Brasil é rico em recursos renováveis para produção de energia hidráulica, solar eólica e a partir da biomassa, biogás e biocombustíveis

O termo refere-se à descentralização da produção para países próximos a centros de consumo e que oferecem alto potencial de energias renováveis


Na corrida para frear o aquecimento global e reduzir as emissões de gazes de efeito estufa, os países que têm disponibilidade de fontes de energia limpa, segura, barata e abundante saem na frente. O Brasil é um país rico em recursos renováveis para produção de energia hidráulica, solar eólica e a partir da biomassa, biogás e biocombustíveis. Toda essa vantagem competitiva tem desempenhado um papel relevante para o desenvolvimento do “powershoring”.

O termo refere-se à descentralização da produção para países próximos a centros de consumo e que oferecem alto potencial de energias renováveis, para a atração de investimentos industriais. O CAF - Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe lidera essa agenda na região e acabou de firmar parceria com a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT para atender a crescente demanda de normas técnicas em powershoring.

O CAF promove um modelo de desenvolvimento sustentável por meio das operações de crédito, recursos não reembolsáveis e apoio em estruturação técnica e financeira de projetos dos setores público e privado da América Latina.

O vice-presidente do CAF, Jorge Arbache, convidado a palestrar na abertura da reunião anual da Comissão Pan-Americana de Normas Técnicas – COPANT, nesta terça-feira dia 29 de abril, em Maceió, concedeu entrevista à ABNT.

1- O que é Powershoring e quais são as oportunidades para o financiamento climático e a economia circular?

R.: O Powershoring é uma estratégia empresarial em tempos de descarbonização que visa a produção eficiente para exportação. Esse é um conceito importante não para empresas que estão no Brasil, por exemplo, porque já produzem em ambiente em que as emissões são relativamente baixas para padrões internacionais. Bem baixas, na verdade.

Como exemplo, se você comparar as emissões industriais no Brasil com as emissões industriais da Europa e Estados Unidos, a gente é uma fração, em parte porque a energia do grid já é verde, em boa parte. Isso é relevante para empresas estrangeiras, especialmente. E o ponto é que países como o Brasil, mas outros da região também, têm uma matriz elétrica bastante verde e eles podem acomodar os interesses dessas empresas.

Então, o Powershoring é uma grande oportunidade para o Brasil e para o país da região, porque você pode, via atividade econômica, atender os interesses de empresas estrangeiras, mas também os interesses do país, seja do ponto de vista social e econômico, seja também do financiamento climático, que é outra parte do título da palestra.

O financiamento pode ser feito de três formas: por empréstimo no mercado, pedindo que os países ricos financiem a agenda do clima, ou entrando nas cadeias de valor, com algo que você tem vantagens comparativas e que atende aos interesses de todos. No nosso ponto de vista, essa é a maneira mais sustentável e sustentada de fazer o financiamento climático.

2- Quais são os benefícios do Powershoring e os seus potenciais para o Brasil?

R.: No Brasil, a região mais potencialmente beneficiada é a região do Nordeste, devido a questões geográficas e naturais, como eólica, solar, mas também a posição geográfica propriamente dita, está mais perto da Europa e dos Estados Unidos, e também por questão de disponibilidade de portos e zonas industriais abastecidas por energia verde.

Então, em poucas palavras, o Powershoring atende aos interesses do clima, porque ele acelera a descarbonização em nível global, ele atende às empresas que veem nessa estratégia uma receita para enfrentar custos de energia e outros custos, mas também compliance ambiental, pois atende aos interesses dos consumidores.

Além de atender aos interesses dos governos, porque essa estratégia ajuda e acelerar o alcance dos NDCs dos países e reduz o custo da transição energética, substitui os produtos de cinza para verde. No final das contas, o balanço é muito favorável.

3- Qual é a importância da Normalização para o Powershoring?

R.: No momento em que se discute Normalização, nos deparamos com algumas definições, por exemplo, do que é limpo, que tipo de produção que é limpa, o que é um aço limpo, o que é um aço verde, o que é uma manufatura verde, um cimento verde... É nessa hora que se que faz necessário ter uma Normatização, pois ela define critérios necessários para a implementação do Powershoring, além de trazer vantagens competitivas aos negócios e abrir mercados. A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT é um parceiro estratégico do CAF nesse sentido.

4- Qual é a atuação do CAF nessa agenda?

R.: O CAF vem negociando linhas de crédito junto a instituições brasileiras para financiar investimentos na área. O Brasil tem condições claras de ocupar posição de destaque em relação a atrair investidores e clientes em busca de powershoring. Além de contar com uma matriz energética majoritariamente verde, tem a maior reserva de água doce do mundo, muitas reservas minerais da nova economia, além da maior floresta tropical e diversificada biodiversidade. É grande produtor de alimentos, pioneiro na produção de biocombustíveis e tem condições de sediar um mercado global de créditos de carbono e de bioeconomia.

Nesse sentido, instituições financeiras de desenvolvimento brasileiras como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, já estão trabalhando na criação de empréstimos internacionais e outros instrumentos que viabilizem investimentos na infraestrutura para powershoring em diversas regiões do país. O Ministério de Indústria e Comércio vem preparando uma nova política industrial que abordará de forma direta o assunto.

5- O Brasil lidera essa agenda de transição energética, na sua opinião?

R.: Sim, 93% da matriz elétrica brasileira já é verde, resultado de inúmeras ações que aconteceram nas últimas décadas. Enquanto isso, muitos países estão fazendo grandes investimentos para, quiçá, em 2050, chegar à matriz que a gente tem.

Outros países da região podem até ter matrizes mais verdes do que a nossa, chegar a 100%. Porém, são países pequenos e que tem um raio de alcance bem menor do que a nossa para acomodar esse tipo de estratégia.

É importante ressaltar que esse processo de transição está em curso. E o que tem sido feito um esforço grande para acelerar essa agenda, em um trabalho em conjunto com outros bancos, governos e academia, associações empresariais e tantas outras, para remover obstáculos que viabilizem a aceleração da transição energética.

6- Quais são os principais obstáculos e entraves?

R.: São de ordem interna e externa. Em resumo, os de ordem interna passam por riscos ao investimento, que inclui segurança jurídica e outros, e ao financiamento. Em relação aos riscos externos, são especialmente as barreiras tarifárias e não tarifárias, aspecto esse que que já levamos inclusive ao debate com a ABNT.

Isso porque alguns países têm implementado políticas de protecionismo, subsídios e discriminação a produtos verdes para proteger o mercado interno e beneficiar grupos e setores muito pontuais.

Muitos deles se apresentaram como entusiastas do livre comércio e da redução de barreiras tarifárias, mas quando aparece uma oportunidade de grandes vantagens competitivas nos países em desenvolvimento, aí o jogo muda. O livre comércio meio que desaparece.

Os amplos subsídios, eles agora começam a ser tolerados por uma questão de uma narrativa de benefício da sociedade por uma economia verde. Só que você não consegue alcançar esse benefício da humanidade por uma produção mais verde na América Latina, por exemplo. Então, acho que esse é um ponto que é importante destacar.

7- Como então defender a agenda do clima diante desses desafios?

R.: Defendemos a agenda do clima, que se beneficia do comércio e do investimento. A economia circular, no final das contas, busca a maior eficiência e uso mais racional dos recursos escassos.

Então, na medida que você pode reaproveitar, tratar resíduos, dar vida nova a vários produtos ou subprodutos, recriando ou inovando, gerando novos modelos de negócio, tudo isso cria uma base de sustentabilidade mais ampla. Isso tudo é possível? Sim, é possível e já está acontecendo em toda América Latina, nos projetos que acompanhamos, com ideias inovadoras e novos modelos de negócio.

8- Quais tecnologias emergentes estão impulsionando a transição para a economia circular?

R.: Hoje a grande aposta do mundo é o hidrogênio verde, sem esquecer das energias renováveis como a eólicas e solar, cujo o custo de operação caiu muito na última década e se tornou competitivo. Há também uma discussão importante sobre minerais de terras raras e biocombustíveis para fazer o SAF, uma fonte renovável e alternativa para combustível de aviação.

9- Para encerrar, como o CAF vê a parceria com a ABNT?

R.: Temos uma grande preocupação em relação a agendas regulatórias, que acabam tendo consequências negativas para a América Latina e para o Brasil. Nesse sentido, a parceria com a ABNT é super importante, pois muitas das formas mais difíceis de protecionismo vem por obstáculos não tarifários, como certificações e normalização. Portanto esse trabalho com a ABNT tem uma relevância grande e isso passa por uma Normalização para definir o que é powershoring. É algo que vai ter muita importância para o investidor, saber que está pisando em terreno normatizado, com conceitos e padrões definidos.

Beatriz Sândalo Abbas <beatriz.sandalo@fsb.com.br>

Publicidade