Uma História De Sucessão
Por Tatiana Takikawa
Edição Nº 67 - Março/Abril de 2014 - Ano 12
Eu decidi ser administradora por influência do meu pai: nutria uma grande admiração pela sua disposição de trabalhar arduamente todos os dias, inclusive feriados e finais de semana, e pela habilidade de transformar tudo em uma grande negociação
Eu decidi ser administradora por influência do meu pai: nutria uma grande admiração pela sua disposição de trabalhar arduamente todos os dias, inclusive feriados e finais de semana, e pela habilidade de transformar tudo em uma grande negociação: quando meus irmãos e eu éramos crianças e pedimos para ir à Disney, ele negociou conosco metas de desempenho no colégio que precisavam ser atingidas para que a viagem se concretizasse. Nunca tiramos tantas notas dez como naquele ano! Tal atitude nos fez entender a importância da motivação, o que anos mais tarde se tornaria muito útil quando assumi a liderança de uma equipe. Embora eu tivesse o desejo de trabalhar na empresa da família no futuro, sempre fui incentivada a alçar vôo solo antes de isto acontecer. Meu pai defendia a tese de que lá eu seria tratada de forma especial por ser filha do dono, tendo meu trabalho facilitado e não enfrentando desafios reais. Desta forma, estava me programando para iniciar minha carreira como trainee de um grande banco para depois fazer um MBA no exterior.
Porém, um dia depois de minha formatura na faculdade, o destino me pregou uma peça: meu pai morreu repentinamente, vítima de ataque cardíaco. Não bastasse a dilacerante dor da perda de meu maior ídolo, já no velório fui pressionada por funcionários, fornecedores, parentes e amigos a assumir a direção da empresa. Sei que eles fizeram isto com a melhor das intenções, mas suas palavras me faziam sentir sufocada e amedrontada em um momento que eu só queria chorar e amenizar a tristeza, como qualquer filha faria no funeral do pai. Não houve tempo para as lágrimas e isto me mostrou a duras penas que ser empresário significa muitas vezes renunciar aos próprios sentimentos em prol de algo maior.
Junto com ele, foram enterradas todas as informações estratégicas da empresa, uma vez que ele seguia o modelo centralizador de Administração em que todos os dados e decisões ficavam concentrados na sua pessoa. O que nos ajudou bastante foi a dedicação e o empenho dos funcionários, que conheciam os procedimentos rotineiros e assim possibilitaram a continuidade das atividades da empresa. Os fornecedores e os clientes também fizeram questão de nos dar suporte neste momento difícil, como forma de retribuir a ajuda que meu pai tinha outrora lhes oferecido. Houve fábricas que nos enviaram mercadorias por vários meses, sem cobrar um centavo, dando tempo para nos recuperarmos do baque. A chamada roda da bondade, em que a benevolência que se faz ao próximo de certa forma retorna para si, comprovou a sua existência nestes gestos de solidariedade.
Diante da tragédia, cada um na minha família contribuiu com o que podia: minha mãe, que a vida inteira foi dona de casa, passou a dar expediente diário na empresa, preparando o lanche dos funcionários, entregando mercadorias e atendendo transportadoras – até faxina ela fazia. Minha irmã mais velha chegou de um mestrado em Engenharia na Alemanha e trouxe toda a sua habilidade com números e raciocínio lógico para as nossas atividades. Meu irmão caçula, no auge da imaturidade dos 18 anos, tentou atuar nos negócios, mas algum tempo depois percebeu que não era de seu interesse e resolveu vender sua participação.
O fato de ter estudado numa das melhores faculdades de Administração do país foi fator decisivo para que eu fosse escolhida pela minha família para liderar os negócios. É verdade que isto me possibilitou compreender os procedimentos e ter uma visão mais clara do negócio, mas a teoria certamente passou longe do que acontecia na prática. Como era difícil lidar com fluxo de caixa, impostos, legislação e relações trabalhistas! O tempo, todavia é senhor da razão e permitiu que aos poucos eu fosse absorvendo estes conhecimentos! Hoje em dia eu até me arrisco em explicar a executivos estrangeiros a complicada e ilógica substituição tributária!
A empresa foi fundada pelo meu avô em 1959. Sendo assim, meus irmãos e eu somos a tão temida terceira geração, tida como o patinho feio na famosa frase "pai rico, filho nobre, neto pobre". Talvez esta fama tenha se formado porque os valores – um dos pilares que sustentam uma empresa – vão se perdendo ao longo das décadas. Isto acontece pois, via de regra, os fundadores são pobres e encontram na escassez de recursos a gana, a coragem e determinação para vencer; já a terceira geração colhe os frutos do esforço do passado e usufrui de uma situação financeira mais confortável, podendo não conduzir os negócios com o empenho necessário.
O processo sucessório de nossa empresa não foi exemplar, uma vez que foi feito na base do susto e do improviso. Meu pai acreditava ainda ter muitos anos de vida pela frente e não passava pela sua cabeça fazer um plano de sucessão. A falta de preparo certamente tornou os obstáculos mais difíceis e complicados. Contudo, eles não eram impossíveis de serem superados. O que nos possibilitou seguir adiante foi a união entre os membros da família, pois, mesmo com opiniões e interesses diversos, conseguíamos chegar a um consenso, sem (muita) briga. Concordamos em focar nossas energias no negócio e não despendê-las em discussões infrutíferas e vaidades particulares. Tal filosofia se mostrou certeira e possibilitou o desenvolvimento e crescimento da empresa, expandindo a linha de produtos e aumentando o volume de negócios e a rentabilidade.
No fundo, sempre tivemos em mente que a continuidade da empresa é uma forma de perpetuar a memória do nosso pai. Sua vida continuará para sempre através das lições que ele nos ensinou, das pessoas que ele ajudou, da admiração que despertou e do grande legado que ele deixou. E esta chama não pode se apagar jamais.
Porém, um dia depois de minha formatura na faculdade, o destino me pregou uma peça: meu pai morreu repentinamente, vítima de ataque cardíaco. Não bastasse a dilacerante dor da perda de meu maior ídolo, já no velório fui pressionada por funcionários, fornecedores, parentes e amigos a assumir a direção da empresa. Sei que eles fizeram isto com a melhor das intenções, mas suas palavras me faziam sentir sufocada e amedrontada em um momento que eu só queria chorar e amenizar a tristeza, como qualquer filha faria no funeral do pai. Não houve tempo para as lágrimas e isto me mostrou a duras penas que ser empresário significa muitas vezes renunciar aos próprios sentimentos em prol de algo maior.
Junto com ele, foram enterradas todas as informações estratégicas da empresa, uma vez que ele seguia o modelo centralizador de Administração em que todos os dados e decisões ficavam concentrados na sua pessoa. O que nos ajudou bastante foi a dedicação e o empenho dos funcionários, que conheciam os procedimentos rotineiros e assim possibilitaram a continuidade das atividades da empresa. Os fornecedores e os clientes também fizeram questão de nos dar suporte neste momento difícil, como forma de retribuir a ajuda que meu pai tinha outrora lhes oferecido. Houve fábricas que nos enviaram mercadorias por vários meses, sem cobrar um centavo, dando tempo para nos recuperarmos do baque. A chamada roda da bondade, em que a benevolência que se faz ao próximo de certa forma retorna para si, comprovou a sua existência nestes gestos de solidariedade.
Diante da tragédia, cada um na minha família contribuiu com o que podia: minha mãe, que a vida inteira foi dona de casa, passou a dar expediente diário na empresa, preparando o lanche dos funcionários, entregando mercadorias e atendendo transportadoras – até faxina ela fazia. Minha irmã mais velha chegou de um mestrado em Engenharia na Alemanha e trouxe toda a sua habilidade com números e raciocínio lógico para as nossas atividades. Meu irmão caçula, no auge da imaturidade dos 18 anos, tentou atuar nos negócios, mas algum tempo depois percebeu que não era de seu interesse e resolveu vender sua participação.
O fato de ter estudado numa das melhores faculdades de Administração do país foi fator decisivo para que eu fosse escolhida pela minha família para liderar os negócios. É verdade que isto me possibilitou compreender os procedimentos e ter uma visão mais clara do negócio, mas a teoria certamente passou longe do que acontecia na prática. Como era difícil lidar com fluxo de caixa, impostos, legislação e relações trabalhistas! O tempo, todavia é senhor da razão e permitiu que aos poucos eu fosse absorvendo estes conhecimentos! Hoje em dia eu até me arrisco em explicar a executivos estrangeiros a complicada e ilógica substituição tributária!
A empresa foi fundada pelo meu avô em 1959. Sendo assim, meus irmãos e eu somos a tão temida terceira geração, tida como o patinho feio na famosa frase "pai rico, filho nobre, neto pobre". Talvez esta fama tenha se formado porque os valores – um dos pilares que sustentam uma empresa – vão se perdendo ao longo das décadas. Isto acontece pois, via de regra, os fundadores são pobres e encontram na escassez de recursos a gana, a coragem e determinação para vencer; já a terceira geração colhe os frutos do esforço do passado e usufrui de uma situação financeira mais confortável, podendo não conduzir os negócios com o empenho necessário.
O processo sucessório de nossa empresa não foi exemplar, uma vez que foi feito na base do susto e do improviso. Meu pai acreditava ainda ter muitos anos de vida pela frente e não passava pela sua cabeça fazer um plano de sucessão. A falta de preparo certamente tornou os obstáculos mais difíceis e complicados. Contudo, eles não eram impossíveis de serem superados. O que nos possibilitou seguir adiante foi a união entre os membros da família, pois, mesmo com opiniões e interesses diversos, conseguíamos chegar a um consenso, sem (muita) briga. Concordamos em focar nossas energias no negócio e não despendê-las em discussões infrutíferas e vaidades particulares. Tal filosofia se mostrou certeira e possibilitou o desenvolvimento e crescimento da empresa, expandindo a linha de produtos e aumentando o volume de negócios e a rentabilidade.
No fundo, sempre tivemos em mente que a continuidade da empresa é uma forma de perpetuar a memória do nosso pai. Sua vida continuará para sempre através das lições que ele nos ensinou, das pessoas que ele ajudou, da admiração que despertou e do grande legado que ele deixou. E esta chama não pode se apagar jamais.
34 anos, é desde 2002 diretora comercial da Agro Assai, distribuidora de peças e máquinas agrícolas. Formada e pós-graduada em Administração de Empresas pela EAESP-FGV. Eterna estudante e aprendiz de assuntos relacionados a Empreendedorismo, Liderança, Sucessão Familiar, Negociação e Marketing. Pertence à terceira geração de uma empresa familiar com 54 anos de existência. Membro do LIDE Futuro, entidade que potencializa o talento dos jovens empreendedores. |