Setor automotivo segue para o caminho da digitalização
Automotive Business -
Representantes do mercado acreditam que o modelo tradicional de compra não irá desaparecer, mas que o digital vem ganhando cada vez mais adeptos
ERICA MUNHOZ, PARA AB
O futuro da distribuição. Este foi o tema central do segundo dia da jornada de lives do #ABX20 – Automotive Business Experience, evento digital que acontece até a próxima sexta-feira, 13. Os trabalhos foram abertos por J. R. Caporal e Daniel Nino, respectivamente CEO e vice-presidente comercial da Auto Avaliar, que abordaram como a pandemia afetou e mudou o jogo do mercado da distribuição.
O case da Tesla também foi assunto com a participação de Daniel Panizza Reis, sócio da DPR Trading (exportadora da dos carros da marca para América Latina) e Nilson Caldeira, diretor da MegaDealer, seguido por Fábio Braga, diretor da MegaDealer, com sua apresentação sobre preços e demanda. Para encerrar a manhã, Fábio Rabelo, head de digitalização e novos modelos de negócio da Volkswagen, Para Luciano Imperatori, sócio-diretor da HI Arquitetura, e Vergilio Juliani, diretor executivo da Autohonda, discorreram sobre suas visões a respeito das concessionárias digitais.
Com todos os negócios parados no mundo todo em função da pandemia de Covid-19, os dirigentes da Auto Avaliar, plataforma utilizada entre concessionárias e revendas para negociação de veículos usados, rapidamente pensaram em possibilidades que pudessem ajudar o segmento automotivo a passar por este período e sair dele melhor. “Tivemos que pensar fora da caixa, em algo para um mercado completamente parado”, lembrou J. R. Caporal.
Da necessidade, nasceram duas soluções a toque de caixa e um tanto fora do escopo da Auto Avaliar. O Indicar, sistema de indicação que envolve vendedores, indicadores e indicados (leads), produto destinado a movimentar vendas de carros usados que envolve todos os interessados nessa cadeia. O software criado é conectado ao CRM da concessionária e gerencia toda a plataforma de indicação. Conforme as vendas se concretizam, quem fez a indicação recebe uma comissão.
A dúvida que deu origem à outra solução foi se o carro era seguro ou seria um meio de transmissão do coronavírus. Nasceu a EVA – Esterilização Veicular Automatizada, sistema totalmente automatizado que irradia luz UV-C na parte externa do veículo, realiza atomização de Peroxy 4D na parte interna, criando uma microcamada nas superfícies, eliminando 100% dos vírus, fungos e bactérias por até 72 horas. Todo o processo é realizado em apenas 2 minutos e garante, segundo Caporal, sete vezes mais proteção do que qualquer outro processo isolado. “Com esse sistema é possível para as concessionárias ou revendedores independentes eliminarem todo meio de contágio durante o recebimento ou entrega do carro, além de ser uma fonte de renda extra”, pontuou.
O EVA já está disponível para o mercado e é feito sob demanda de acordo com o espaço onde será instalado. Além do preço de aquisição, o cliente paga também uma mensalidade pelo sistema.
Daniel Nino mostrou as soluções on-line criadas pela Auto Avaliar ganharam impulso durante a pandemia. Após uma queda em abril de 80% no número de avaliações de usados, no auge da quarentena as avaliações on-line chegaram a representar 50% do total. Hoje, Nino contou que as avaliações já retornaram ao patamar pré-pandemia, de 180 mil/mês, das quais 35% on-line. “Esse movimento prova que mesmo com a reabertura das concessionárias e a retomada do mercado essa tendência on-line continua e deve permanecer assim.”
A outra novidade apresentada por Nino, o Venda Expressa, foi criado para auxiliar a concessionária no processo de venda do usado de forma rápida e segura, seguindo o mesmo processo de avaliação e intermediação: “São 32 mil lojistas acessando a plataforma procurando carros. Aliás, como todos do mercado sabem, está faltando carro usado. Então, quanto mais veículos subirmos, mais chances de fazer negócios e o Venda Expressa está permitindo que isso aconteça”, comemorou.
Sobre o futuro da distribuição no médio prazo, Caporal e Nino concordam que não muda muito do que está agora. Apostam no modelo tradicional, no on-line e no híbrido. Mas Nino ressaltou que o importante é nunca esquecer do cliente e entender como quer ser atendido: “É isso que determinará o futuro”, finalizou.
O EXEMPLO DA TESLA
O surpreendente case da Tesla, fabricante norte-americana de veículos elétricos, empolgou a audiência da jornada com muitas perguntas e curiosidades (veja aqui reportagem completa) . Numa interessante troca de informações e conhecimento Daniel Panizza Reis e Nilson Caldeira deram um panorama do que é e para onde caminha a empresa e seus veículos. E focaram, levando em conta o tema do dia, como funciona a distribuição e o nível de digitalização de suas revendas.
De acordo com Reis, a Tesla é dona de todas as concessionárias e, por isso, o preço é o mesmo nos Estados Unidos inteiro. São lojas butique, com poucas unidades, não há inventário. Gostou do carro, senta-se com o vendedor e configura o modelo desejado, tudo digitalmente: “E não importa o Estado em que eu esteja, o valor não muda. A empresa está criando também o que chama de preço único de modo a facilitar a vida do vendedor e do comprador. É realmente uma atmosfera de compra totalmente diferente do que se tem no mercado.”
Já Caldeira destacou que o fato de a Tesla ter nascido na internet a deixou muito competitiva: “Vejo oportunidade de montadoras e distribuidores aprendendo com o case da Tesla. Desde já toda a rede deveria começar a refletir em como competirá em alguns anos.”
Atualmente, a Tesla está presente em 34 países com mais de 130 lojas e não tem plano de expansão para a América do Sul. Só chegará por aqui provavelmente quando conseguir produzir um veículo de menor custo, em torno de US$ 20 mil, o que se encaixaria para esses mercados. Segundo Reis já trabalham no desenvolvimento de novo chassi para tal.
PREÇOS E DEMANDA PARA O ALTO
“Sim, no curto prazo os preços e a demanda por carros continuarão pressionados”, respondeu Fábio Braga à indagação que dava nome à sua apresentação. Segundo ele, o mercado de carros usados vem registrando forte desempenho no segundo semestre de 2020, com estoques abaixo dos níveis pré-pandemia, vendas e tíquete médio recordes (leia aqui reportagem completa).
O tíquete médio de compra de um usado passou de R$ 42,1 mil em 2019 para R$ 45,6 mil em outubro deste ano, enquanto a margem média do revendedor subiu de R$ 4.736 para R$ 6.149 no mesmo período. “Em função da falta de veículos zero-quilômetro, o preço do usado valorizou. E o tíquete médio aumentou porque o consumidor acabou optando por seminovos mais equipados, de maior valor agregado”, explicou.
Por conta do ritmo frenético, os estoques de usados baixaram sobremaneira, para 32 dias, contra 48 dias em média no ano passado e 69 dias no ápice da pandemia em abril, o que tem provocado falta de produtos no mercado.
“Os mercados de veículos novos e usados está muito quente, com vendas crescentes e o momento deve ser aproveitado. No caso dos usados, o foco deve ser captar os melhores veículos e fazer a gestão do mix de estoque para que o bom momento se prolongue. Como o dólar permanece instável, e continua impactando os custos das montadoras, isso deve continuar afetando lá na frente o preço do carro. Também existe ainda uma demanda represada, que vai persistir até acontecer equilíbrio e a retomada plena da produção. Agora é momento de o mercado de usados ter atenção para aproveitar e também se equilibrar”, ponderou.
CONSUMIDOR VAI INDICAR O CAMINHO DA DIGITALIZAÇÃO
Enquanto a Volkswagen avança na digitalização de sua rede de concessionárias, a Honda prefere a paciência oriental e caminha a passos mais estreitos. No meio do ano passado, portanto antes da pandemia, a VW começou a implementar o Digital Dealer Experience em sua rede. Entenderam que o cliente mudou e criaram soluções com tela touch screem e comparativos on-line. O resultado é que 95% das revendas da marca no País já usam sistemas digitais de escolha e venda de veículos. Antes da pandemia o percentual era de 50%. “A grande maioria dos clientes aprova, com resultados muito positivos todo esse trabalho. A pandemia nos mostrou como o cliente está aberto e como estávamos preparados”, contou Fábio Rabelo, head de digitalização e novos modelos de negócio da Volkswagen.
Bom exemplo foi lançamento do modelo Nivus, para o qual a montadora utilizou a realidade aumentada, refletindo, segundo ele, em processo bastante assertivo: “Vendemos mais de 2 mil unidades totalmente on-line, sem que os clientes tivessem tocado o carro, o aplicativo foi um sucesso. Tanto que replicamos agora Argentina e o faremos para outros países da América Latina.”
Tais experiências fazem com que a montadora siga investindo em tecnologias para um mundo cada vez mais digitalizado e conectado. Mas e adiante? Rabelo acredita que o físico não vai desaparecer, mas não tão grande como antes e a tecnologia é fundamental nesse processo. “Temos um plano com vários passos, baseado no consumidor, seguindo a tendência de que parte comprará 100% on-line, parte vai querer ir à loja e haverá quem fará um pouco dos dois. É algo que veio para ficar. Então, temos o desafio de melhorar essa experiência porque tecnologia é dinâmica e muda o tempo todo. Quando chegamos no estado-da-arte, temos que começar tudo novamente”, ponderou.
Vergilio Juliani, da Autohonda, concordou com Rabelo sobre criar alternativas para aquilo que é o desejo do consumidor. Um varejo moderno precisa ter esse olhar, segundo ele, que também não duvida da importância da digitalização e das experiências tecnológicas para oferecer alternativas para o consumidor: “A pandemia nos trouxe a obrigação de fazer uma evolução do digital mais rápida. Existe hoje uma preocupação muito focada em aprender com o consumidor qual a jornada de compra que ele quer. Por isso, caminhamos nesse sentido, porém num nível menor de digitalização”, contou.
“Existe uma preocupação em saber o que é bom para todos os componentes da cadeia, para que todos tenham crescimento sustentado e, por isso, esse comedimento em avançar em tecnologia. Estamos focados na conveniência e em encontrar os vários caminhos para implementar tudo de forma equilibrada. É um processo de aprendizado e todas as concessionarias precisam acelerar essa busca”, complementou Juliani.
Para Luciano Imperatori, sócio-diretor da HI Arquitetura, empresa com mais de 30 anos de experiência em projetos de concessionárias, estão em processo muitas transformações e a mais significativa é agora. Ele explicou que nada se perde no mercado automotivo, que é muito dinâmico, mas que os formatos estão mudando. “Concessionários gigantes vêm reduzindo suas estruturas. E por isso passamos a criar modelos de revendas com aspectos físicos e digitais. Está cada vez mais clara a tendência do espaço físico menor. Porém, há ainda uma relação emocional do consumidor com a marca. E isso também é preciso considerar.”
Ao longo do tempo, de acordo com Imperatori, observou-se a possibilidade de selecionar menos carros para o showroom, em vez de toda a linha, e que um espaço menor e mais qualificado (menos concessionária e mais ponto de conveniência, com outros serviços como restaurantes ou agências de viagem) poderia atrair mais clientes.
“A concessionária passa a ser um local mais de prestação de serviço, buscando uma relação de consolidação com o cliente. Há, por exemplo, tendência de mercado de montadoras serem fornecedoras de mobilidade. Diante da aceleração que a pandemia trouxe, tivemos que compactar tudo e entregar essas soluções. É muito interessante estar bem localizado? Claro. Mas oferecer atrativos para que as pessoas frequentem a concessionária não só para comprar veículos cria uma identidade mais forte com a marca.”