Falta de semicondutores causa estragos à esperada recuperação da indústria este ano

Falta de eletrônicos já provocou queda de produção, vendas e exportações; e pode ser pior no segundo semestre


PEDRO KUTNEY, AB

O desempenho dos fabricantes de veículos nos últimos dois meses confirma que a falta de semicondutores já causou estragos à esperada recuperação da indústria este ano. Somando automóveis, utilitários leves, caminhões e ônibus, as vendas domésticas de 175,5 mil representaram queda de 3,8%, na segunda retração mensal consecutiva, que foi de 3,3% em junho sobre maio, segundo resultados consolidados e apresentados na sexta-feira, 6, pela Anfavea, que reúne os fabricantes instalados no País.

Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, admite que o recuo do mercado está diretamente ligado à falta de produtos a entregar, situação causada pela crise global no fornecimento de chips, que está afetando severamente os níveis de produção, com paralisações ou redução do ritmo das linhas de montagem. Baseado em dados da consultoria Boston Consulting Group (BCG), Moraes estima que no primeiro semestre houve perdas de produção entre 100 mil e 120 mil veículos. Ele prevê que os gargalos nos suprimentos de semicondutores podem ser até piores nos próximos meses até o fim do ano, mas prefere não arriscar uma projeção de redução de unidades.

Na mais recente atualização de seu levantamento global sobre como a escassez de semicondutores está afetando a produção de veículos no mundo todo, a Automotive Forecast Solutions (AFS) aponta que o problema até o momento já afetou ou afeta 14 fábricas de oito fabricantes de automóveis e comerciais leves no Brasil, com perda estimada de produção de 244,8 mil unidades. Moraes destaca que parte dessas perdas podem ser recuperadas com horas extras assim que for normalizado o fornecimento de componentes, o que parece ser improvável nos próximos meses.

Além do desequilíbrio já causado pela pandemia de coronavírus na produção global de semicondutores, Moraes lembra que o problema vem sendo agravado por novos fatores entre os fabricantes na Ásia, a começar pelo incêndio em março passado na fábrica no Japão de um dos maiores fornecedores globais de chips eletrônicos, a Renesas Electronics. Um pouco antes, em fevereiro, a Samsung precisou fechar sua planta no Texas, Estados Unidos. Agora o problema é na Malásia, que decretou fechamento de unidades produtivas para conter o alastramento de uma nova onda de Covid-19.

“Existe demanda [para compra de veículos], mas o desafio é como atender esses pedidos no curto prazo com a falta de semicondutores. E o segundo semestre promete ser ainda mais desafiador, porque a bruxa está solta na produção global de chips. Todos os dias identificamos novos problemas de fornecimento, por isso é difícil fazer previsões”, afirma Luiz Calor Moraes.

Com a limitação no fornecimento de chips, a produção das fábricas brasileiras de veículos caiu do nível médio de 196 mil unidades/mês registrado entre janeiro e maio, para 167 mil em junho e 163,6 mil em julho, em queda mensal de 2% e de 4,2% quando comparado com o mesmo mês de 2020, quando a indústria ainda era mais afetada pela pandemia do que agora. O recuo também afetou as exportações, que despencaram em julho para 23,8 mil unidades, em forte retração de 29,1% ante junho.

PROBLEMA DESIGUAL

Até o momento a falta de eletrônicos afeta quase que exclusivamente a produção de automóveis e comerciais leves, que em julho teve leve queda de 2,3% sobre junho, mas expressiva retração de 9,3% em relação ao mesmo mês de 2020, enquanto a fabricação de caminhões teve forte alta de 117% sobre julho do ano passado e evoluíram 1,1% ante junho, agregando o melhor acumulado de sete meses desde 2013.

Essa desigualdade de desempenho se repete nas vendas domésticas. O emplacamento de automóveis teve o pior resultado mensal desde 2005, e como o segmento representa 75% do mercado nacional, puxou o todo para baixo. Enquanto isso, as compras de caminhões seguem em forte alta, de 5,3% contra junho, 25,5% na comparação com julho de 2020 e no acumulado de 2021 o salto é de 49,2%, com o melhor volume dos últimos sete anos.

Segundo explica a Anfavea, a falta de semicondutores afeta todos os segmentos, mas uns mais do que outros. Como os volumes de produção de caminhões são muito mais baixos que o de automóveis, a fabricação dos veículos pesados é menos afetada pela escassez de chips porque precisa de menos componentes.

Também há muita desigualdade de condições entre fábricas e fabricantes, de acordo com a estratégia de cada um para tentar contornar o problema com o menor prejuízo possível. Em muitos casos, as montadoras estariam direcionando os chips que conseguem comprar para unidades que fabricam veículos de maior valor agregado, como forma de reduzir as perdas. Por exemplo, no caso de um semicondutor de US$ 10 que equipa tanto um carro de US$ 10 mil e outro de US$ de 30 mil, a tendência é que o modelo mais caro receba primeiro o componente. Como o Brasil em geral produz automóveis mais baratos, poderia estar sendo mais prejudicado nessas alocações (ou racionamento) de eletrônicos.

O presidente da Anfavea reconhece que isso acontece nas negociações globais de fornecimento entre fornecedores e matrizes com suas subsidiárias, mas ele pondera que esse não é o único fator a ser levado em consideração. “Claro que existe uma certa briga diária para não ficar sem componentes, mas também existem contratos a serem cumpridos, com os concessionários por exemplo que não podem ficar sem produtos para vender”, garante Moraes.

Segundo ele, o mesmo raciocínio serve para as exportações. Os fabricantes não podem “desviar” tudo para atender só o mercado interno em momento de limitação da produção, “porque se não cumprirem os contratos, de uma próxima vez perdem o cliente no exterior”, diz.

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