Engenharia brasileira é destaque na história dos caminhões da Volkswagen Caminhões e Ônibus

Sem matriz no exterior e com engenharia própria, a VWCO seguiu experimentando o mercado ao longo de sua história no Brasil


PEDRO KUTNEY, AB

A compra das operações da Chrysler no Brasil em 1979 e o lançamento de dois caminhões médios “cara-chata” em 1981, os modelos 11.130 e 13.130 ostentando uma marca sem nenhuma história na fabricação de veículos pesados, foi só a primeira de muitas das manobras ousadas já realizadas pela Volkswagen Caminhões e Ônibus (VWCO) em suas quatro décadas de existência. Apesar da falta de tradição e da aparência inédita, a marca que já liderava o mercado brasileiro de automóveis com o Fusca mostrou sua força também para caminhões e ônibus.

Engenharia brasileira é destaque na história dos caminhões da Volkswagen Caminhões e Ônibus

A mesma ousadia foi estendida já no ano seguinte da fundação, com a primeira expansão da gama e o lançamento do primeiro caminhão leve “cara-chata” do mercado, de 6 toneladas, apresentado em setembro de 1982 com duas opções de motorização diesel, Perkins para o modelo 6.80 ou MWM para o 6.90, além da versão a álcool 6.140, que não teve sucesso comercial – o modelo aproveitava o motor V8 da Chrysler convertido a funcionar com etanol pela Volkswagen em 1981 e desde então oferecido em caminhões Dodge, que seguiram sendo produzidos em paralelo com os VW até 1985.

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Sem matriz no exterior e com engenharia própria, a VWCO seguiu experimentando o mercado ao longo de sua história, com mais acertos do que erros.

"Fizemos tudo com o conhecimento local, com muita criatividade e ousadia. É uma grande vantagem ter nossa engenharia aqui no Brasil. Podemos desenvolver o produto exatamente como querem os clientes. Nós não precisamos seguir nenhuma bula. Desenvolvemos o veículo sob medida a um preço sempre competitivo", resume Roberto Cortes, presidente da VWCO.

DESENVOLVIMENTO COM FORNECEDORES LOCAIS

Consta na lista dos arrojos de sucesso da VWCO a nova fórmula de dividir investimentos e produzir em conjunto com os fornecedores no Consórcio Modular no complexo industrial de Resende (RJ), inaugurado em 1996 – um modelo inédito idealizado e implantado em cerca de um ano após a empresa ficar sem fábrica, com o fim da sociedade entre Volkswagen e Ford na Autolatina (1986-1994). A partir da nova linha de produção e do intenso relacionamento com os fornecedores, foi agilizado o processo de desenvolvimento de novos veículos, com ampliação do conceito de oferecer produtos sob medida.

A proximidade e associação direta com os fornecedores localizados no Brasil promoveram o desenvolvimento de caminhões e chassis de ônibus que ostentam os maiores índices de nacionalização de componentes no mercado brasileiro, acima de 80%, em média. O modelo de produção criou parcerias perenes desde os primeiros traços de cada projeto.

O mais recente exemplo de nacionalização é a linha de extrapesados Meteor lançada em 2020, que tem cerca de 300 fornecedores e nasceu com localização acima de 70%, incluindo alguns dos componentes de maior peso e valor, como o motor MAN D26 fabricado sob encomenda pela MWM em São Paulo, a transmissão automatizada Traxon produzida pela ZF em Sorocaba (SP), suspensões pneumáticas da Suspensys feitas em Caxias do Sul (RS) e montadas em Resende, além dos eixos trativos fabricados em Osasco (SP) e acoplados em Resende pela Meritor.

CRESCIMENTO ACELERADO DO PORTFÓLIO

“Saímos da parceria com a Ford na Autolatina com um modelo de chassis ônibus e basicamente três opções de caminhões, um leve, um médio e um pesado. A partir da fábrica de Resende conseguimos trabalhar de forma mais estruturada no portfólio com a parceria dos fornecedores, com a ampliação das soluções sob encomenda, com tecnologia na medida certa para a demanda dos clientes, assim as vendas cresceram”, lembra Rodrigo Chaves, vice-presidente de engenharia da VWCO.

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Na virada do século, já na fábrica de Resende, foram introduzidas as novas cabines da Série 2000, que originaram o lançamento de vários veículos que encontravam demandas reprimidas e sucesso instantâneo – como o cavalo mecânico Titan Tractor lançado em 2002 na entrada do segmento de pesados, que sozinho vendeu mais de 10 mil unidades nos três anos seguintes, abocanhando 30% das vendas do segmento. “O Titan foi um exemplo de desenvolver o que o cliente queria e os concorrentes não faziam porque vendiam produtos desenvolvidos para outros mercados”, pontua Chaves.

As novas linhas de modelos leves Delivery e de pesados Constellation, lançadas em 2005, consolidaram uma ampla lista de produtos bem recebidos, que seguiram aumentando a participação da marca nas vendas. “Nessa época já fazíamos parte da Volkswagen Veículos Comerciais (VWN) na Alemanha e pela primeira vez desenvolvemos a cabine do Constellation com uma linguagem de estilo global da marca. Foi uma etapa importante que nos ensinou a aproveitar mais sinergias no exterior”, conta o vice-presidente de engenharia.

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MAIS COOPERAÇÃO EXTERNA

Chaves aponta que o nível de cooperação tecnológica com a empresa controladora na Alemanha cresceu a partir de 2009, após a aquisição da VWCO pela MAN. Pela primeira vez a empresa nascida no Brasil integrou uma corporação centenária do mesmo ramo de atividade, especializada em desenvolver e fabricar caminhões e ônibus. Com isso, as sinergias começaram a acontecer, como a nacionalização do motor MAN D08, fabricado sob contrato no Brasil pela MWM, para utilização em vários veículos VW desde 2012, mesmo ano em que a fábrica de Resende começou a montar no País o modelo extrapesado MAN TGX.

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O passo seguinte desse processo aconteceu em 2015 com a integração de todas as marcas de veículos comerciais pesados do Grupo VW (MAN, Scania e VWCO) na VW Truck & Bus, em 2018 transformada no Traton Group. “A família cresceu e as possibilidades de sinergias se expandiram para outras dimensões, com acesso a tecnologias que nos colocam em linha com as tendências globais de conectividade, eletrificação e direção autônoma”, diz o engenheiro Rodrigo Chaves.

O acesso a tecnologias em parceiros do Grupo Traton acrescentou conhecimento, mas não reduziu a independência da engenharia da VWCO, que seguiu desenvolvendo seus veículos e hoje tem o portfólio mais completo entre as três marcas da companhia, com modelos que vão de 3,5 a 25 toneladas de peso bruto total (PBT).

Exemplo dessa independência com sinergias foi a completa renovação da família Delivery em 2017, que teve a cabine redesenhada nos estúdios da VW Veículos Comerciais (VWN) na Alemanha, mas teve todo o projeto financiado e desenvolvido no Brasil, com parceiros estratégicos do Consórcio Modular. A nova linha aumentou o alcance da VWCO para baixo e para cima, no segmento de comerciais leves e no de modelos médios, e já nasceu com uma versão do primeiro caminhão elétrico brasileiro, o e-Delivery, lançado comercialmente em 2021.

Já no ano seguinte a engenharia brasileira da VWCO apresentou mais uma de suas criações no Salão de Veículos Comerciais de Hannover, na Alemanha: um protótipo de ônibus híbrido plug-in, o Volksbus e-Flex, com tração 100% elétrica alimentada por baterias que podem ser recarregadas na tomada ou pelo motor flex TSI 1.4 turbo, fabricado em São Carlos (SP) pela Volkswagen, a divisão de veículos leve do grupo, em mais um exemplo de sinergia. O modelo ainda deverá por testes reais de circulação antes de ser lançado comercialmente.

Faltava ainda subir ao andar de cima do mercado de caminhões, o que foi feito em outubro de 2020 com o lançamento dos Meteor, uma gama completamente nova de extrapesados, mais uma vez com cabines criadas em cooperação com a VWN na Alemanha e equipados com motor MAN D26 produzido na MWM.

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“Os Meteor representam todas as lições que aprendemos com o desenvolvimento de produtos que fazemos no Brasil. Fizemos a maior aquisição de dados de nossa história durante os testes. Verificamos tudo que o cliente buscava e não encontrava para desenvolver os novos caminhões”, conta o vice-presidente de engenharia. Chaves coordenou o projeto que envolveu a construção de 20 protótipos e 5 milhões de quilômetros rodados em testes antes do lançamento.

"A matriz no exterior não atrapalha, mas o fato de precisar fazer tudo aqui nos tornou mais ágeis e conectados com os clientes. Nosso mercado pode usar soluções globais, mas precisa de adaptações e desenvolvimentos locais. Hoje continuamos com agilidade, mas temos o apoio de um grupo internacional e não precisamos mais começar tudo com uma folha de papel em branco", avalia Rodrigo Chaves.

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