Anfavea levou ao governo proposta para desamarrar empréstimos dos bancos ao setor com juros mais baixos

Com linhas de produção paradas, sobram estoques e falta dinheiro no caixa das montadoras


PEDRO KUTNEY, AB

A Anfavea, associação que reúne os fabricantes de veículos instalados no País, levou ao governo proposta para desamarrar empréstimos dos bancos ao setor com juros mais baixos, para recompor o rombo de caixa das empresas provocado pelas paralisações de atividades como resposta à pandemia de coronavírus. A ideia é que o BNDES garanta essas operações, recebendo como garantia os créditos tributários que as montadoras têm a receber de governos federal e estaduais, que segundo calcula a entidade somam R$ 25 bilhões no momento.

Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, explica que essa é “uma solução criativa” encontrada pelo setor para mitigar o problema de fluxo de caixa que a crise gerou. “O faturamento das empresas caiu de 80% a 90% com a paralisação das atividades, mas continuam as despesas para pagar funcionários e fornecedores. Estamos com falta de capital de giro e precisamos de crédito para passar por esse momento”, explica o dirigente.

Segundo Moraes, a Anfavea calcula que do total de R$ 25 bilhões em créditos tributários acumulados pelas montadoras, R$ 15 bilhões sejam de responsabilidade do governo federal e outros R$ 10 bilhões dos estados, principalmente de ICMS recolhido e não devolvido em operações de exportações de veículos. “Essa é uma distorção brasileira, esses créditos vêm se acumulando há anos e não são devolvidos. Nenhum outro país tem esse tamanho de dívida em créditos tributários, que normalmente são restituídos em 90 dias, aqui não”, acentua.

GARANTIA PARA MITIGAR RISCO E REDUZIR JURO

Em meio ao aumento do risco sistêmico provocado pela crise instalada pela pandemia de Covid-19, que poderá levar muitas empresas à falência, os bancos se retraíram, evitam conceder crédito e quando o fazem cobram juros altos. Assim de nada adiantou a irrigação de liquidez no mercado de cerca de R$ 1,2 trilhão que o Ministério da Economia disse ter feito, lançando mão de medidas como a redução dos depósitos compulsórios dos bancos. Com aumento da aversão ao risco, esses recursos não chegam às empresas, continuam aplicados em títulos públicos.

“Não estamos pedindo subsídios nem isenções. Temos direito a esses créditos tributários, é um ativo legítimo, é dinheiro devido às empresas pelos estados e governo federal. Então só queremos usar esses recursos para mitigar riscos e dar garantia a empréstimos com juros menores, que vão ajudar as empresas a recompor capital de giro e passar pela crise”, afirmou Luiz Carlos Moraes.

Segundo Moraes, “agora a bola agora está com o governo, que por enquanto não disse nem sim, nem não, mas não há prazo para termos uma resposta, espero que seja o mais rápido possível”, disse. “Será estranho o governo não aceitar sua própria garantia”, pondera.

Caso a proposta não seja aceita, o presidente da Anfavea avalia que as empresas associadas até poderão buscar recursos nas matrizes, que também enfrentam problemas de liquidez e dificilmente têm condições de socorrer as subsidiárias brasileiras neste momento. “Claro que será difícil convencer as diretorias no exterior que não podemos usar recursos que nos são devidos”, destaca Moraes.

Mesmo que o BNDES garanta empréstimos no valor total dos créditos tributários devidos às montadoras de R$ 25 bilhões, o valor pode não ser suficiente para cobrir todos os rombos de caixa. No mês passado a Anfavea afirmou ao governo que o setor precisa de R$ 40 bilhões para atravessar a crise – o que envolve toda a cadeia, incluindo fornecedores e concessionários, duramente afetados pela devastadora queda de produção e vendas. “Pode ser que seja necessário acessar mais recursos, mas cada empresa decidirá de quanto precisa, se pode tomar menos empréstimos, ou dar outras garantias”, explica o dirigente.

Também não está descartado que bancos no exterior ou as matrizes possam dar garantias a empréstimos tomados por suas subsidiárias no País. Moraes cita o exemplo da agência de crédito às exportações da Suécia, que foi criada só para financiar o comércio exterior de empresas suecas e recentemente mudou sua finalidade, passando a conceder empréstimos regulares para cobrir o rombo de caixa de companhias. “Se não gostarem da proposta que fizemos aqui não tem problema, é só apresentar outra solução para o problema”, ressaltou o presidente da Anfavea.

MAIS MEDIDAS

Depois de ver algumas de suas demandas atendidas na Medida Provisória 936, que permite a flexibilização de jornada de trabalho e redução de salários para reduzir o tamanho da folha de pagamentos das empresas durante a crise, a Anfavea levou a proposta de financiar o capital de giro das empresas com uso de créditos tributários. Agora a entidade prepara um nova lista de pedidos, ainda em gestação pelos membros da associação, que envolvem medidas de estímulo ao setor.

“Estamos observando o exemplo de outros países, para ver o que podemos aplicar aqui. Existem muitas propostas em estudo, como um programa de renovação de frota, por exemplo, que discutimos há muito tempo, mas que pode ganhar velocidade agora para estimular as vendas de veículos”, conta Moraes.

O dirigente citou o exemplo da Alemanha, onde a chanceler Angela Merkel em pessoa se reuniu esta semana com membros da VDA (a associação alemão de fabricantes de veículos e autopeças) para traçar medidas de estímulo à indústria. Uma das ideia discutidas é um programa de renovação de frotas de veículos diesel com motores Euro 5, relativamente novos, por outros equipados com Euro 6, lançados há apenas dois anos na Europa. “Enquanto isso aqui ainda discutimos se devemos ou não renovar a frota que ainda tem caminhões Euro 0”, lamenta Moraes.

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