Philipp Schiemer, Presidente da Mercedes-Benz do Brasil, se diz decepcionado como governo vem conduzindo a crise

Presidente destaca que além da crise econômica, também tem que lidar com a crise política


Prestes a deixar o Brasil para assumir novo posto na companhia na Alemanha, enquanto seu sucessor Karl Deppen ainda aguarda condições de viagem e visto de trabalho para poder substituí-lo da presidência da Mercedes-Benz no País (o que estava previsto para acontecer este mês mas foi transferido para julho), Philipp Schiemer se mostra decepcionado sobre como o governo brasileiro está administrando a crise sem precedentes trazida pela pandemia de coronavírus. Ao falar sobre as ações da empresa e retomada da produção nas fábricas brasileiras esta semana, o executivo cobrou medidas com maior agilidade e coordenação para preservar o setor automotivo nacional e evitar recessão econômica mais longa.

Nos sete anos que esteve à frente da operação da Mercedes-Benz no Brasil, Schiemer lembrou que nos encontros constantes com a imprensa sempre teve mais problemas do que boas notícias a relatar, o mercado brasileiro de caminhões e ônibus passou por anos de perdas pesadas, mas ele alerta que desta vez a situação é mais grave e a recessão tende a ser pior no País.

“Agora a crise é sem precedentes e é global, afeta o mundo inteiro. Mas aqui faltam ações ágeis e coordenadas dos governos municipais, estaduais e federal. Em vez disso vemos brigas políticas, troca de ministros, enquanto a Covid-19 já atinge 200 mil pessoas e matou quase 14 mil (até 14/5)”, lamenta Schiemer. O executivo alerta que o descontrole da crise na saúde tende a agravar a recessão no País.

" Temos crise econômica e política que agrava a situação. Faltam palavras para expressar minha decepção com essa política. Políticos estão mais focados nas eleições de 2022 do que em tomar medidas para resolver a crise agora, discutem aumento de gastos públicos sem contrapartidas. Isso irá deixar uma herança diabólica para as próximas gerações, porque no futuro só restará recessão e desemprego", argumenta Philipp Schieme.

Para o executivo, os investidores já perderam a confiança no País e isso se reflete na desvalorização acentuada do real, a moeda que mais perdeu valor no mundo este ano, com a cotação do dólar que ultrapassou R$ 5,90 e se aproxima dos R$ 6. “Isso é inédito, depreciação cambial de mais de 45% com inflação quase zero. Não há razão técnica para tamanha desvalorização. Isso quer dizer que nos últimos meses o Brasil perdeu a credibilidade com as reformas paradas”, aponta Schiemer.

COBRANÇA DE MEDIDAS PARA O SETOR

O presidente da Mercedes-Benz também alertou que o setor automotivo brasileiro precisa de medidas urgentes do governo para superar a crise. “Perdemos mais de três meses de faturamento e agora precisamos de recursos. Por enquanto não houve demissões, mas isso tem limite”, avisa.

Schiemer defende, em ordem de urgência, três ações coordenadas com o governo: liberação de empréstimos com juros mais baixos para cobrir o rombo de caixa das empresas e garantir capital de giro, o replanejamento da agenda de marcos regulatórios do setor (adiamento das novas etapas da legislação de emissões, principalmente) e medidas de estímulo para fazer a economia voltar a crescer.

Com a crise, os bancos ficaram mais seletivos e passaram a cobrar mais caro pelos empréstimos diante do risco de quebra das empresas. Schiemer destaca que as matrizes das montadoras sempre garantiram o crédito de suas subsidiárias no Brasil, mas pondera que neste momento isso não é suficiente ou possível. Por isso ele defende a rápida aprovação da proposta apresentada recentemente pela Anfavea, a associação dos fabricantes, que pede a utilização de créditos tributários estimados em R$ 25 bilhões devidos às montadoras por estados e governo federal. Esses recursos serviriam de garantia para o BNDES avalizar junto a bancos a concessão de empréstimos mais baratos.

“Não precisamos de subsídios, só queremos pagar taxas razoáveis e isso é possível com a liberação de uma garantia que já pertence à indústria, para passar por esse momento de falta de capital de giro. Estamos entre os maiores pagadores de impostos do País. Deixar esse setor morrer por falta de recursos não é boa ideia”, enfatiza Schiemer. Outro pedido é que o Banco Central inclua os bancos de montadoras no programa de acesso a recursos da instituição, para aumentar o poder de financiar as vendas de veículos. Segundo Schiemer, cerca de 70% dos financiamentos de caminhões e quase 100% dos de ônibus no País são feitos pelas financeiras ligadas aos fabricantes de veículos. Ele lembra ainda que esses bancos financiam o capital de giro das concessionárias.

Superada a emergência financeira, Schiemer acredita que é necessário negociar o mais rápido possível o adiamento de prazos regulatórios para adoção de novos sistemas de segurança veicular e tecnologias de redução de emissões. Segundo ele, com a pandemia “já perdemos um tempo valioso de desenvolvimento dessas novas tecnologias, porque as engenharias também pararam, então não há mais como cumprir os prazos estabelecidos e nem recursos para investir nesses desenvolvimentos”, pontua.

Por fim, mas não menos importante, o executivo defende que serão necessárias medidas de estímulo para fazer a indústria voltar a crescer no País. Ele sugere, por exemplo, a rápida introdução de um programa de renovação de frota. “É um segundo passo, mas já deveríamos estar discutindo isso para recuperar a geração de empregos e renda o quanto antes”, avalia. “É um grande engano acreditar que a economia irá se recuperar sozinha após esta crise, serão necessários muitos incentivos para isso acontecer”, resume.
 

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