Interação entre a lignina e a celulose confere à biomassa o que chamamos de recalcitrância

Biomassa em processos industriais que visao refino e a obtenção de bioprodutos


Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) fizeram um experimento inédito que aprofunda o conhecimento sobre a interação entre a celulose e a lignina – dois importantes componentes da parede celular da cana-de-açúcar e de outros vegetais. A adesão entre essas duas biomacromoléculas dificulta a desconstrução da biomassa em processos industriais que visam o refino e a obtenção de bioprodutos.

“A interação entre a lignina e a celulose confere à biomassa o que chamamos de recalcitrância, o que torna as fibras bastante coesas. Os processos usados para fracionar a biomassa e separar os biopolímeros de interesse demandam altas temperaturas, pressão, quantidade bem elevada de produtos químicos”, explicou a pesquisadora Juliana Bernardes à Assessoria de Comunicação do CNPEM.

Em muitos processos, mesmo após etapas de separação desses materiais, a lignina pode voltar a se depositar sobre superfícies de celulose, dificultando a ação de enzimas usadas para quebrar a celulose em açúcares e nanoestruturas.

“Entender profundamente sobre como essa interação ocorre, considerando a estrutura cristalina da celulose, é bastante importante para o desenvolvimento de processos mais eficientes de transformação da biomassa em biocombustíveis, bioquímicos e biomateriais”, disse, também à Assessoria de Comunicação do CNPEM, o pesquisador Carlos Driemeier.

No estudo divulgado na revista Nanoscale, os cientistas combinaram pela primeira vez recursos de microscopia avançada, ferramentas de aprendizado de máquina e simulações de dinâmica molecular para diferenciar facetas cristalinas de celulose e medir a relação de forças que atuam na interação com a lignina.

Para isso, usaram inicialmente um microscópio de força atômica (AFM, na sigla em inglês), instrumento capaz de mapear a superfície de materiais com alta resolução, medir variações em escala nanométrica e obter dados precisos sobre a relação de forças entre eles.

A ponta da sonda do microscópio, que tem 10 nanômetros de diâmetro, foi modificada para receber uma camada de lignina – técnica desenvolvida no CNPEM.

Como as áreas de contato nas facetas da superfície da celulose têm medidas nanométricas e algumas vezes dimensão molecular, a sonda consegue diferenciar as variadas faces da celulose, fazer as medidas de indentação e interação.

“Foram feitas imagens de 1024 x 1024 pixels. Cada pixel ali era uma curva força-distância. Então, depois de alguns experimentos, foram obtidos milhares de dados de força curva-distância, que são parâmetros fundamentais para compreender a adesão ou a falta de afinidade entre a celulose e a lignina”, revelou Bernardes.

Algoritmos de aprendizado de máquina foram empregados para agrupar as curvas medidas em tipos de interação entre celulose e lignina. Essa tipificação foi confirmada por simulações computacionais executadas com recursos do supercomputador Santos Dumont do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).

A investigação recebeu financiamento da FAPESP por meio de cinco projetos (14/50884-516/04514-717/02317-219/04527-0 e 20/07794-6).

Resultados

Os experimentos revelaram detalhes inéditos das propriedades de interação das duas biomacromoléculas e demonstraram uma grande variedade de condições capazes de afetar a adesão entre a lignina e a celulose.

A presença de água como solvente se revelou um relevante mediador das condições de coesão, porque as propriedades hidrofóbicas e hidrofílicas também variam entre as diversas facetas da celulose expostas à interação com a lignina.

A abordagem estabelecida nesta pesquisa amplia o potencial da ciência de dados e dos algoritmos de aprendizado de máquina empregados em conjunto com AFM, podendo ser aplicada a outros sistemas onde as heterogeneidades na superfície em nanoescala desempenham um papel importante nas interações adesivas.

“Todo esse entendimento mais fundamental, com identificação das forças que atuam em diferentes condições, é muito importante porque nos ajuda a propor novos métodos que podem contribuir para desestabilizar essas interações e obter uma separação mais eficiente”, avaliaram os pesquisadores.

O artigo How lignin sticks to cellulose – insights from atomic force microscopy enhanced by machine-learning analysis and molecular dynamics simulations pode ser acessado em: https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2022/NR/D2NR05541D.

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