Fabricantes de veículos representados pela Anfavea querem adiar por dois a três anos os investimentos calculados em R$ 12 bilhões

Associação confirma pedido de adiamento por 2 a 3 anos para atender novas fases do Proconve L7 e P8, alega falta de tempo e recursos


PEDRO KUTNEY, AB

Diante da falta de tempo e do rombo no caixa causados pela pandemia de coronavírus, os fabricantes de veículos representados pela Anfavea querem adiar por dois a três anos os investimentos calculados em R$ 12 bilhões que teriam de fazer para atender as novas fases da legislação brasileira de redução de emissões de poluentes veiculares, o Proconve L7 (para veículos leves) e P8 (pesados), ambos previstos para entrar em vigor a partir de 2022. A associação dos fabricantes já tinha admitido que negociava com o governo esse adiamento, mas só agora confirmou o tamanho da extensão de prazo solicitada, que bate com informação adiantada por Automotive Business há mais de um mês.

Segundo a Anfavea, o cronograma de desenvolvimento de novas tecnologias para atender as novas fases do Proconve já está prejudicado, pois as atividades de laboratórios, técnicos e engenheiros tiveram de ser paralisadas por causa das medidas de distanciamento social necessárias para conter a pandemia de Covid-19.

Ao mesmo tempo, a indústria sustenta que não tem recursos financeiros suficientes neste momento para bancar os investimentos necessários para desenvolver as novas tecnologias necessárias para atender a legislação. Segundo o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, o faturamento dos fabricantes, em torno de R$ 200 bilhões/ano, por força da crise econômica será reduzido em 30% a 40%, equivalente a perdas de R$ 60 bilhões a R$ 80 bilhões, que só deverão ser recuperadas lentamente ao longo dos próximos anos. A entidade projeta que o mercado brasileiro só deve voltar em 2025 ao mesmo nível de 2019, quando foram vendidos 2,8 milhões de veículos.

“As perdas acontecem justamente no momento mais crítico, quando deveríamos investir a maior parte dos recursos em protótipos e testes para desenvolver e validar os novos veículos que vão atender os novos limites de emissões do Proconve. Também temos atrasos na publicação de normas que devemos seguir. Com essas dificuldades precisamos debater prazos de investimentos mais realistas”, defende Luiz Carlos Moraes.

O dirigente afirma que o pleito de adiamento já está colocado ao governo, na esfera dos ministérios da Economia, Casa Civil e do Meio Ambiente, mas não há um prazo definido para uma resposta. “Temos reuniões semanais sobre isso. O assunto não está parado, mas não está resolvido. Devemos negociar ao longo dos próximos meses”, informa Moraes.

IMAGEM ARRANHADA

Diante dos estragos causados à imagem do setor com a divulgação da intenção de adiar as novas fases da legislação de redução de emissões de poluentes, a associação dos fabricantes convidou alguns jornalistas para apresentar dados e esclarecer sua posição na quarta-feira, 5. “Não concordamos com os comentários surgidos que queremos licença para poluir, é preciso ser justo, desde os anos 80 a indústria cumpriu com sua parte no Proconve e nesse período já entregou novos veículos que reduziram as emissões de poluentes na ordem de 90%”, ponderou o presidente da Anfavea.

“Não queremos o fim do Proconve, que defendemos e ajudamos a escrever e implantar no País. Mas diante dessa crise o que estamos pedindo é só uma redefinição de prazos”, destaca Luiz Carlos Moraes.

Marco Saltini, um dos vice-presidentes da Anfavea representante da Volkswagen Caminhões e Ônibus, ressaltou que embora o adiamento de prazos da legislação seja necessário a indústria não vai economizar com isso, mas haverá até aumento de custos de desenvolvimento, porque alguns processos terão de ser feitos novamente e parte dos investimentos já feitos serão perdidos. “A situação é crítica, temos de reconhecer, precisamos adiar porque a pandemia afetou todos, mas isso nos custa caro, depois deveremos ter de investir mais do que os R$ 12 bilhões (previstos)”, disse.

Saltini lembrou o exemplo da sétima fase do Proconve para veículos pesados a diesel, o P7, que entrou em vigor em 2012 com a introdução de motores Euro 5 no País. “Com as várias quedas que o mercado de caminhões teve ao longo dos últimos anos, descendo de 139 mil unidades em 2012 para apenas 50 mil em 2016 e 52 mil em 2017, ainda não conseguimos recuperar aqueles investimentos, que numa situação normal são recuperados em cinco a seis anos. No cenário atual esse quadro fica ainda pior”, afirmou.

HIATO LEGISLATIVO

Seja como for, entre as fases P7 e P8 do Proconve existe um intervalo de 10 anos que, em tese, seria suficiente para planejar e introduzir novas tecnologias de redução de emissões. Contudo, sob a desculpa da queda de mercado, houve um hiato legislativo e pela primeira vez desde a adoção do Proconve uma fase do programa foi introduzida (o P7) sem que a próxima estivesse agendada, o que atrasou por seis anos a publicação das normas do P8, só feita já no fim de 2018, e na época os fabricantes concordaram com o prazo de adoção até 2022.

Algo parecido ocorreu com a legislação de emissões para veículos leves: após a adoção do L6, em 2014, só no fim de 2018 foram publicadas as normas do L7, para vigorar oito anos depois da anterior, em 2022. Mas neste caso também foi agendada a etapa seguinte, a L8, que vigora a partir de 2025, quando serão introduzidos limites corporativos de emissões que os fabricantes terão de adotar, não só de cada veículo, mas do total vendido. A nova fase irá demandar investimentos adicionais aos R$ 12 bilhões calculados para desenvolver veículos L7 e P8.

Segundo Henry Joseph Jr., diretor técnico da Anfavea, o pedido de adiamento comtempla apenas o Proconve P8 e L7, o L8 segue mantido para 2025 e, se a prorrogação da sétima etapa do programa for aceita, poderá encavalar ou se juntar com a fase seguinte. “As fases L7 e L8 são complementares, mas ainda não discutimos sobre como vão ficar esses prazos”, informa.

Joseph Jr., que desde a década de 1980 participa das discussões para a adoção do Proconve e suas etapas no País, aponta que sempre houve dificuldades para discutir e implementar as fases do programa. “Lamentavelmente passamos muito tempo discutindo a legislação e quando chega-se a um acordo sobra pouco prazo para a indústria fazer o desenvolvimento necessário para atender as normas. É o que vem acontecendo nos últimos anos”, critica.

Nesse sentido, Saltini lembra dos ajustes que precisaram ser feitos nas últimas duas fases do Proconve para veículos pesados, com adiamentos, porque o País não produzia diesel com baixo índice de enxofre para motores Euro 4 ou 5, assim o P7 só entrou em vigor em 2012. “Colocaram limites de emissão de material particulado que dependem do índice de enxofre no combustível. Tínhamos diesel no País com 2 mil ppm (partes de enxofre por milhão) e precisávamos que fosse de apenas 10 ppm”, recorda.

“Temos aqui muitas peculiaridades, como combustíveis diferentes, que não permitem a simples importação de tecnologias que já existem fora do País. Não é só trazer e usar. Temos de ajustar a legislação de acordo com a realidade brasileira. Precisamos desenvolver soluções próprias e fornecedores locais. As próximas fases do Proconve trazem grau de complexidade muito maiores do que as anteriores, nunca tivemos de criar tanta tecnologia para atender. Por isso precisamos de tempo e grandes investimentos”, explica o diretor da Anfavea.

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