Renault apresenta plano de demissões voluntárias e entra em conflito com funcionários
Automotive Business -
Empresa vem enfrentando resistência dos empregados para adotar medidas de ajustes trabalhistas na planta de São José dos Campos, no Paraná
PEDRO KUTNEY, AB
A Renault apresentou semana passada um plano demissões voluntárias (PDV) para a fábrica de São José dos Pinhais (PR) com o objetivo de cortar 800 empregos do quadro total de 7,2 mil (5,1 mil na produção). Caso o número de cortes planejado não seja alcançado, a empresa informou que irá começar a demitir a partir de agosto com menos benefícios do que os propostos no PDV. Reunidos na tarde de sexta-feira, 17, em assembleia convocada pelo Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC) em frente ao Complexo Ayrton Senna, os empregados rejeitaram a proposta da fabricante, que também prevê novo acordo coletivo de trabalho, reajustes (data-base) e programa de participação nos resultados (PPR) até 2022. Os trabalhadores ameaçaram entrar em greve caso a Renault não desista dos cortes e apresente nova proposta até a quarta-feira, 22.
A empresa vem enfrentando resistência dos empregados para adotar medidas de ajustes trabalhistas na planta do Paraná desde que a produção foi paralisada por causa da pandemia de coronavírus, em março. No início de abril, com a fábrica parada, os trabalhadores rejeitaram a aplicação de redução de jornada e salários permitida pela Medida Provisória 936 editada pelo governo. Com isso, os funcionários continuaram em férias coletivas e voltaram ao trabalho em 4 de maio. Duas semanas depois eles aceitaram a flexibilização, mas na ocasião a Renault não renovou o contrato de 300 temporários. Os que ficaram seguiram trabalhando em três turnos com diminuição de 70% no tempo de trabalho e manutenção de 100% dos vencimentos líquidos pelo prazo que foi estendido a dois meses e terminou esta semana.
A avaliação da direção da Renault no Brasil é que não é possível manter o mesmo quadro de funcionários diante do cenário de demanda e produção muito reduzidas nos próximos anos. A marca esteve entre as que mais sofreram com a retração e fechou o primeiro semestre com queda de quase 48% nas vendas (apenas 60 mil emplacamentos) em comparação com a primeira metade de 2019; resultado nove pontos porcentuais pior do que o recuo médio do mercado de veículos leves no período, de 39%. Por isso, segundo a montadora, não há intenção no momento de estender o uso de redução de jornada e salários – o que há duas semanas foi aprovado pelo Congresso para durar por até 120 dias.
RENAULT VAI INSISTIR NO PDV
A Renault informa que vem negociando propostas de acordo coletivo com o sindicato de Curitiba desde fevereiro e que a chegada da pandemia ao País impediu a evolução para um entendimento. Agora, diante da nova realidade de recessão econômica, a empresa defende que não tem proposta melhor a fazer.
O plano de demissão voluntária apresentado pela empresa, além das verbas rescisórias legais, prevê o pagamento para quem quiser sair de 1,5 a 4 salários extras, conforme o tempo de casa, em graduação que começa de zero a seis anos (1,5) e aumenta para até oito (2,0), onze (2,5), quinze (3,5) e mais de dezesseis anos (4,0). A empresa também pagará mais dois salários referentes aos dois meses de estabilidade que os funcionários têm pela adesão por igual período da redução de jornada e salários conforme as regras da MP 936.
Entre os benefícios adicionais previstos está a manutenção do plano médico integral, incluindo dependentes, até junho de 2021; vale mercado até o fim deste ano; além do pagamento da primeira parcela do PPR deste ano, de R$ 8,5 mil. Em nota, a Renault argumenta que “em alguns aspectos esta proposta é melhor do que a aprovada pelo mesmo sindicato e colaboradores de outra empresa da região (a Volvo)”.
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba, Sérgio Butka, criticou a proposta da Renault e dias antes da assembleia veiculou um vídeo aconselhando os trabalhadores a rejeitarem integralmente o plano.
"O acordo proposto é rum para quem sai e para quem fica. PDV deve ser voluntário, sem essa meta de 800 cortes e a ameaça de demitir sem benefícios para quem não aceitar. É muito pouco o que a empresa oferece para demitir agora", defendeu Sérgio Butk
Caso a meta de 800 adesões ao PDV não seja atingida, a empresa pretende completar os cortes com demissões sem incentivos a partir de agosto, mantendo plano médico só até o fim de 2020 e vale mercado até outubro.
ACORDO COLETIVO ATÉ 2022, MAS SE NOVO INVESTIMENTO FOR APROVADO
A Renault também propôs aos empregados acordo coletivo de três anos, mas condicionado à aprovação de um plano de investimento para fazer novos produtos na fábrica do Paraná, que está sendo negociado com a matriz na França – o programa atual de R$ 3,2 bilhões de 2017 a 2019 terminou com o lançamento do novo Duster, em março passado.
Caso o acordo tivesse sido aprovado até a última sexta-feira, os funcionários ficariam sem correção salarial pela inflação em 2020 e 2021, que seria substituída por abonos fixos de R$ 1,5 mil e R$ 2 mil, respectivamente, a serem pagos de uma só vez ainda este mês, junto com a primeira parcela de R$ 8,5 mil do PPR. Em 2022 seriam retomados os reajustes pelo INPC, a empresa poderia terceirizar 350 cargos não ligados à sua atividade fim e o piso para novas contratações seria reduzido em 20%. “Isso é ruim para quem fica porque vai correr o risco de ser demitido para dar lugar a quem ganha menos”, afirma Butka.
A Renault também apresentou um novo programa de participação nos resultados (PPR) de R$ 13.500 e R$ 13,750 em 2021 e 2022, mas que só será pago integralmente se for atingida produção mínima de 376 mil veículos/ano – resultado que o sindicado considera “impossível” de ser alcançado diante das condições atuais do mercado. “Não vamos atingir esse número em 2020 ou 2021, nem em 2022. Ou seja, a empresa só vai pagar de 40% a 60% do PPR proposto”, criticou Butka. A montadora contrapõe, informando que nos últimos anos pagou os maiores valores de PPR do Brasil e que agora não pode premiar se a produtividade cai.
Segundo a Renault, a fábrica do Paraná opera com redução de 70% na jornada, mas seguiu em três turnos para acomodar os protocolos sanitários e evitar o contágio pela Covid-19 em suas instalações. Uma dessas regras é afastar não só o funcionário que tenha sido contaminado, mas todos que trabalham com ele no setor. Com isso, 7% do contingente da produção estão afastados em quarentena. Para contornar o problema, na semana passada foi necessário realocar trabalhadores do terceiro turno para cobrir ausências nos outros dois períodos.
O Complexo Ayrton Senna abriga atualmente quatro fábricas: Curitiba Veículos de Passeio (CVP), onde são produzidos os modelos Kwid, Sandero, Stepway, Logan, Duster, Oroch e Captur; Curitiba Veículos Utilitários (CVU), que produz a van Master; Curitiba Motores (CMO), responsável pela produção dos motores 1.0 SCe e 1.6 SCe, além do K4M para exportação; e a Curitiba Injeção de Alumínio (CIA), inaugurada em 2018, que faz blocos e cabeçotes.