Fabricantes de veículos buscam soluções tecnológicas para retomarem crescimento

Tecnologias inovadoras e elementos que favoreçam a mobilidade das pessoas são peças chaves para o futuro do setor


MÁRIO SÉRGIO VENDITTI, PARA AB

O universo automotivo vem passando por um processo acelerado de transformação. Em uma conjuntura de pandemia provocada pela Covid-19, todo o setor busca soluções para agregar mais valor aos seus produtos e à produção, com a introdução de tecnologias inovadoras e elementos que favoreçam a mobilidade das pessoas. Mas a retomada do pico de vendas brasileiro de 3,6 milhões de veículos, registrado em 2012, ainda é um horizonte distante, que dependerá do cumprimento de uma série de metas e desafios.

Esse assunto foi o alvo da oitava edição da pesquisa Cenários para a Indústria Automobilística Brasileira – realizada em fevereiro por Automotive Business e pela empresa de consultoria Roland Berger ¬–, que serve de bússola para o setor apontar o caminho da recuperação. O levantamento ouviu 532 profissionais da indústria e abordou temas como mercado, fornecedores, concessionárias e mobilidade, levando a uma reflexão de dirigentes e executivos sobre as estratégias das empresas nesse momento de transição.

“Uma conclusão ficou bem clara nesse contexto de pandemia. As montadoras precisam se reinventar”, afirma Marcus Ayres, sócio global da Roland Berger. “Há, por exemplo, muitos desafios na cadeia de suprimentos que exigem medidas severas.” A recuperação do setor, de fato, tem esbarrado na quebra de fornecimento de componentes, que representou 75% das respostas dos entrevistados a respeito do maior desafio na retomada de crescimento e confiança da indústria automotiva.

FALTA DE COMPONENTES É A NOVA REALIDADE

Devido à falta de peças, a General Motors foi forçada a parar a linha de montagem do Onix, o automóvel mais vendido do Brasil. Para a companhia, os problemas de fornecimentos de peças reflete fortemente no cronograma de produção e, consequentemente, na reação do mercado, ainda mais em se tratando de um modelo de alto volume e com muito conteúdo tecnológico.

“O fornecimento de autopeças é um problema global”, acredita Breno Kamei, diretor de portfólio, pesquisa e inteligência competitiva para a América Latina da Stellantis, holding multinacional recém-criada, que reúne marcas como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën.

“A pandemia causou uma parada brusca da produção e meses de demanda retraída. Os fornecedores ajustaram a capacidade de para esta realidade”, diz Kamei.

Para ele, as vendas de veículos serão retomadas gradativamente, no momento em que outros setores veem a demanda crescer durante a pandemia, como a indústria de eletrônicos e games. O resultado é uma escassez que deverá ser superada nos próximos meses. “Nossa estratégia é negociar com fornecedores e sincronizar o ritmo de produção com os fluxos de insumos e componentes”, revela.

O presidente da ZF América do Sul, Carlos Delich, explica que a falta de insumos afeta toda a cadeia automotiva e o desabastecimento de componentes eletrônicos mostra-se ainda mais crítico.

"Há execesso de demana para pouca oferta e diversos itens, como aço e resinas, sofreram pesados reajustes. FIzemos adaptações e, com criatividade, reutilizamos materiais de embalagem, a fim de evitar atrasos de entrega", conta Delich, da ZF.

QUEM VAI OCUPAR O ESPAÇO DEIXADO PELA FORD?

Mas recuperação da indústria e elevação nas vendas são fatores intrinsecamente ligados à inovação de produtos, o que ajuda a subir o safarro da competitividade entre as marcas. “O encerramento da produção da Ford do país abriu um espaço que as montadoras tentam ocupar”, salienta Marcus Ayres. A revisão e a renovação dos portfólios e a integração com a mobilidade são estratégias importantes apontadas pelos entrevistados.

“O perfil do consumidor está mudando”, avalia Breno Kamei. “A pandemia impôs novos ritmo e necessidades à vida das pessoas. A Stellantis encontra-se em sintonia com o comportamento do consumidor e suas tendências, para oferecer exatamente o que ele precisa.”

A GM enxerga maior interesse do consumidor por veículos tecnológicos e equipados. A montadora ressalta que, no caso do Chevrolet Onix, 65% das vendas são de versões sofisticadas, com direito a motor turbo, seis airbags, sistema de conectividade de última geração com wi-fi nativo e câmbio automático. Uma realidade diferente da de cinco anos atrás, quando as configurações mais completas do compacto respondiam por 40% do mix de vendas, ao passo que a transmissão automática estava presente em apenas 10% dos carros comercializados.

Os fabricantes de autopeças também estão alinhados com a procura do cliente por mais tecnologia. No ano passado, a ZF investiu 7,7% de seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento, a fim de se antecipar em novidades tecnológicas, principalmente quando o assunto é mobilidade.

“Temos projetos em andamento, que não serão paralisados em 2021, porque adotamos a filosofia de rápida transferência tecnológica. No Brasil, nossos times de engenharia estão sempre atentos às possibilidades de inovação de produtos e processos, de acordo com as necessidades dos clientes”, afirma Carlos Delich, da ZF.

Ao desenvolver produtos melhores, as fabricantes têm a chance de preencher o vácuo deixado pela Ford no mercado nacional. O consultor Marcus Ayres não acredita que a distribuição do “espólio” da Ford aconteça de forma homogênea entre os competidores. Segundo a pesquisa, os principais impactos do encerramento da produção da companhia serão maior concentração do mercado entre as montadoras, foco na lucratividade e entrada de novos players no Brasil.

Cerca de 34% dos entrevistados não acreditam que outras montadoras sigam o movimento da Ford e deixem o país em 2021. “A postura radical da Ford acende uma luz sobre a importância da lucratividade das operações”, diz Ayres. Kamei vai além:

"A marca norte-americana resolveu se concentrar em segmentos específicos, saindo do jogo em faixas importantes do mercado brasileiro. Todas as concorrentes disputarão estes pontos de participação, ainda mais valiosos em um cenário de forte competição e de retomada da demanda", salienta Kamei.

A pesquisa sinalizou que Stellantis, General Motors, Volkswagen e Toyota figuram como as montadoras mais bem preparadas para encarar os desafios de 2021, quando são levados em consideração fatores como retomada de crescimento, atendimento da demanda deixada pela Ford, desenvolvimento de novos modelos de negócios e introdução de tecnologias inovadoras. “As quatro são as protagonistas deste ambiente competitivo”, define Marcus Ayres.

No entender de Breno Kamei, já existe acentuada percepção sobre as fortalezas Stellantis. “Sabemos que o mercado automotivo passa por mudanças de patamar em termos de tecnologia e concepção de mobilidade. A empresa tem a exata dimensão da necessidade de investimentos em tecnologias, que terão maior alcance devido às sinergias possíveis. A fusão fortaleceu a Stellantis na América do Sul e na Europa, destacou sua presença na América do Norte e criou musculatura para se desenvolver na China, Índia e em outros mercados estratégicos”, destaca.

De acordo com a General Motors, estar preparada para os desafios que se impõem tem a ver com sua visão de um futuro 100% elétrico. Por isso, a empresa está investindo globalmente US$ 27 bilhões até 2025, com o objetivo de lançar 30 produtos eletrificados, de zero emissão. O projeto é ambicioso: ser neutra em carbono até 2040, maximizando a eficiência energética dos veículos da marca equipados com motores a combustão.

Para a ZF, a eletrificação tornou-se um tema essencial para a retomada de 2021. “É um dos pilares tecnológicos em que a ZF atua. Trata-se de uma demanda de nossos clientes, comprometidos em tornar a mobilidade cada vez mais elétrica”, afirma Delich. “A ZF anunciou o desenvolvimento de componentes de 800V para veículos elétricos, permitindo o carregamento da bateria em menos tempo.”

Segmento em expansão, o setor de autopeças, espera para 2021 crescimento de vendas e exportações, cujo maior empecilho para 71% dos entrevistados é o custo da matéria-prima. A lucratividade, porém, depende do aumento da produtividade e de parcerias estratégias. “Os fornecedores de componentes, insumos e suprimentos precisam ser mais estáveis em suas atividades. O momento requer parcerias para agilizar e viabilizar as operações”, decreta Ayres.

“É fundamental que a indústria de autopeças fique atenta à importância estratégica do setor automotivo nacional e da necessidade de mantê-lo atrativo, sustentável e condizente com as exigências do mercado. Nesse contexto, as parcerias são sempre bem-vindas”, completa Delich.

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