Volkswagen anuncia um novo ciclo de investimentos na região

Aportes vão financiar digitalização, descarbonização e nova família de carros de entrada, a começar pelo Polo Track em 2023


Pedro Kutney, AB

Com a volta à lucratividade confirmada em 2021 na América Latina, após quase uma década de prejuízos, a Volkswagen anunciou na sexta-feira, 5, um novo ciclo de investimentos na região, de R$ 7 bilhões até 2026, que sucede o programa anterior também de R$ 7 bilhões aplicados de 2017 a 2020. Desta vez os aportes serão divididos entre as operações no Brasil e na Argentina e vão financiar projetos de digitalização, descarbonização e uma nova família de carros de entrada, a começar pelo até agora conhecido como Polo Track, aparentemente um hatch, que será produzido em Taubaté (SP) e lançado em 2023.

Segundo Pablo Di Si, presidente da Volkswagen América Latina, 100% dos recursos do novo programa serão financiados no Brasil, por bancos privados e pelo BNDES. A empresa assinou nesta semana um protocolo de intenções para usar linhas de crédito do banco brasileiro de fomento voltadas ao desenvolvimento de projetos de descarbonização no País, onde se inclui o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Biocombustíveis inaugurado este ano em São Bernardo do Campo (SP), sede regional da companhia.

“Sempre defendi que temos de andar com as nossas próprias pernas, ser uma empresa lucrativa e sustentável na região, com recursos da região. Isso tornou possível esse novo ciclo de investimentos, que será usado para desenvolver aqui soluções próprias e com potencial de exportação”, afirmou Pablo Di Si.

De acordo com o executivo, os recursos já começaram a ser aplicados este ano, principalmente em modernizações industriais das fábricas que vão produzir os novos carros de entrada. A nova família deverá ter de três a quatro modelos, que serão construídos sobre uma versão simplificada da plataforma global do Grupo VW, a MQB – já aplicada aqui no Polo, Virtus, T-Cross, Nivus e Taos. O objetivo é baixar os custos da MQB com a aplicação de mais componentes nacionais. 

Nova aposta no segmento de entrada

A nova família deverá substituir parte da linha atual de carros mais baratos da marca vendidos hoje na região. Di Si confirmou o fim da produção do Fox em São José dos Pinhais (PR) – que deverá seguir fazendo só o T-Cross, que atualmente preenche toda a capacidade da planta. Já o Gol, hoje produzido em Taubaté, seguirá em linha pelo menos até o fim de 2022, quando o Polo Track deverá substituí-lo – não se sabe ainda se exatamente com esse nome; como também é possível que os veículos da nova família “Track” possam substituir as atuais versões de Polo e Virtus. 

“Por força da legislação mais rígida, os carros na região estão cada vez mais seguros e eficientes, reduziram as emissões e o consumo. Isso é muito positivo, mas aumenta o valor dos carros e temos de pagar esse preço, vamos conviver com essa transformação do mercado. Nesse cenário o segmento de modelos de entrada está diminuindo, mas não desaparece, vai continuar relevante ainda por muito tempo na região”, avalia Di Si, para justificar o investimento na nova família.

Ele reforça, no entanto, que os demais produtos – 20 deles lançados entre 2017 e 2021 – continuarão a receber investimentos, tanto no Brasil como na Argentina. Está nos planos a introdução de modelos com propulsão híbrida flex, que mistura a motorização elétrica com a combustão bicombustível etanol-gasolina. “Ao fazer flex, poderemos exportar esses veículos inclusive para países que não têm etanol, por isso serão produtos globais, não são uma 'jabuticaba' que só serve para o mercado brasileiro”, explica Di Si. 

Mais digitalização e descarbonização

Assim como já acontece em boa parte do mundo, a Volkswagen pretende aumentar o grau de digitalização de seus produtos também na região da América Latina, mas usando uma solução desenvolvida no Brasil, o VW Play que já equipa diversos carros da marca por aqui. Parte dos novos investimentos serão direcionadas para o desenvolvimento de uma nova geração do sistema de infoentretenimento a ser lançada até o início de 2023. De acordo com a fabricante, a evolução do VW Play permitirá que os motoristas se mantenham conectados, expandindo a conectividade para fora de seus veículos e ao mesmo tempo acrescentando novos itens e serviços à plataforma.

“É muito importante termos uma solução de conectividade integralmente desenvolvida na região como é o VW Play, porque com isso podemos oferecer uma opção mais barata e desenvolver atualizações muito mais rápidas”, explica Di Si. A ideia central é acelerar o ritmo de transformação da Volkswagen em uma fornecedora de mobilidade sustentável orientada por software. 

Para acompanhar o plano global de descarbonização “Way to Zero” da Volkswagen, que prevê o abandono do motor a combustão e a conversão para a eletrificação na Europa até o fim desta década, a subsidiária brasileira aposta nos biocombustíveis, com novos desenvolvimentos de motorizações flex e trem-de-força híbrido. “Este é o melhor caminho para a região, onde não é possível destinar bilhões de euros para fábricas de baterias e incentivos a carros elétricos”, defende Di Si. 

O Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Biocombustíveis vai trabalhar nessas duas frentes de motorizações flex e híbridas, e coloca no horizonte o “sonho” de desenvolver aqui células de combustível – um gerador eletroquímico para alimentar veículos elétricos – que extraem hidrogênio do etanol. “Para isso vamos atuar com centros universitários de pesquisa no País, já assinamos um convênio com a Unicamp e vamos buscar mais alternativas, mas é algo que ainda não sabemos quando poderá ser viabilizado”, diz o executivo.

A volta do lucro

Voltar a ser uma empresa lucrativa na região, segundo Di Si, foi fundamental para viabilizar o novo ciclo de investimentos com recursos próprios. “Vamos ter lucro e fluxo de caixa positivo este ano. Apesar dos problemas que enfrentamos, estamos conseguindo superar e devemos continuar rentáveis nos próximos anos”, confirma.

“Temos demonstrado que podemos ser lucrativos na América Latina, apesar de enfrentarmos condições desafiadoras em um mercado menor em geral. Vamos continuar agora a investir em projetos específicos que assegurem a lucratividade sustentável da Volkswagen no futuro”, declarou em nota Ralf Bradstätter, CEO global da marca VW – ele deveria estar presente no anúncio do novo ciclo de investimentos, mas foi chamado a uma reunião com o governo alemão.

Apesar do impacto da pandemia no ano passado e da falta de semicondutores que este ano provoca paralisações da produção em diversas fábricas da Volkswagen na região, Di Si explica que foi possível voltar à lucratividade graças a um conjunto de ações de várias áreas da empresa, que envolveram cortes de custos operacionais, novo acordo com os trabalhadores e redução do quadro e, principalmente, a renovação total da gama de veículos iniciada ainda em 2017, com o lançamento de 20 novos carros desde então. 

“Se tivéssemos continuado com o mesmo portfólio de 2017, certamente não seria possível retomar a lucratividade na região. Se não fazemos o que o consumidor quer, não tem como crescer. Renovamos toda a gama, tínhamos zero SUVs na linha, hoje temos cinco. Isso fez toda a diferença”, conclui Di Si. 

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