Biometano: revolucionando o mercado de gás
Carla Legner Edição Nº 112 - Setembro/Outubro 2021 - Ano 20 -
Em um mundo onde questões ambientais e de sustentabilidade são cada vez mais relevantes, a geração de energia com baixa pegada de carbono
Em um mundo onde questões ambientais e de sustentabilidade são cada vez mais relevantes, a geração de energia com baixa pegada de carbono ganha visibilidade e projeção. Nesse cenário, o biometano desponta como uma grande aposta para substituir um recurso finito como o gás natural.
Trata-se um combustível produzido por meio da purificação do biogás. É originário da decomposição biológica de produtos ou resíduos orgânicos, tais como resíduos sólidos urbanos, agroindustriais, torta de filtro proveniente da produção do Etanol, entre outros. A purificação consiste na remoção de dióxido de carbono e outras impurezas presentes no biogás, formando assim um gás com alto teor de metano (CH4).
Nicolas Berhorst, coordenador de inteligência de mercado CIBiogás, explica que toda matéria orgânica se decompõe através da presença de oxigênio (aeróbica) ou na ausência dele (anaeróbica). Na primeira situação são liberados especialmente água, CO2 e calor, enquanto na segunda, libera-
se água, CO2 e metano, que também pode ser chamada de biogás.
“Quando esse gás passa por um processo de limpeza (ou purificação, conforme definido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANP), obtemos o biometano com um maior poder calorífero que o biogás. Sua utilização pode ser para os mesmos fins que o gás natural de origem fóssil, ou seja, para uso veicular, industrial ou domiciliar, além da geração de energia elétrica, porém de forma 100% renovável” - enfatiza Berhorst.
Na composição do gás natural 85% dele é metano, enquanto o restante são outros gases chamados de hidrocarbonetos (etano, propano, butano, etc). No caso do biometano, ele deve atingir o nível mínimo de 90% de metano para ser intercambiável ao gás natural, conforme especificado pela Agência Nacional de Petróleo.
As Resoluções nº 8/2015 e 685/2017 regulamentam os parâmetros mínimos para que o biometano possa ser intercambiável ao gás natural. A resolução nº 8 de 2015 disserta sobre biometano produzido a partir de resíduos da pecuária e agroindústrias enquanto que a nº 685 de 2017 discorre sobre as características do energético proveniente do setor de saneamento (ETEs e Aterros). As licenças apresentam padrões diferentes, pois no caso do setor de saneamento, o biogás contém contaminantes exclusivos como os siloxanos, o que requer tratamento especial.
Além disso, Tamar Roitman, gerente executiva da Associação Brasileira do Biogás - ABiogás destaca que com a recente Lei nº 14.134/2021, a lei do gás, o biometano aderente às especificações das resoluções da ANP tem tratamento regulatório equivalente ao gás natural. “Pode ser injetado nas redes de gasoduto ou ser transportado na forma comprimida por meio de carretas, e utilizado em diversas aplicações” – enfatiza. Alex Gasparetto, diretor-presidente da GasBrasiliano explica ainda que ele pode ser misturado ou não ao gás natural, e ser consumido normalmente pelos usuários finais de gás canalizado.
Mercado de gás
Com a abertura do mercado de gás, o biometano terá a mesma possibilidade de expansão do gás natural, porém com alguns diferenciais importantes que precisam ser devidamente valorizados. “Enxergamos o biometano como complementar ao gás natural, por sua característica de poder ser produzido no local de consumo, principalmente no interior do país onde não há gasoduto, contribuindo para a ampliação da oferta de gás” – enfatiza a gerente executiva da ABiogás.
É importante ressaltar que a partir de 2015, a ANP considera que o biometano deve ser tratado de forma análoga ao gás natural, desde que a sua qualidade cumpra com os pré-requisitos estabelecidos pela agência. Ambos os energéticos apresentam similar densidade energética, transportabilidade e armazenabilidade, por isso pode ser aplicado nas mesmas instalações utilizadas para o gás natural.
Além disso, Berhorst explica que o biometano oferece uma importante fonte de monetização para o mercado de gás ao ser utilizado como combustível renovável no abastecimento de veículos, com o potencial de substituir o diesel, GLP, GNV e outros combustíveis fósseis, contribuindo para a descarbonização da mobilidade urbana.
De acordo com ABiogás a procura no mercado de gás é principalmente entre empresas com metas de descarbonização que estão adotando o biometano como combustível no transporte de carga. A associação calcula um potencial de 120 milhões de m³/dia, correspondente a 70% do consumo de diesel. “Hoje geramos cerca de 400.000 m3/dia de biometano com oito usinas operantes que juntas acumulam R$ 680 milhões de investimento inicial. Ou seja, um setor em constante crescimento” - destaca Tamar.
Para Gasparetto, o biometano é uma nova opção de suprimento para o mercado de gás com a vantagem de ser produzido próximo aos polos consumidores e demandar menores investimentos na construção de gasodutos, fato que permite disponibilizar o gás para mercados que eram tratados como desafiadores de serem atendidos.
“Podemos citar como exemplo o Projeto Cidades Sustentáveis, idealizado através de uma parceria entre GasBrasiliano e Usina Cocal, que permitiu oferecer biometano produzido pela usina aos municípios de Narandiba, Pirapozinho e Presidente Prudente, em um sistema de distribuição isolado. Antes, qualquer projeto nessa região era economicamente inviável por estar distante dos gasodutos em operação no país” – ressalta o diretor-presidente da empresa.
Ainda segundo ele, no Brasil, as fontes de produção que apresentam o maior potencial são os resíduos da indústria sucroenergética, principalmente a vinhaça, e os resíduos gerados pelas áreas urbanas que podem ser sólidos (lixo orgânico) e líquidos (esgoto).
Sustentabilidade e principais benefícios
Em termos de benefícios, o mais evidente é o ambiental. Ao transformar passivos ambientais em ativos energéticos, o biometano ajuda a reduzir as emissões de gases do efeito estufa e promove a correta destinação dos resíduos. Segundo Tamar, o aproveitamento energético dos resíduos da agropecuária e saneamento, com a produção de combustíveis renováveis, tem impactos diretos na descarbonização da economia, na destinação correta e tratamento.
A geração descentralizada também é outra característica muito importante, porque o Brasil conta com uma estrutura de gasodutos muito reduzida, e a possibilidade do produtor utilizar a biomassa para produzir sua própria energia promove eficiência energética, desenvolvimento econômico e social. Ainda se pode utilizar este energético como combustível para sua própria frota e maquinário, tornando-se autossuficiente.
“O biometano ao substituir o diesel reduz as emissões de gases de efeito estufa em mais de 96%. É o combustível com menor pegada de carbono e que contribui para reduzir impactos ambientais com a destinação incorreta de resíduos. Ao ser utilizado em veículos pesados, o biometano também reduz em 20% o nível de ruído” – destaca Tamar.
Além disso, tem sua rota incluída na Política Nacional de Biocombustíveis, o Renovabio. Isto é, o produtor pode emitir CBIOs (créditos de descarbonização) ou mesmo funcionar como uma forma de diminuir a pegada de carbono de outros biocombustíveis com a substituição do diesel utilizado nos processos produtivos, de logística e maquinário agrícola.
“É um produto que traz para o mercado a oportunidade de novos negócios, o que contribui para o desenvolvimento tecnológico e econômico, diversifica e enriquece a matriz energética do país, além de ser um combustível renovável que contribui com a minimização das emissões dos gases de efeito estufa na atmosfera” – enfatiza Carolina Murakami de Oliveira, engenheira ambiental da Ecotecco.
Ela explica ainda que por ser uma fonte de energia renovável, contribui para a redução dos impactos em termos de aquecimento global e é economicamente vantajosa, possuindo o mesmo nível de rentabilidade que outras fontes de energia não renováveis. “Em termos de sustentabilidade, é uma fonte de energia alternativa menos poluente e por isso trata-se de uma opção promissora, pois cada vez mais busca-se por soluções viáveis em substituição às fontes de energia utilizadas atualmente” – afirma.
O fato é que o biometano é uma solução muito inteligente para a gestão de resíduos orgânicos, muitas vezes transformando passivos ambientais em ativos. Segundo Berhorst só de ser um combustível de origem fóssil, já é por si só um enorme benefício, mas sua utilização impacta ainda de forma muito positiva nos níveis de poluição atmosférica. “Outro ponto marcado pelo biometano é o seu elevado potencial de produção no Brasil, por sermos um país agrícola” – destaca.
Investimentos do setor e retorno financeiro
De maneira geral, o investimento nesse mercado trará diversos benefícios para o país. Segundo Carolina a utilização do biometano não só impacta positivamente o meio-ambiente, mas também impulsiona o setor socioeconômico. Desta forma, o Brasil poderia suprir boa parte da demanda por combustíveis fósseis com a produção de biometano, reduzindo a necessidade da importação.
E, é claro que com o crescimento deste mercado, oportunidades de investimento e de novos negócios também cresceriam, o que poderia acarretar em novos empregos, especialmente no interior do país, uma vez que o potencial de produzir esse biocombustível com resíduos agropecuários é elevado.
Para a IGÁS, o biometano apresenta, além dos parâmetros ambientais, vantagens econômicas, operacionais e sociais, em comparação aos combustíveis concorrentes. Econômicas, por se tratar de um combustível renovável e produzido localmente, é reajustado pelo IPCA e não tem indexação nenhuma com o dólar ou as cestas de óleo cotadas na moeda internacional. Isto possibilita ao consumidor ter previsibilidade de preço e melhor programação de fluxo de caixa.
Operacionais, uma vez que se trata de um combustível com alto nível de pureza, prolongamos a vida do útil do equipamento que o consome, diminuindo a necessidade de manutenções e garantindo máxima performance em disponibilidade.
“As vantagens ambientais e sociais andam de mão dadas, haja vista que melhora a qualidade do ar, diminui-se as emissões de gases de efeito estufa e material particulado, além de impactar positivamente a sociedade perante a inserção de novas tecnologias para geração de empregos e renda” – afirma Hernán Zwaal, diretor de negócios internacionais & desenvolvimento do Grupo IGÁS.
O mercado do gás natural já está bem concretizado e estabelecido em diversos países, mas no Brasil ele ainda é muito pequeno se comparado ao potencial que pode alcançar. O mercado do biometano ainda está em fase embrionária, começando o seu desenvolvimento, mas já se percebe um crescimento na demanda, os automóveis movidos a biometano estão abrindo esse mercado.
Zwaal destaca que a Scania, por exemplo, foi a primeira a lançar no mercado brasileiro um caminhão a biometano ou GNV, e espera atingir 200 caminhões vendidos só em 2021. Empresas como a PepsiCo e Ambev, e as transportadoras Carsten e Transtassi, já operam com caminhões a biometano. A New Holland levou o biometano para os tratores.
Outro fator que impulsionou o desenvolvimento do setor foi a nova Lei do Gás, já mencionada anteriormente, que alterou o monopólio do mercado aumentando sua concorrência ao permitir e estimular a entrada de novos fornecedores de gás. Aliado a isso, um número maior de empresas está buscando ser mais sustentáveis. Nesse cenário, boas práticas de investimento, focada não somente no lucro, ganham espaço e importância.
O tripé ESG (Environmental, Social e Governance) passa a ser mensurado e considerado em decisões estratégicas de empresas conscientes, já que fundos como o BlackRock, que tem enorme influência sobre o mercado, adotam esses princípios para reger investimentos.
“As empresas que investem em ESG procuram opções energéticas que protejam os recursos naturais e reduzam a emissão de poluentes, benefícios que o biometano proporciona de forma economicamente viável. Além disso, possui grande potencial para diversificar e oferecer maior segurança a matriz energética nacional, reduzindo a dependência pela energia hidrelétrica que sofre com a escassez de chuvas por exemplo” – enfatiza Gasparetto.
Segundo Zwaal, desde os pequenos consumidores até as indústrias multinacionais têm se interessado cada vez mais pelo uso do biometano em substituição aos combustíveis fósseis. Muitas destas necessidades passam por questões econômicas, melhorias nos processos e acabamento de produto, ou até mesmo por diretrizes internacionais a serem seguidas pelas subsidiárias no Brasil. As agendas ESG nunca estiveram tão em destaque na economia mundial e isto está acelerando o processo de transição para o seu uso e o de outras matrizes energéticas no Brasil.
“O biometano, assim como o gás natural, é versátil e pode ser aplicado em substituição a combustíveis sólidos (biomassa), líquidos (óleo combustível, diesel, gasolina) e gasosos (glp), inclusive, podendo ser utilizado para gerar eletricidade. De forma geral, possui melhores condições de queima e, consequentemente, menor nível de emissões atmosféricas” – afirma Alex Gasparetto.
Ainda segundo ele, outra vantagem é a sua distribuição através da rede de gasodutos, ao contrário dos demais energéticos que são transportados por rodovias, retirando caminhões de circulação, liberando o fluxo da malha rodoviária e isentando os consumidores finais da gestão de estoque de combustível visto que a rede de gasodutos proporciona o fornecimento contínuo.
“É uma alternativa excelente do ponto de vista de sustentabilidade por ser produzido através de fontes renováveis, além de destinar corretamente e agregar valor em produtos que seriam tratados como rejeitos” – finaliza o diretor.
Contato das empresas
ABiogás - Associação Brasileira do Biogás: www.abiogas.org.br
CIBiogás: www.cibiogas.org
Ecotecco: www.ecotecco.com.br
GasBrasiliano: www.gasbrasiliano.com.br
IGÁS: www.igas.com.br