Anfavea rebate declaração de que fabricantes de veículos recebem incentivos demais em relação ao que pagam de impostos
Automotive Business -
Números levantados pela entidade mostram que o setor automotivo paga seis vezes mais impostos do que recebe em desonerações fiscais
PEDRO KUTNEY, AB
A Anfavea lançou mão de um arsenal de estatísticas tributárias públicas para rebater acusações, inclusive de setores do governo, de que os fabricantes de veículos instalados no Brasil recebem incentivos demais em relação ao que arrecadam e devolvem em resultados econômicos – uma discussão que voltou ao noticiário após a decisão da Ford de fechar todas as suas fábricas brasileiras, que recebiam benefícios tributários e ainda assim foram consideradas ineficientes pela empresa. Números levantados pela entidade mostram que o setor automotivo é isoladamente o mais tributado do País e paga, em média, seis vezes mais em impostos do que recebe em desonerações fiscais de estímulo à indústria ou ao desenvolvimento de certas regiões.
Também voltou à cena a discussão sobre se vale a pena o Brasil continuar a desenvolver sua indústria de transformação – visão recentemente externada em entrevista ao jornal Valor pelo economista Carlos von Doellinger, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao Ministério da Economia), que defendeu a desindustrialização em favor de maior foco em segmentos nos quais o País é mais competitivo, como agricultura e mineração, citando exemplos de Austrália e Chile, países que simplesmente desistiram de abrigar fabricantes de veículos e outros bens em seus territórios.
A Anfavea e outras entidades representativas de setores industriais rebateram com indignação as declarações de Doellinger, publicaram no fim de janeiro uma declaração conjunta em jornais destacando a importância estratégica de ter uma indústria forte – como é o caso de todas as maiores economias do mundo onde o Brasil está inserido –, que além de gerar empregos de qualidade também é fonte de desenvolvimento tecnológico. O presidente da Anfavea, Luiz Carlos de Moraes, destacou que a única semelhança que o Brasil tem com o Chile é que o tamanho da população do país sul-americano (20 milhões) é igual ao número de desempregados e desalentados no mercado brasileiro atualmente.
"É um crime se cogitar a desindustrialização do País, nos relegando à condição de colônia fornecedora de matérias-primas e de produtos primários. Isso é a prova de profundo desconhecimento. Precisamos crescer rápido, gerar riquezas e empregos. Sorte do país que detém um setor automotivo robusto como o Brasil", rebateu Luiz Carlos Moraes.
A visão de que a indústria de transformação deveria ser menos prestigiada não é nova e há muito tempo é compartilhada por diversos economistas liberais abrigados no governo. Em 2017, por exemplo, quando estava em discussão o Rota 2030, funcionários do então Ministério da Fazenda chegaram a barrar e desqualificar o programa setorial que estava sendo desenhado para o desenvolvimento da indústria automotiva nacional (leia aqui).
Moraes aponta que os números não sustentam essa visão. Se o Brasil parasse de produzir veículos, passando a importar todo o volume consumido pelo mercado nacional (2 milhões de unidades em um ano ruim como foi 2020), ele calcula que isso abriria um déficit na balança comercial do País de US$ 60 bilhões a US$ 70 bilhões por ano, que não poderia ser coberto por todas as exportações do agronegócio ou de minérios.
SETOR AUTOMOTIVO INVESTE MAIS DO QUE RECEBE EM INCENTIVOS
Para Moraes, sobra muita teoria aos pesquisadores e economistas do governo e falta em igual proporção conhecimento prático sobre o tamanho, abrangência e potencial econômico e tecnológico da indústria automotiva. Ele cita o Inovar-Auto, programa que antecedeu o Rota 2030 entre 2012 e 2017, com estímulos tributários à produção nacional, ganhos de eficiência energética (economia de combustível) e investimentos em pesquisa e desenvolvimento. No período os fabricantes investiram R$ 5,1 bilhões em P&D e receberam desonerações fiscais que somaram R$ 1,4 bilhão, o que representa R$ 3,60 investidos para cada R$ 1,00 incentivado.
“A indústria automotiva puxa os investimentos em pesquisa e desenvolvimento no mundo todo. No Brasil é o setor privado que mais investe em P&D Em um estudo preparado pela Anfavea e divulgado à imprensa na quinta-feira, 4, a entidade desconstrói a ideia amplamente divulgada que o setor automotivo recebe muitos incentivos em relação ao impostos que paga. O levantamento mostra que na última década a indústria automotiva recebeu menos de 2% de todas as desonerações tributárias concedida pelo governo. Em 2019, por exemplo, a Receita Federal projeta que concedeu R$ 308 bilhões em descontos fiscais a vários setores e regiões, enquanto a porção dos fabricantes de veículos e autopeças nesse total teria somado R$ 6,7 bilhões, ou 2,2% do montante, na maior proporção dos últimos dez anos.
Ainda de acordo com o estudo, o setor automotivo é o que mais arrecada impostos em relação ao que recebe em desonerações tributárias. Conforme dados consolidados da Receita Federal, de 2011 a 2017 o conjunto de fabricantes pagou R$ 268 bilhões em tributos e recebeu R$ 24 bilhões em descontos fiscais, o que equivale a R$ 11,10 arrecadados ao Fisco para cada R$ 1,00 desonerado. É a maior relação entre arrecadação e concessão de benefícios apurada entre todos os setores da economia – está acima inclusive da média da indústria de transformação como um todo, que é de 9,6 para 1. “Isso comprova que nosso setor é que carrega a maior parte da carga tributária do País”, aponta o presidente da Anfavea.
“É preciso lembrar que esse não é um dinheiro que recebemos do governo, mas uma desoneração tributária, um desconto nos impostos – e só precisamos disso porque somos tributados excessivamente”, pondera Moraes. “Mesmo assim, não recebemos todos esses valores de volta, os governos federal e estaduais devem ao setor R$ 25 bilhões em créditos tributários (tributos pagos com direito à restituição) que nunca são reembolsados”, assinala.