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Mercedes-Benz encerra a produção de automóveis na fábrica de Iracemápolis

A fabricante credita ao baixo desempenho, sem horizonte visível de melhora, a decisão de encerrar a produção


PEDRO KUTNEY, AB

Lançando mão do eufemismo que “pretende otimizar sua rede global de produção”, a Mercedes-Benz comunicou na quinta-feira, 17, o encerramento da produção de automóveis na fábrica de Iracemápolis, inaugurada em 2016 no interior paulista com investimentos informados de R$ 600 milhões. É a segunda vez que fabricante desiste de produzir carros no País, dez anos depois de converter a planta de Juiz de Fora (MG) para fazer caminhões.

Ao contrário do que aconteceu na unidade mineira, as instalações no interior paulista ainda não têm seu destino definido. “A Mercedes-Benz analisa diferentes possibilidades para o futuro da fábrica de automóveis de Iracemápolis”, diz a empresa em comunicado. A montadora afirma que por enquanto não vai demitir nenhum dos 370 empregados diretos da planta, e que irá “buscar alternativas”, incluindo um programa de demissão voluntária (PDV) e outras soluções que promete avaliar em breve.

A fábrica também empregava trabalhadores terceirizados. Era o caso da ZF, que desde o início da operação fornecia componentes e mão-de-obra com 15 funcionários dedicados à montagem do powertrain (motor, transmissão e eixos) dos Mercedes produzidos em Iracemápolis. A ZF informou que irá tentar reabsorver esses empregados em outras plantas da empresa, conforme a conveniência dos colaboradores e as necessidades de cada unidade.

A Mercedes informou ainda que a decisão de fechar a linha de produção de automóveis em nada afeta a operação do campo de provas para desenvolvimento de veículos pesados, que a Mercedes inaugurou em 2018 no mesmo terreno da fábrica, com investimentos de R$ 90 milhões. No fim de 2019 a empresa anunciou novo investimento de R$ 70 milhões em conjunto com a Bosch para construir no mesmo local um dos maiores campos de testes veiculares do Hemisfério Sul, mas o projeto está suspenso por causa da pandemia.

BAIXA PRODUTIVIDADE

Na quarta-feira, 16, a fábrica de Iracemápolis produziu seu último carro, um sedã Classe C. O outro modelo também fabricado na unidade, o SUV compacto GLA, teve a produção encerrada em setembro passado, já em antecipação dos planos de interromper a operação. A Mercedes não informa quantos automóveis foram montados na planta desde a inauguração em 2016, mas no fim de 2018 divulgou o marco de 20 mil veículos fabricados, número que somado aos cerca de 10 mil GLA e Classe C vendidos nos últimos dois anos totaliza 30 mil em quatro anos de atividades – volume que diluído ao longo do período não chega sequer à metade da capacidade técnica instalada de 20 mil/ano.

A fabricante credita ao baixo desempenho, sem horizonte visível de melhora, a decisão de encerrar a produção, segundo explica no comunicado Jörg Burzer, membro da diretoria global da Mercedes-Benz AG responsável por produção e cadeia de suprimentos: “A situação econômica no Brasil tem sido difícil por muitos anos e se agravou devido à pandemia de Covid-19, causando queda significativa nas vendas de automóveis premium. Ao longo do nosso processo de transformação, continuamos a reestruturar a nossa rede de produção global. Aumentar nossa eficiência, otimizando a nossa capacidade de utilização, é um facilitador importante. Por isso, decidimos encerrar a produção de automóveis no Brasil”, afirma. “Nosso primeiro objetivo agora é encontrar uma solução sustentável para os colaboradores dessa unidade”, acrescentou.

Apesar de sempre dizerem que focam suas decisões e aportes de capital no horizonte de longo prazo, os investimentos da Mercedes e outras montadoras que anunciaram a construção de fábricas parecidas na mesma época foram motivados por contingências de curto prazo, baseados na expansão momentânea do mercado de veículos premium no País diante da decretação das regras do Inovar-Auto, que vigoraram de 2012 a 2017 com a sobretaxação em 30 pontos porcentuais sobre o IPI de carros importados, para incentivar (ou forçar) a produção nacional.

Assim, aproveitando um regime especial do Inovar-Auto dedicado à fabricação de modelos premium em baixos volumes, a Mercedes anunciou em 2013 que retomaria a fabricação de automóveis no País – após a fracassada empreitada iniciada em 1999 em Juiz de Fora, onde ergueu fábrica para produzir até 60 mil unidades/ano e mal chegou a um terço dessa capacidade com a produção do compacto Classe A (1999-2005) e somente para exportação dos sedãs Classe C (2001-2007) e CLC (2007-2010), até converter a planta para produzir caminhões a partir de 2012.

OUTRAS FÁBRICAS EM SITUAÇÃO ARRISCADA

Na mesma época e com quantias aplicadas muito parecidas, assim como a Mercedes, BMW, Audi e Jaguar Land Rover também aproveitaram o regime especial do Inovar-Auto para investir em fábricas de veículos premium no Brasil, com baixos volumes de produção que pareciam insustentáveis para qualquer unidade industrial, mas que pareciam não incomodar a direção global das empresas como agora, no momento em que a pandemia encurtou o caixa e as corporações saíram à procura de desperdícios para cortar.

Outro fator que está pesando contra a produção nacional de veículos premium é a dívida calculada em R$ 289 milhões em créditos tributários que o governo deve às três fabricantes alemãs (Audi, BMW e Mercedes-Benz) que se habilitaram ao Inovar-Auto e investiram em fábricas no Brasil. O montante é equivalente à sobretaxação de IPI recolhido pelas empresas na importação de veículos durante a vigência do Inovar-Auto, que o governo havia prometido devolver após o início da produção nacional dessas marcas, mas nunca devolveu.

A Audi é outra que também paralisou este mês e pela segunda vez a produção nacional em São José dos Pinhais (PR), onde desde 2015 montava o sedã A3, e declarou que receber os créditos que tem com o governo irá pesar significativamente para voltar a fazer carros no Brasil (leia aqui). Neste caso, a paralisação é suavizada pelo fato de a fábrica ser compartilhada com a Volkswagen, empresa do mesmo grupo, e assim a planta segue produzindo modelos VW.

A Jaguar Land Rover não comunicou se também pretende encerrar atividades em Itatiaia (RJ), onde em 2016 iniciou a montagem do Evoque e do Discovery Sport logo na sequência, mas desde o ano passado os volumes, que sempre foram muito baixos, definharam ainda mais. A fabricante vem reduzindo a produção na unidade, que este ano de janeiro a novembro caiu quase 40% com apenas 1,5 mil Discovery Sport montados na unidade, bem distante da capacidade de 24 mil/ano.

A BMW parece melhor estabelecida na fábrica de Araquari (SC), apesar de nunca ter chegado nem à metade de sua capacidade técnica de 36 mil unidades/ano. Hoje são montados na planta os sedãs da Série 3 e os SUVs X1, X3 e X4 e de janeiro a novembro os 7,7 mil carros produzidos representaram até crescimento de 6,3% em relação ao volume dos mesmos meses de 2019. Recentemente, a empresa divulgou que estuda novos projetos para a fábrica, incluindo a montagem de modelos híbridos (leia aqui).

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