Scania avança firme em seu programa de caminhões a gás

A Scania aposta na força dos motores a gás e na redução de emissões que a tecnologia proporciona a caminhões e ônibus


Com a venda de 400 caminhões movidos a gás natural ou biometano, a Scania avança firme em seu programa de oferecer ao mercado veículos que permitem diminuir a dependência de combustíveis fósseis e reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Em uma das negociações recentes, que se completará em 2022, a montadora vendeu 124 caminhões do gênero à Reiter Log, em operação na qual o operador logístico de Nova Santa Rita (RS) investe cerca de R$ 100 milhões.

A Scania encontrou inspiração no mercado europeu para lançar o conceito do caminhão a gás na Fenatran de 2019, que chamou a atenção do setor de transporte. No velho continente, em 2020, 6% das vendas de produtos da Scania foram a gás – quase 5 mil unidades entre caminhões e ônibus; 4% dos caminhões Scania vendidos eram a gás; para ônibus esta porcentagem chegou a 28%. Na América Latina, cerca de 2.700 unidades já foram vendidas – a maior parte de ônibus. 

Sílvio Munhoz, diretor de vendas de soluções da Scania no Brasil, fala com entusiasmo da operação que comanda na área de gás, que tem trazido surpresas positivas. Ele projeta a venda de outros 400 caminhões a gás em 2022 e enxerga com otimismo a evolução do segmento de mercado nos próximos anos. A Scania está sozinha nesse mercado – Volvo, Mercedes e VWCO não participam dos fornecimentos e a Iveco tem a intenção de dar os primeiros passos no setor de gás a partir de agora.      

Caminhões e ônibus a gás não são mais novidade na fábrica da Scania no Brasil, que avançou na tecnologia com a exportação de 1.200 ônibus a gás para a Colômbia. Os motores são importados da matriz sueca, mas o processo de nacionalização deve ser aberto em breve. O powertrain dos caminhões a gás da Scania já atende a legislação de emissões Euro 6, que deverá ser exigida no País a partir de 2023.
A frota a gás da Reiter Log terá no Sudeste e Sul os principais pontos de rodagem, cobrindo dez mil quilômetros por mês. O abastecimento do combustível será feito em postos ao longo da malha. “Há empresas que querem o veículo a gás dedicado e outras que preferem contratar por viagem”, afirma Vanessa Pilz, diretora comercial e de ESG da operadora logística. “Estamos investindo em projetos de sustentabilidade e otimistas”, explica.

Os caminhões pesados Scania com motores do ciclo Otto, movidos a gás natural ou biometano, são vocacionados para médias e longas distâncias. Os motores não são convertidos do diesel para o gás e têm potências de 280, 340 ou 410 cavalos. Segundo a empresa, a segurança é total em caso de acidentes ou explosão. Os cilindros e válvulas são certificados pelo Inmetro. Os cilindros, robustos, são produzidos com o mesmo material de ogivas de mísseis. Em caso de incêndio ou batida o gás é liberado para a atmosfera e se dissolve sem perigo de explosão. 

“Os veículos são mais silenciosos e têm força semelhante ao caminhão diesel”, garante Sílvio Munhoz, lembrando que há redução da contaminação do ar, diminuição de doenças respiratórias e dos custos públicos com saúde. No caso do biometano diminuirá a dependência de combustíveis fósseis, com redução de emissões de gases do efeito estufa.

A GEO Energética é uma das principais desenvolvedoras de soluções para a produção do biometano a partir de rejeitos orgânicos da agropecuária brasileira. “A Scania é a única fabricante de caminhões a gás do País e nós da GEO conseguimos desenvolver um tipo de combustível que pode substituir 100% o gás natural de fontes fósseis, e assim entregar uma solução limpa para o transporte logístico do país”, comenta Alessandro Gardemann, CEO da GEO Energética.

A Scania tem como meta reduzir 50% do CO2 nas suas operações até 2025 e 20% de seus produtos no período. Esse programa tem três pilares: eficiência energética; combustíveis alternativos e eletrificação; e transporte inteligente e seguro. “O emprego do GNV e biometano contribui para alcançarmos esses objetivos”, pondera Silvio Munhoz. Ao mesmo tempo, a solução do gás diminui significativamente a emissão de particulados e NOx. Se o biometano for empregado caem também a emissões de CO2 em 90%.

“Sou fã do gás, especialmente do biometano”, admite Silvio Munhoz, explicando que há uma quantidade enorme de produtos que podem ser aproveitados para sua obtenção, como restos de colheitas, vinhaça, sobras orgânicas das cidades e até subprodutos do tratamento de esgoto. A distribuição do gás, no entanto, ainda exige alguma ginástica. No caso do gás natural há cerca de 1.600 postos de combustível prontos para atender a demanda de veículos leves, mas que dependem de adequações para abastecer caminhões.

A importância do ESG

Até agora, a maior frota a gás já entregue ao mercado pela Scania foi endereçada à TransMaroni, que adquiriu 50 caminhões movidos a gás. Com isso, a transportadora inicia um novo posicionamento que traz a sustentabilidade como prioridade, e conclui um ciclo de investimento na ordem de R$ 50 milhões, em várias ações neste campo e não apenas relativas a essa compra.

A TransMaroni informa que seus veículos a gás serão usados nos segmentos alimentício, varejo, higiene e limpeza, cosméticos e e-commerce em diversos estados brasileiros. Parte dos veículos já tem contratos com B2W, Carrefour, Grupo Big, JBS, L´Oréal, Nestlé e Unilever.

“No início das vendas dos caminhões da Scania eram os embarcadores que estavam orientando as empresas que transferem suas cargas a buscar esta solução alternativa ao diesel. Ou seja, as grandes marcas têm a sustentabilidade como meta e reconhecem a importância de reduzir os impactos das atividades logísticas, contribuindo para as próprias metas relacionadas a ESG”, afirma Silvio Munhoz. “Esse cenário vem mudando. Os próprios transportadores estão buscando adotar práticas mais sustentáveis e nos procuram cada vez mais, ou seja, este é o movimento que passa a se tornar o normal. A TransMaroni é um grande exemplo desta mudança quando compra essa frota histórica e passa a oferecer ao mercado sem, necessariamente, já ter um contrato de frete”, completa.

Gustavo Maroni, diretor operacional da TransMaroni Transportes, diz que a empresa vem passando por mudanças estratégicas ao longo dos últimos anos, o mesmo acontecendo com o transporte de cargas, e nos últimos meses a sociedade. “Com a frota a gás entregamos um frete mais limpo, para tornar o mundo melhor. Acreditamos muito nesta filosofia do frete verde. O transporte não pode ser mais feito sem colocar a sustentabilidade entre suas prioridades”.

“As frotas de caminhões a gás custam um pouco mais do que as frotas de veículos a diesel. Mas a curto prazo provam sua sustentabilidade econômica”, explica Silvio Munhoz. Além disso, a ideia do frete verde, com redução de emissões, acaba sendo uma ótima solução para as empresas embarcadoras que valorizam a cultura do ESG, com as melhores práticas ambientais, sociais e de governança corporativa.

Volvo, VWCO e Iveco 

A Volvo não tem veículos a gás no Brasil, informa Marco Greiffo, responsável pela área de comunicação corporativa da empresa. 

Marcos Brito, diretor de comunicação corporativa da Volkswagen Caminhões e Ônibus, informa que a montadora tem como foco buscar a solução definitiva que maximiza os ganhos ambientais e sociais. “Alinhados com as tendências globais e a visão dos grupos Traton e Volkswagen, seguiremos desenvolvendo as soluções de transporte zero emissão e elétricas”, explicou a Automotive Business.

Já Marcio Querichelli, presidente da Iveco na América do Sul, destaca que no Brasil, com a lição de casa feita, a montadora parte para novos desafios com a consolidação do chamado Natural Power junto de grandes parceiros. “Temos expertise nesse tipo de tecnologia e, agora, chegou a vez de trilharmos esse caminho, irreversível, rumo à sustentabilidade aliada à rentabilidade da operação do cliente. Com orgulho lançamos o novo programa Brasil Natural Power, que vai desenvolver e adaptar nossa expertise global em combustíveis alternativos para os segmentos e condições brasileiras. Seremos a marca com a melhor e mais completa solução nesta área para nossos clientes.” Assim, na Iveco a ideia é iniciar o Brasil Natural Power com a utilização do gás natural em veículos pesados da marca.

Mercedes-Benz: eletromobilidade e HVO

A Mercedes-Benz foi uma das pioneiras em projetos de GNV entre as décadas de 80 e 90 para o segmento de ônibus. Na época, a infraestrutura e o custo de abastecimento tornaram o sistema pouco atrativo em comparação com tecnologias já existentes, como o tradicional diesel. A empresa chegou até a desenvolver motores dualflex, GNV/diesel, entre 2010 e 2014, mas o projeto também não avançou. 

Com o passar do tempo, as leis de emissões ficaram ainda mais restritivas, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento sustentável do nosso país, caminhando para um futuro com zero emissão de poluentes. Para a Mercedes-Benz, hoje, todo e qualquer investimento para o GNV será apenas transitório até que alternativas como a eletrificação e o hidrogênio possam ser viabilizadas em grande escala nacional, uma vez que o GNV não reduz em 100% as emissões de CO2, NOx e material particulado. Por essa razão, o grupo Daimler aposta na eletromobilidade como a tecnologia mais adequada para um transporte livre de emissões. A empresa recentemente anunciou para o mercado o primeiro chassi de ônibus elétrico da marca, o eO500U.

Além disso, o grupo Daimler também aposta mundialmente em soluções de transporte sustentáveis, como o HVO. “Este combustível sintético pode reduzir as emissões de efeito estufa de uma frota inteira, sem a necessidade de investimentos de infraestrutura. A disponibilidade dessa alternativa está em desenvolvimento pelos nossos fornecedores e já se encontra aprovada pela Mercedes-Benz”, informou a empresa em comunicado a Automotive Business.

O avanço do gás

Qual o atrativo para transportadoras e embarcadores investirem na aquisição de caminhões e ônibus movidos a gás natural veicular (GNV) ou gás biometano? Quem traz a resposta é Fábio Ferraresi, diretor da consultoria Power Systems Research: esses veículos se propõem a oferecer um custo operacional total menor, com menos ruído e menores emissões de CO, NOx e particulados que o diesel. Se a empresa proprietária tem produção de biometano, o custo da energia pode ser ainda menor.

Ferraresi explica que o Brasil deve se tornar o quinto maior produtor mundial de petróleo no ano de 2030. O gás é subproduto e o custo do produto para abastecimento é praticamente o custo da distribuição, que se tornará relativamente baixo no Sudeste e costa brasileira, bem como próximo a outras regiões produtoras on-shore. “A produção de gás será muito superior à demanda, e isso é o chamado choque da energia barata prometido pelo ministro Paulo Guedes em 2019, mas que ainda esbarra em gargalos de distribuição”, afirma.

Segundo o consultor, só a produção de gás natural em 2030 na casa de 120 milhões de m3/dia já será muito superior ao consumo na casa de 40 a 50 milhões de m3/dia no mesmo período. A esta produção, somam-se os estimados 70 milhões de m3/dia de biometano, que pode ser injetado na rede.

Ele lembra que, por outro lado, o gás (GNV) ou biometano tem uma densidade energética menor, ocupa mais volume no caminhão, o que pode competir com a carga em aplicações onde se necessita uma autonomia maior em quilômetro.

Ferraresi entende que a questão da densidade energética e a falta de infraestrutura de reabastecimento são limitadores para a penetração. “Por isso, enxergamos uma grande aplicação em ônibus urbanos, como já se verifica na Europa e outros países da América do Sul e que se verificará na China até 2030, em transporte de cargas urbanas e aplicações pesadas vocacionais de curtas distâncias, como usinas de cana, onde se produz biometano, transporte portuário e aplicações vocacionais. Nestes segmentos, a previsibilidade de rotas e menores distâncias facilitam a penetração da tecnologia do gás natural e biometano. Por outro lado, por questões de apelo ambiental e eleitoral, as cidades vêm preferindo direcionar as legislações e planos diretores locais para a aplicação em ônibus elétricos e isso concorre com a expansão do gás natural”.

No cenário mais provável, o consultor projeta um volume de produção de caminhões a GNV de 8% a 10% em 2030 e cerca de 20% dos ônibus urbanos também em 2030, o que corresponde ao volume de 17.000 caminhões e 3.500 ônibus produzidos no Brasil por ano no final de 2030. Ele ressalva que este volume poderia ser maior, caso a expansão da infraestrutura fosse acelerada.

Países destinos das exportações brasileiras, como Argentina, Chile, Colômbia, Peru, têm direcionado as licitações para ônibus elétricos e gás há vários anos. “Estamos falando de volumes totais menores, abaixo de 2.000 unidades por ano, mas importantes para as OEM e cadeias produtivas, principalmente ao levar em consideração o preço de cada veículo”, afirma Ferraresi.

GNV e emissões

Ferraresi esclarece que o nível de emissões de CO, NOx e particulado são menores para o gás, naturalmente, uma vez que as moléculas são bastante simples e garantem uma queima bastante limpa, comparado ao diesel. “É um combustível que, embora fossil, é muito melhor para o ambiente que o diesel”, comenta, lembrando no entanto, do ponto de vista de esforço para as montadoras no momento do Euro 6, o fato de existir uma opção com o gás no portfólio não muda muito o cenário. E explica: “isso acontece porque é grande o volume de produção e venda dos motores a diesel e deve ser assim por bastante tempo. E será necessário homologar os veículos a diesel, independente de terem opção a gás”.

Comitê estimula GNV

No início de setembro foi constituído o Comitê Nacional do GNV, com o propósito de estimular a competitividade do gás, o combate a fraudes e ampliação do conhecimento sobre o combustível. A entidade resultou de um acordo de cooperação entre a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Senai, Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios (Sindirepa) e Organização Nacional da Indústria do Petróleo (ONIP).

Gabriel Kropsch, vice-presidente da ABiogás e um dos idealizadores da iniciativa, explicou que o comitê é fruto de um trabalho de três anos para a articulação com as instituições que fazem parte do acordo técnico a fim de unificar as empresas dos diversos elos da cadeia do GNV no Brasil. “O desafio do comitê é buscar pautas que sejam comuns às empresas em todos os elos da cadeia do GNV. Dentro do comitê, vamos avaliar o que é comum a todos”, destacou.

O comitê já tem algumas agendas em andamento, a maioria na esfera estadual com o objetivo de levar o desconto do IPVA para carros movidos a gás. A entidade também está envolvida nos projetos de ônibus a gás ou biometano e na implantação dos corredores sustentáveis, programa do Ministério da Economia que prevê a instalação de postos de gás para caminhões nas principais rodovias.

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