembro/Outubro de 2010 - Ano 9
O modelo mais popular de atuação comercial que vemos nas organizações é o da competição e não o da competência
Havia uma vez um leão que andava pela floresta cercando um búfalo, sua provável refeição. Um dia, finalmente, aproximou-se bem e, sem ser notado, atacou o búfalo. Vencida a luta, o leão teria um banquete garantido por uma semana inteira. Após fartar-se com a carne e de barriga bem cheia, dormiu profundamente por um longo tempo. Ao acordar, orgulhoso e exibido com seu desempenho, começou a urrar com toda a força de seus pulmões. Mas, um atento caçador das redondezas seguiu os urros até encontrá-lo, apontou a espingarda e matou-o com um único tiro.
Moral da história:
• Vencer uma vez não garante nada;
• Predadores são espécies diferentes de vendedores.
O modelo mais popular de atuação comercial que vemos nas organizações é o da competição e não o da competência. Nesse sistema, o cliente é uma presa a ser abatida, onde todos os meios justificam o objetivo de "capturá-lo" e vender rápido. Sem nenhuma preocupação, o vendedor pode focar-se apenas no momento: promete a entrega sem consultar o planejamento da produção e a disponibilidade de matéria-prima; dá garantias que nunca serão honradas; ignora as minúcias técnicas do pedido ou as verdadeiras demandas do cliente, visando sua meta imediata (e míope) de vender.
No entanto, fechar uma venda não é nem de longe o final da história, ao contrário, preservar o cliente é sempre o desafio maior. Há pessoas na área comercial que esquecem que existe toda uma articulação na cadeia social e produtiva que não pode ser desrespeitada diante da venda, pois, a médio e longo prazo, as suas implicações irão aparecer no fluxo de caixa de organização. Todos sabem que a prospecção de novos clientes é muito mais onerosa e demorada do que a fidelização dos já conquistados.
Esse emblemático vínculo que se estabelece, quase sempre entre vendedores e clientes, tem suas raízes históricas na nossa cultura organizacional. A maioria das empresas brasileiras não começa grande, nem em capital nem em mercado. Assim, no início de suas atividades, a falta de recursos humanos, financeiros e materiais e o enorme desejo que o negócio prospere, faz com que o contato direto com os clientes seja uma atividade nobre, que consome a maior parte do tempo e esforço da diretoria. É o próprio dono que busca os contatos, negocia contratos e faz o pós-venda. Porém, com o crescimento dos negócios, o atendimento ao cliente torna-se cansativo e inoportuno e os donos e gerentes começam a achar que precisam se dedicar a outras atividades "menos básicas".
É comum que neste processo de expansão, o cliente, de peça fundamental na engrenagem empresarial, vá sendo relegado a um problema que demanda por soluções. A tarefa de atendê-lo, cedo ou tarde, é, então, delegada a algum colaborador, via de regra, mais despreparado, mal-remunerado e menos motivado. Quando as vendas começam a cair ou surgir insatisfações de toda ordem, a solução clássica é formar uma equipe comercial "forte" e com muitas metas, que, na verdade, pouco pode fazer se a empresa não reposicionar o cliente como figura principal no seu dia a dia.
Atender ao cliente, o que em última instância é a razão de ser de todo negócio, deveria voltar ao seu lugar na estrutura e na ideologia das organizações. Nesse modelo, as vendas baseiam-se na competência e confiança, onde a lucratividade, vista em outra perspectiva, é o subproduto de um trabalho bem feito. O foco comercial volta-se para a minimização das complicações, para a comunicação clara e honesta, para a responsabilidade com o que se oferta, onde os problemas internos da empresa são contornados antes de atingir o cliente. A consciência fica acima da conveniência, o instinto ganancioso de levar vantagem se harmoniza com a civilidade, em um processo onde os outros importam e a sustentabilidade do negócio é a estratégia maior. A área comercial, então, ao invés de posicionar-se para o confronto do tipo ganha-perde, pode preparar-se para apresentar alternativas inteligentes e soluções viáveis, apoiadas em argumentos técnicos, sem perder de perspectiva a relação de continuidade com o cliente, onde todos os envolvidos acabam tendo vantagens.
Sem fazer nenhuma mágica, há uma maneira simples de aprender muito sobre estratégias de vendas: basta invertemos os papéis. O melhor dos vendedores vai precisar, em algum momento, colocar-se no lugar de cliente, ao abastecer o carro, comprar pão ou fechar um grande negócio, sentindo na própria pele a dor ou a delícia de estar do outro lado. Quando se está no lugar de cliente não nos impressionamos tanto com as palavras ou com as conquistas já realizadas pela empresa. Queremos mesmo é ter nossa necessidade atendida com eficiência e respeito, por isso, até pagamos mais caro.
Aos clientes que se identificam com o búfalo abatido pelo predador voraz, resta sempre o consolo de que a concorrência, personificada no caçador, se encarregará, cedo ou tarde, de trucidar o vendedor e as organizações que os tratam com soberba.
Psicóloga; Psicoterapeuta; Consultora em Gestão de Pessoas; Doutoranda em Psicologia Social/PUCRS; Mestre em Psicologia Clínica/PUCRS; Especialista em Gestão Empresarial/FGV; Especialista em Psicoterapia Psicanalítica/UNISINOS; Especialista em Psicopatologia do Bebê/Universite Paris XIII–França; Perita em Avaliação Psicológica e Gestão de Equipes. Empresa Perfil – Gestão e Avaliações. Fone: (51) 8188.0733 tarciad@gmail.com |